Acórdão nº 51975801120218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 27-01-2022

Data de Julgamento27 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo51975801120218217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Sétima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001546290
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5197580-11.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador GIOVANNI CONTI

AGRAVANTE: ANA MARIA DE OLIVEIRA

AGRAVADO: FUNDACAO DOS ECONOMIARIOS FEDERAIS FUNCEF

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por ANA MARIA DE OLIVEIRA, contrário à decisão proferida nos autos da ação de obrigação de fazer cominado com pedido de tutela provisória de urgência.

A fim de evitar tautologia, colaciono a decisão ora recorrida (evento 7):

"Vistos..

Defiro AJG a parte autora.

Recebo a inicial, pela qual, cumpre com os requisitos do art. 319 do Código de Processo Civil.

Não vislumbro a existência de nenhuma das hipóteses elencadas no art. 332 do CPC, autorizadoras do julgamento de improcedência liminar do pedido.

Trata-se de uma ação de obrigação de fazer cominado com pedido de tutela provisória de urgência, ajuizada por ANA MARIA DE OLIVEIRA em face de FUNDACÃO DOS ECONOMIARIOS FEDERAIS FUNCEF.

Sustenta a autora que adquiriu empréstimos consignados nos últimos anos com a instituição financeira e, os gastos mensais descontados de seu contracheque tem sido superior ao permitido em lei.

Alega sofrer de déficit de atenção gerando gastos, inclusive na compra de 03 unidades do remédio Venvanse 70 mg para seu tratamento, somados ainda com custos de subsistência e de sua família. Apresenta documentos consoante no evento 1.

Pondera-se que os referidos descontos dos empréstimos no contracheque ultrapassam 40% de sua remuneração líquida, visto ser acima do percentual legal permitido.

Compulsando os autos, entendo que estão preenchidos os requisitos exigidos pelo artigo 300 do Código de Processo Civil para o deferimento da antecipação de tutela postulada.

A autora comprova pelos documentos que acompanham a exordial a relação jurídica existente entre as partes.

A verossimilhança da alegação não se encontra induvidoso. No entanto, de se admitir a existência de consistentes indícios a corroborar a narrativa da inicial.

Verifica-se que a tutela de urgência, em caráter liminar consiste ser o mesmo que na causa de pedir, na qual se confunde com o mérito da ação.

Portanto, INDEFIRO o pedido a tutela de urgência.

Deixo de designar audiência de conciliação, na forma do art. 334 do NCPC, pois a coordenação do CEJUSC Regional de Santa Cruz do Sul tem demonstrado nas situações como a presente a composição se torna mais viável após o aporte da contestação e/ou réplica. Assim, oportunamente (e a qualquer tempo, se houver manifestação de vontade das partes) o processo poderá ser encaminhado ao CEJUSC.

O prazo contestacional fluirá da juntada aos autos do comprovante da citação (art. 231, do CPC).

Cite-se.

Intime-se.

Dil.

Opostos Embargos de Declaração, estes restaram acolhidos para sanar erro material (evento 14):

"Vistos, etc.

Primeiramente, filio-me à corrente doutrinária jurisprudencial no sentido de que é inadmissível conferir efeito infringente aos embargos declaratórios, devendo a parte interessada manejar recurso que lhe aprouver.

Assim, no que tange a decisão do evento 14, vai revogada.

Em análise dos autos, averíguo um equívoco na redação da decisão do evento 7, do modo que em um juízo de cognição sumária, não verifica-se a presença dos requisitos autorizadores para a concessão da tutela antecipatória.

De qualquer forma, verifico que o pedido de tutela urgência está diretamente relacionado ao mérito da demanda, motivo pelo qual não há como deferir esta pretensão antes de angularizada a lide, cujo mérito ainda deverá ser analisado após o regular exercício do contraditório e da ampla defesa.

Intime-se."

Em suas razões, a parte agravante aponta que os descontos consignados realizados pelo réu para amortização de empréstimos superam o percentual de 30% da sua remuneração, o que gera a possibilidade de deferimento da tutela de urgência, a fim de limitarem-se os descontos ao suprarreferido patamar. Enfatiza que a manutenção dos descontos, na forma como estão sendo realizados, compromete a sua subsistência. Referiu estar comprovado os requisitos do art. 300, do CPC para deferimento da tutela de urgência. Arremata requerendo o provimento do recurso.

Recebido o agravo de instrumento, foram apresentadas as contrarrazões.

Vieram-me os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes colegas.

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

Adianto que estou dando provimento.

A questão trazida pelo recurso refere-se à discussão acerca da limitação dos descontos em folha de pagamento das parcelas relativas a mútuos contratados pelo consumidor perante instituições financeiras.

Inicialmente, faz-se necessário tecer algumas considerações acerca da competência administrativa do assunto.

