Acórdão nº 51949037120228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51949037120228217000
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003086982
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5194903-71.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Obrigações

RELATORA: Desembargadora LUSMARY FATIMA TURELLY DA SILVA

AGRAVANTE: ESSOR SEGUROS S.A.

AGRAVADO: COOPERATIVA DE CREDITO DE LIVRE ADMISSAO DE ASSOCIADOS DO VALE DO RIO PARDO - SICREDI VALE DO RIO PARDO RS

AGRAVADO: JORGE PANTA HABEKOST

RELATÓRIO

Vistos.

Trata-se de agravo de instrumento interposto por ESSOR SEGUROS S.A., nos autos desta ação de cobrança securitária ajuizada por JORGE PANTA HABEKOST, contra a decisão interlocutória de Evento 20 (Processo originário), proferida nos seguintes termos:

Vistos.

Do ônus da prova

Compulsando os autos, verifico que resta pendente de análise o pedido de inversão do ônus da prova, requerido pelo autor, o qual deve ser analisado antes de prolatada a sentença - (STJ. Segunda Seção. REsp 802832/MG Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO. DJe 21/09/2011).

Pontue-se, por princípio, que a presente controvérsia versa matéria jungida à relação de consumo, na qual se verifica desigualdade entre as partes, o que, no plano material, relaciona-se com o desconhecimento técnico e, na esfera processual, encontra assento na hipossuficiência do consumidor, ou seja, na impossibilidade de produção de provas nos autos do processo.

Assim, cabível a inversão do ônus probatório, nos termos do art. 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, competindo o ônus da prova à demandada, o que ora declaro.

Do prosseguimento do feito

Ainda, em atenção aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, imperioso se faz oportunizar às partes a complementação das provas.

Desse modo, intimo as partes para que, no prazo de 15 dias, especifiquem as provas que pretendem produzir, justificando sua necessidade, sob pena de indeferimento.

Saliente-se que, caso pretendam as partes produzir prova oral, deverão informar a qualificação das testemunhas para adequação da pauta, precisando-lhes o nome, profissão, residência e CPF (necessário ao cadastramento no sistema Eproc).

Ressalto que, o rol de testemunhas deverá observar os requisitos previstos no art. 450, do CPC, e ser apresentado no prazo acima, observando o limite contido no art. 357, parágrafo 6º, do CPC, sob pena de perda da prova.

Consigna-se, desde já, que as próprias partes se encarregarão de intimar e/ou levar à audiência as testemunhas por si arroladas, nos termos do artigo 455, caput e §§.

Após, voltem conclusos para apreciação.

Em suas razões recursais, a seguradora agravante insurge-se contra a decisão que inverteu o ônus da prova e determinou a aplicação da legislação consumerista ao caso. Defende que a presente lide é distinta dos casos rotineiros de relação securitária e de consumo, uma vez que o segurado é produtor agrícola do setor da orizicultura. Discorre ser temerária a concessão da gratuidade de justiça tão somente com base em uma declaração unilateral. Afirma que o segurado demandante não se apresenta como vulnerável, fazendo com que inexista a aplicação da legislação consumerista ao caso. Assevera que o autor adquiriu o seguro como elemento de sua atividade econômica, sendo o contrato securitário um insumo do negócio operacionalizado pelo agricultor. Refere que o demandante não é o destinatário final do serviço, não havendo falar, de igual maneira, em hipossuficiente diante da relação negocial instaurada entre as partes. Salienta que os efeitos da decisão favorecem inclusive a corré, uma cooperativa de alto valor de mercado. Discorre sobre os requisitos para a inversão do ônus da prova. Ao fim, pugna pela concessão de efeito suspensivo ao agravo de instrumento e pelo provimento do recurso.

O recurso foi recebido em decisão de Evento 5, oportunidade em que foi atribuído efeito suspensivo ao agravo de instrumento.

Intimada, a Cooperativa de Credito de Livre Admissão de Associados do Vale do Rio Pardo - SICREDI Vale do Rio Pardo RS - apresentou contrarrazões (Evento 16). A parte autora da demanda deixou de apresentar contrarrazões no prazo legal (Evento 15 - Renúncia de prazo).

