Acórdão nº 51989277920218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 03-02-2022
Data de Julgamento | 03 Fevereiro 2022 |
Órgão | Oitava Câmara Cível |
Classe processual | Agravo de Instrumento |
Número do processo | 51989277920218217000 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Tipo de documento | Acórdão |
PODER JUDICIÁRIO
Documento:20001660051
8ª Câmara Cível
Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906
Agravo de Instrumento Nº 5198927-79.2021.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO: Medidas Sócio-educativas
RELATOR: Desembargador JOSE ANTONIO DALTOE CEZAR
AGRAVANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA
AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto por Deise M. d M., nos autos do expediente de excesso e desvio de execução, deferiu o pedido liminar de afastamento provisório da recorrente e do Assistente de Direção do CASE POA I.
Em razões, a agravante alegou, preliminarmente, a ilegitimidade ativa ad causam da Defensoria Pública para ingressar com o feito, uma vez que o art. 95 do ECA prevê que "as entidades governamentais e não-governamentais referidas no art. 90 serão fiscalizadas pelo Judiciário, pelo Ministério Público e pelos Conselhos Tutelares". Ressaltou que o art. 201, XI, prevê que é competência do Ministério Público inspecionar as entidades públicas de atendimento, devendo adotar as medidas administrativas ou judiciais necessárias à remoção de irregularidades eventualmente verificadas. Adicionou que o art. 97, §1º, do ECA, dispõe que as reiteradas infrações cometidas por entidades de atendimentos devem ser comunicadas ao Ministério Público ou representadas perante autoridade judiciária competente. Destacou que o ECA também dispõe sobre as regras para apuração de irregularidades, prevendo que "terá início mediante portaria da autoridade judiciária ou representação do Ministério Público ou do Conselho Tutelar".
Ainda em preliminar, suscitou a nulidade da decisão pela ausência de intimação do Ministério Público, como previsto no parágrafo único do art. 191 do ECA, e o vício na citação por cerceamento de defesa, pois no mandado de citação não constou o necessário número da chave de acesso aos autos eletrônicos, o que impediu a agravante de ter acesso ao inteiro teor do processo.
No mérito, sustentou que a decisão veio baseada em razões que merecem ser detectadas concretamente, até para que sejam objeto de revisão. Referiu que as declarações dos adolescentes juntadas aos autos são inválidas, pois não foram assinadas por eles, o que demonstra o nítido propósito da Defensoria Pública de "formalizar", "produzir prova" e "instruir" o expediente. Ressaltou que as acusações são genéricas e não obedecem a forma exigida legalmente, pois propositadamente não mencionam os dias e os horários que os fatos teriam efetivamente acontecido, o que foi feito de forma proposital para dificultar a defesa da agravante. No ponto, destacou que os fatos supostamente ocorridos à noite não seriam de sua responsabilidade, mas sim dos Chefes da Equipe e de seus Agentes Socioeducadores, nos termos do Anexo II da lei n. 14.474/14 e do Regimento Interno da FASE-RS.
Quanto à suposta destruição de origamis de forma sistemática, e não esporádica, alegou que mesmo que o fato tenha ocorrido em duas oportunidades, não pode ser presumido que a conduta era repetitiva ou integrativa do programa socioeducativo. Relatou que assim que teve ciência do ocorrido, através de e-mail recebido da Defensoria Pública, questionou o Chefe da Equipe A, Fabrício, já que os fatos teriam ocorrido no período noturno, quando a agravante não está no CASE POA I, e retornou à Defensoria Pública no prazo de 48 horas estipulado. Sustentou que da sua conduta não se extrai omissão ou chancela.
Destacou que é possível que um origami esconda objetos não permitidos, e que inclusive tal fato já ocorreu em 20/11/2018, quando um socioeducando foi flagrado com três cigarros de maconha e uma porção de bombril dentro de um canudo de origami. Alegou que eventual desmanche de origamis não ocorre de forma intencional, mas sim com o intuito de preservar a integridade dos socioeducandos, e que não houve dolo ou má-fé. Ressaltou que em reunião realizada no dia 21/09/2021, a qual foi conduzida pela recorrente, foi ressaltada a importância e necessidade de os agentes terem mais cuidado no procedimento de revistas.
No que tange às revistas ocorridos no turno da noite, mencionou que o procedimento padrão institui, através de resolução, revistas aleatórias por cada plantão, as quais são registradas pelo plantonistas no livro de chefia. Explicou que as revistas têm ocorrido com mais frequência no mesmo dormitório porque a população do CASE POA I, à época, contava com apenas 13 socioeducandos, quando já teve, em outros momentos, população superior a 150. Alegou, ainda, que a Defensoria Pública não especificou quais dias os agentes socioeducadores, durante as revistas, teriam determinado que os jovens ficassem despidos e realizassem agachamentos, o que dificulta a averiguação correta dos fatos. Destacou que, de qualquer forma, os atos não foram praticados pela agravante, já que não labora no período noturno.
Quanto à atribuição de responsabilidade à agravante por tortura, alegou que não foi por ela cometido, e que apenas tomou conhecimento quando recebeu um e-mail da Presidência da FASE-RS, no dia 22/07/2021, momento em que imediatamente contatou os dois Chefes da Equipe B, Vanderson e Cleci, responsáveis pelas Agentes Socioeducadores Raquiel e Eni, que aparecem nas imagens. Relatou que foi realizada reunião com Raquiel, a qual afirmou tratar-se de uma brincadeira, porém mesmo assim ela foi repreendida e afastada do setor, sendo realizada em outro setor da unidade. Acrescentou que os documentos e a imagem foram encaminhados à Corregedoria da FASE-RS, para apuração de eventual falta funcional pela agentes Raquiel.
Alegou que a prova inicial não é suficiente para justificar a sanção imposta, e que a decisão não observou os princípio de presunção de inocência e proporcionalidade.
Requereu o acolhimento das preliminares, para que seja reconhecida a ilegitimidade ativa ad causam da Defensoria Pública, a nulidade da decisão agravada por ter sido proferida sem a necessária oitiva do Ministério Público e a nulidade do ato citatório, pois desacompanhado da chave de acesso aos autos.
No mérito, requereu o reconhecimento da ilicitude das declarações que instruíram o pedido inicial, já que não foram assinadas pelos declarantes, bem como o reconhecimento da inexistência de responsabilidade da agravante por eventuais atos praticados na sua ausência. Postulou, ainda, a concessão do efeito suspensivo, para cassar a decisão que determinou o seu afastamento preventivo.
Em decisão, o recurso foi recebido no duplo efeito, para suspender a decisão vergastada.
Em contrarrazões, a parte agravada postulou o desprovimento do recurso.
Opostos embargos de declaração pela FASE, estes foram desacolhidos.
Em parecer, a Procuradora de Justiça, Dra. Veleda Maria Dobke, manifestou-se pela rejeição das preliminares e, no mérito, pelo provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
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