A Constituição Federal, em seu art. 24, I e XII1, definiu como sendo concorrente a competência para legislar sobre direito financeiro e previdência social.

Considera-se concorrente a competência em que mais de um ente federativo exerce o poder de legislar sobre certa matéria, ficando para a União, a tarefa de fixar as normas gerais.

Desta forma, coube aos Estados e Municípios, legislar de forma completar as normas gerais estabelecidas pelo ente federal sem, contudo, contradizê-las.

Nesse prisma, para servidores federais, a questão encontra-se legislada na Lei nº 8.112/90 e no Decreto nº 6.386/200 e para empregados celetistas, na Lei nº 10.820/2003 e no Decreto nº 4.840/2003. Referidas normas federais estabelecem como limite de descontos facultativos o percentual de 30% (trinta por cento) da remuneração disponível do trabalhador, sendo tal considerado norma geral para o assunto.

Para os servidores públicos estaduais e aposentados/pensionistas do IPERGS, o Estado do Rio Grande do Sul editou a Lei Complementar nº 10.098/94 e o Decreto 43.574/2005, estabelecendo o percentual de 70% (setenta por cento) sobre a remuneração bruta, como sendo o máximo para a soma dos descontos obrigatórios e facultativos.

Não se verifica, contudo, antinomia entre as normas, uma vez que a legislação estadual serve de complemento à federal. Nesse sentido já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça.

Nesse sentido, confiram-se o AgRg no REsp 1414115/RS (Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 20/06/2014); AgRg no REsp 1247405/RS (Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe 17/02/2014); AgRg no RMS 30.821/RS (Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 04/02/2014) e REsp 1184378/RS (Rel. Ministro Campos Marques - Desembargador Convocado do TJ/PR-, Quinta Turma, DJe 20/11/2012).

A propósito:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EMPRÉSTIMO. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO/CONSIGNADO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. LIMITE DE 30%. NORMATIZAÇÃO FEDERAL NÃO COLIDENTE COM NORMA ESTADUAL.

1. Os descontos de empréstimos na folha de pagamento são limitados ao percentual de 30% em razão da natureza alimentar dos vencimentos e do princípio da razoabilidade.

2. "Não há antinomia entre a norma estadual e a regra federal, pois os artigos 2º, § 2º, I, da Lei 10.820/2003; 45 da Lei 8.112/90 e 8º do Decreto 6.386/2008, impõem limitação ao percentual de 30% apenas à soma das consignações facultativas" (REsp n. 1.169.334/RS).

3. Agravo regimental desprovido." (AgRg no REsp 1247405/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/02/2014, DJe 17/02/2014).”

Neste particular, transcrevo parte dos argumentos expostos pelo digno Ministro Luis Felipe Salomão, nos autos do AgRg no Recurso em Mandado de Segurança nº 30.820 – RS, que trata com clareza o aparente conflito de normas federais, estaduais e municipais sobre o tema, senão vejamos, in verbis:

(...) Ademais, em princípio, consigno que não extrapola a competência desta Corte o julgamento da matéria, pois é patente que não há antinomia entre a norma estadual e a federal, pois aquela impõe limitação ao percentual de 70% à soma das consignações facultativas e obrigatórias, enquanto a última impõe limitação ao percentual de 30% apenas à soma das consignações facultativas, podendo, pois, coexistir no âmbito administrativo estadual, já que é princípio basilar de direito administrativo que as normas atinentes à administração pública federal aplicam-se subsidiariamente às administrações estaduais e municipais. Nesse sentido, já se manifestou esta Corte no RMS 13.439/MG, da relatoria do Ministro FELIX FISCHER. Ao que parece, a norma estadual, sem renunciar à normatização federal, buscou, em consonância com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, conferir maior proteção ao trabalhador, restringindo os descontos obrigatórios e facultativos a 70% da remuneração. Fica evidente que não renegou, no ponto em questionamento, a norma federal, pois nem sequer disciplinou a limitação específica, no que tange às consignações facultativas. Afinal, seria impensável que a Administração Estadual impusesse limitação percentual à soma das consignações facultativas e obrigatórias, sem, simultaneamente, impor limitação específica às consignações facultativas, resultando em prejuízo às suas próprias receitas para a satisfação de créditos de particulares. Dessarte, a limitação contida na norma estadual veda a hipótese de servidor público gaúcho arcar com prestações de empréstimo com desconto em folha, acrescidas das cobranças obrigatórias (pensão alimentícia, contribuição previdenciária, imposto de renda, adiantamento de férias, adiantamento de décimo-terceiro salário, etc), que eventualmente superem, em determinado mês, 70% de seus vencimentos. É digno de registro que se trata de disposição assemelhada à que, com a mesma base legal existente por ocasião do ajuizamento da presente...

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