Acórdão nº 51966490820218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51966490820218217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001761251
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5196649-08.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Concurso de Credores

RELATOR: Desembargador JORGE LUIZ LOPES DO CANTO

AGRAVANTE: COMLINE'S COMERCIAL LTDA - EPP

AGRAVADO: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL

RELATÓRIO

COMLINE'S COMERCIAL LTDA - EPP interpôs agravo de instrumento em face da decisão que julgou parcialmente procedente a impugnação à habilitação de crédito oposta por BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL.

Nas razões recursais, a agravante elaborou breve relato dos fatos. Narrou que a discussão constante no presente feito se dá em razão da liquidação de Letra Financeira dada em garantia a operação formalizada com o credor Banrisul.

Sustentou a concursalidade do crédito referente à Letra Financeira em questão, posto que esta seria título de crédito consistente em promessa de pagamento em dinheiro, só podendo ser liquidada na data do seu vencimento, se tratando de um crédito futuro, que não se enquadraria no disposto no art. 49, § 3º, da Lei de Recuperações e Falências.

Postulou a minoração da verba sucumbencial, requerendo que esta seja arbitrada com base nos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e da preservação da empresa.

Com as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade e objeto do recurso

Eminentes Colegas. Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a decisão que julgou parcialmente procedente a impugnação à habilitação de crédito.

Os pressupostos processuais foram atendidos, utilizado o recurso cabível, há interesse e legitimidade para recorrer, este é tempestivo e foi devidamente preparado, estando acompanhado da documentação pertinente, cumpridas as formalidades legais e inexistindo fato impeditivo do direito recursal, noticiado nos autos.

Assim, verificados os pressupostos legais, conheço do recurso intentado para o exame das questões suscitadas.

Matéria discutida no recurso em exame

No caso em análise a parte agravante sustenta a submissão do crédito, oriundo da letra financeira n.º 0000130/2015 aos efeitos da recuperação judicial, em razão de sua iliquidez e de esta ter sido dada como garantia fiduciária em outra operação realizada junto ao banco agravado.

Note-se que o princípio da preservação da empresa, insculpido no art. 47 da Lei 11.101/2005, dispõe que a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação daquela, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Acerca do tema em discussão ensina Fazzio Júnior1, uma vez mais, o que segue:

O princípio da conservação da empresa parte da constatação de que a empresa representa “um valor objetivo de organização que deve ser preservado, pois toda a crise da empresa, causa um prejuízo à comunidade” (LOBO, 1996:6).

O objetivo econômico da preservação da empresa deve preponderar, em regra, sobre o objetivo jurídico da satisfação do título executivo, se este for considerado apenas como a realização de pretensão singular. O regime jurídico de insolvência não deve ficar preso ao maniqueísmo privado que se revela no embate entre a pretensão dos credores e o interesse do devedor. A empresa não é mero elemento da propriedade privada.

Resumindo o caráter insatisfatório das normas concursais ortodoxas, valem as palavras de Fernández-Rio (1982: 150), ao comendar que, na crise econômica de uma empresa, sobre o próprio devedor, sofrem os credores e sofre a sociedade.

Verifica-se que o objeto do presente recurso está consubstanciado na possibilidade do crédito, apontado pela parte agravante, estar contemplado na hipótese prevista no artigo 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, que está assim redigido:

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

(...)

§ 3o Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o do art. 6o desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

Ainda, acerca dos créditos sujeitos à Recuperação Judicial, cabe trazer à baila os ensinamentos de Ricardo Negrão2, conforme a seguir transcritos:

Se as dificuldades da empresa abrangem um grande número de credores de distintas categorias – trabalhistas, fornecedores, credores com garantia real etc. –, adequada é a modalidade de recuperação judicial ordinária, por ser a mais abrangente e compreender todos os credores existentes, ainda que titulares de créditos não vencidos (art. 49), à exceção de seis categorias:
1) os credores fiscais;
2) o proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis (art. 49, §3º);
3) o arrendador mercantil (art. 49, §3º);
4) o proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias (art. 49, §3º);
5) proprietário em contrato de venda com reserva de domínio (art. 49,§3º);
6) os titulares de importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional, decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação (arts. 86, II, e 49, §4º)