Após, vieram os autos conclusos a esta Relatoria.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

A admissibilidade do recurso foi aferida quando do recebimento do agravo de instrumento, estando superada a questão.

No mérito, pretende a parte agravante a reforma da decisão que inverteu o ônus da prova e determinou a aplicação da legislação consumerista ao caso. Para tanto, defende a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor à hipótese em comento, bem como defende o não cabimento da inversão do ônus da prova ante a ausência de hipossuficiência técnica do autor.

No entanto, a pretensão recursal não merece acolhimento. Isso porque, conforme delineado na própria decisão recorrida, a hipótese é de relação de consumo, restando englobada na definição de serviço a atividade de consumo securitária, com fulcro no §2º do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor, que assim dispõe:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista

No caso, a despeito de ser produtor rural, no caso específico deste processo, e não se enquadrar, propriamente, no conceito de destinatário final do serviço securitário, é possível aplicar as disposições do CDC, porque configurada situação de vulnerabilidade técnica destes em relação à seguradora. Sobre o tópico, é oportuna a transcrição do seguinte olhar doutrinário1:

“(...) a vulnerabilidade informacional, que é a vulnerabilidade básica do consumidor, intrínseca e característica deste papel na sociedade. Hoje merece ela uma menção especial, pois na sociedade atual são de grande importância a aparência, a confiança, a comunicação e a informação. Nosso mundo de consumo é cada vez mais visual, rápido e de risco, daí a importância da informação. Efetivamente, o que caracteriza o consumidor é justamente seu déficit informacional, pelo que não seria necessário aqui frisar este minus como uma espécie nova de vulnerabilidade, uma vez que já estaria englobada como espécie de vulnerabilidade técnica. Hoje, porém, a informação não falta, ela é abundante, manipulada, controlada e, quando fornecida, nos mais das vezes, desnecessária. Concorde-se com Erik Jayme, quando conclui que o consumidor/usuário experimenta neste mundo livre, veloz e global (relembre-se aqui o consumo pela internet, pela televisão, pelo celular, pela televisão, pelos novos tipos de computadores, cartões e chips), sim, uma nova vulnerabilidade. Também Antônio Herman Benjamin menciona o aparecimento de uma ‘hipervulnerabilidade’ em nossos dias.

(...)

Considere-se, pois, a importância dessa presunção de vulnerabilidade jurídica do agente consumidor (não-profissional) como fonte irradiadora de deveres de informação do fornecedor sobre o conteúdo do contrato, em face hoje da complexidade da relação contratual conexa e seus múltiplos vínculos cativos (por exemplo, vários contratos bancários em um formulário, vínculos com várias pessoas jurídicas em um contrato de plano de saúde) e da falta de clareza deste contrato, especialmente os massificados e de adesão. Como ensina o STJ, o fornecedor deve presumir que consumidor stricto sensu é um leigo e, assim, cumprir seus deveres de boa-fé visando alcançar a informação deste cocontratante leigo: “Com efeito, nos contratos de adesão, as cláusulas limitativas ao direito do consumidor contratante deverão ser redigidas com clareza e destaque, para que não fujam de sua percepção leiga” (STJ, REsp 311509-SP, j. 03.05.2001, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira)”

A mitigação da teoria finalista na interpretação do conceito de consumidor e, portanto, a possibilidade de incidência do CDC, quando comprovada a hipossuficiência da parte, é aplicada pelo e. Superior Tribunal de Justiça, consoante se depreende dos seguintes julgados (com meus grifos):

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RELAÇÃO DE CONSUMO. EXISTÊNCIA. APLICABILIDADE DO CDC. TEORIA FINALISTA. MITIGAÇÃO. POSSIBILIDADE. VULNERABILIDADE VERIFICADA. REVISÃO. ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. ÓBICE DA SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO MANTIDA.
1. A Segunda Seção desta Corte consolidou a aplicação da teoria subjetiva (ou finalista) para a interpretação do conceito de consumidor. No entanto, em situações excepcionais, esta Corte tem mitigado os rigores da teoria finalista para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja propriamente a destinatária final do produto ou do serviço, apresenta-se em situação de vulnerabilidade ou submetida a prática abusiva.
2. No caso...

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