Nesse sentido, releva ponderar que o colendo Superior Tribunal de Justiça firmou jurisprudência no sentido de que desnecessário o registro de determinados contratos para existência da garantia, conforme a seguir transcrito:

RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CESSÃO FIDUCIÁRIA SOBRE DIREITOS SOBRE COISA MÓVEL E SOBRE TÍTULOS DE CRÉDITO. CREDOR TITULAR DE POSIÇÃO DE PROPRIETÁRIO FIDUCIÁRIO SOBRE DIREITOS CREDITÍCIOS. NÃO SUJEIÇÃO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL, NOS TERMOS DO § 3º DO ART. 49 DA LEI N. 11.101/2005. MATÉRIA PACÍFICA NO ÂMBITO DAS TURMAS DE DIREITO PRIVADO DO STJ. PRETENSÃO DE SUBMETER AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL, COMO CRÉDITO QUIROGRAFÁRIO, OS CONTRATOS DE CESSÃO FIDUCIÁRIA QUE, À ÉPOCA DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL, NÃO SE ENCONTRAVAM REGISTRADOS NO CARTÓRIO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS DO DOMICÍLIO DO DEVEDOR, COM ESTEIO NO § 1º DO ART. 1.361-A DO CÓDIGO CIVIL. INSUBSISTÊNCIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. Encontra-se sedimentada no âmbito das Turmas que compõem a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça a compreensão de que a alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de créditos (caso dos autos), justamente por possuírem a natureza jurídica de propriedade fiduciária, não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial, nos termos do § 3º do art. 49 da Lei n. 11.101/2005.

2. O Código Civil, nos arts. 1.361 a 1.368-A, limitou-se a disciplinar a propriedade fiduciária sobre bens móveis infungíveis.

Em relação às demais espécies de bem, a propriedade fiduciária sobre eles constituída é disciplinada, cada qual, por lei especial própria para tal propósito. Essa circunscrição normativa, ressalta-se, restou devidamente explicitada pelo próprio Código Civil, em seu art. 1.368-A (introduzido pela Lei n. 10.931/2004), ao dispor textualmente que "as demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições desse Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial".

2.1 Vê-se, portanto, que a incidência subsidiária da lei adjetiva civil, em relação à propriedade/titularidade fiduciária sobre bens que não sejam móveis infugíveis, regulada por leis especiais, é excepcional, somente se afigurando possível no caso em que o regramento específico apresentar lacunas e a solução ofertada pela "lei geral" não se contrapuser às especificidades do instituto por aquela regulada.

3. A exigência de registro, para efeito de constituição da propriedade fiduciária, não se faz presente no tratamento legal ofertado pela Lei n. 4.728/95, em seu art. 66-B (introduzido pela Lei n. 10.931/2004) à cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito (bens incorpóreos e fungíveis, por excelência), tampouco com ela se coaduna.

3.1. A constituição da propriedade fiduciária, oriunda de cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis e de títulos de crédito, dá-se a partir da própria contratação, afigurando-se, desde então, plenamente válida e eficaz entre as partes. A consecução do registro do contrato, no tocante à garantia ali inserta, afigura-se relevante, quando muito, para produzir efeitos em relação a terceiros, dando-lhes a correlata publicidade.

3.2 Efetivamente, todos os direitos e prerrogativas conferidas ao credor fiduciário, decorrentes da cessão fiduciária, devidamente explicitados na lei (tais como, o direito de posse do título, que pode ser conservado e recuperado 'inclusive contra o próprio cedente'; o direito de 'receber diretamente dos devedores os créditos cedidos fiduciariamente', a outorga do uso de todas as ações e instrumentos, judiciais e extrajudiciais, para receber os créditos cedidos, entre outros) são...

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