Acórdão nº 51991352920228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 17-02-2023

Data de Julgamento17 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Execução Penal
Número do processo51991352920228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003278730
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Execução Penal Nº 5199135-29.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Furto Qualificado (Art. 155, § 4º)

RELATORA: Desembargadora FABIANNE BRETON BAISCH

AGRAVANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

C.R.F., por Defensora Pública, ingressou com agravo em execução por inconformar-se com decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da VEC da Comarca de Passo Fundo/RS, que reconheceu o cometimento de faltas graves (fugas) e aplicou os consectários legais (seq. 535 do sistema SEEU).

Sustentou o agravante, em síntese, ser impositiva a absolvição do apenado, porque justificou as fugas encetadas, precisando foragir por correr risco de vida, configurada, assim, a inexigibilidade de conduta diversa. Subsidiariamente, sustentou a ausência de previsão legal para a alteração da data-base, bem como a desproporcionalidade da regressão do regime carcerário. Requereu, assim, o provimento do recurso, para que seja o apenado absolvido da prática das faltas graves ou, subsidiariamente, o afastamento da regressão do regime carcerário e da alteração da data-base (evento 3 - AGRAVO2: fls. 81/86).

O Ministério Público contra-arrazoou o agravo, pugnando pela manutenção da decisão vergastada (evento 3 - AGRAVO2: fls. 92/93).

O decisum foi mantido pelo magistrado singular (evento 3 - AGRAVO2: fl. 97).

Remetidos os autos a esta Corte, o ilustre Procurador de Justiça, Dr. Carlos Roberto Lima Paganella, manifestou-se pela "nulidade da decisão, pela não designação de audiência de justificação prévia, devendo os autos retornar à origem para que a solenidade seja aprazada" (evento 9).

Vieram conclusos.

É o relatório.

VOTO

Pelo que se depreende dos autos, o reeducando restou condenado à pena total de 6 anos, 4 meses e 9 dias de reclusão, e multa, tendo iniciado o cumprimento da reprimenda em 03.04.2018, segundo dados constantes do relatório da situação processual executória (evento 3 - AGRAVO2: fls. 99/114).

Dentre outras intercorrências, o reeducando foragiu nas datas de 18.09.2021, com recaptura na mesma data; de 10.10.2021, recapturado em 11.10.2021; e em 03.11.2021, com recaptura em 02.12.2021; razão pela qual foram instaurados, respectivamente, os PADs nº. 92/2021 (evento 3 - OUTINSTPROC1: fls. 465/487), 96/2021 (evento 3 - OUTINSTPROC1: fls. 446/463) e 103/2021, (evento 3 - OUTINSTPROC1: fls. 542/544 e AGRAVO2: fls. 1/18).

Em todos os procedimentos, o apenado foi ouvido perante o Conselho Disciplinar (evento 3 - OUTINSTPROC1: fls. 456, 475 e AGRAVO2: fl. 11).

Na data de 06.05.2022, o magistrado singular dispensou a realização de audiência de justificação, abrindo prazo ao Ministério Público e à defesa, para manifestação quanto às faltas graves imputadas ao preso (seq. 500 do sistema SEEU).

Ouvidos Ministério Público e Defesa (seq. 508 e 512 do sistema SEEU), o magistrado singular, então, em 05.07.2022, homologou aqueles PADs, reconheceu o cometimento das faltas graves (fugas), e determinou a alteração da data-base para o dia da última recaptura, contudo mantendo o preso no regime semiaberto, revogada a regressão cautelar, e deixando de decretar a perda dos dias remidos, porquanto ausente remição (seq. 515).

Posteriormente, na data de 08.07.2022, o reeducando foragiu novamente, sendo recapturado em 19.07.2022.

Ouvido em audiência de justificação, realizada no dia 21.07.2022, justificou que foragiu porque possui desafetos no presídio do regime semiaberto, em razão de "pendências" existentes (arquivo de mídia constante no seq. 535 do sistema SEEU).

O magistrado singular, então, depois de ouvidos o Ministério Público e a Defesa, reconheceu a falta grave, determinando a regressão do regime para o fechado e a alteração da data-base para o dia da recaptura, ou seja, 19.07.2022 (evento 3 - AGRAVO2: fl. 56).

Contra essas duas decisões, insurge-se a defesa.

Aqui, um registro, especialmente em atenção ao parecer de lavra do ilustre Procurador de Justiça.

Muito embora as razões de recurso, e também o caderno recursal, não delimitem com clareza o objeto da inconformidade defensiva, podendo causar alguma perplexidade, tenho que a defesa ataque, sem dúvidas, as disposições de ambas as decisões, e não de apenas uma, ou outra, pelo que analiso o recurso, dentro dessa perspectiva.

Pois bem.

FUGAS DE 18.09.2021; 10.10.2021 A 11.10.2021; E 03.11.2021 A 02.12.2021.

Dispõe o art. 50, II da LEP:

"Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:

(...)

II - fugir";

Tal infração remete à aplicação do art. 118, I da LEP, que sujeita o infrator à regressão do regime de cumprimento da pena, bem assim à alteração da data-base para benefícios (art. 112 da LEP e Súmula nº 534 do E. STJ) e à perda do tempo remido (art. 127 da LEP).

No entanto, o comando legal contido no § 2° do artigo 118 do diploma citado exige que o segregado seja ouvido previamente na hipótese prevista no inciso I, ou seja, prática de falta grave, que é o caso dos autos, ou fato definido como crime doloso.

E, na espécie, não foi observada a medida, a decisão recorrida, como antes relatado, tendo sobrevindo aos autos à revelia de justificação por parte do apenado.

A imprescindibilidade da audiência prévia do reeducando decorre não só da interpretação literal da lei, que assim o preceitua, como medida indispensável, mas, alargando o espectro da dicção da norma, releva o aspecto teleológico dela, também de natureza pedagógica, a atender a finalidade precípua do sistema penal de recuperação e ressocialização do condenado, indicando esta necessidade, especialmente, em cumprimento às garantias constitucionais.

Não muda o quadro da necessidade da realização de audiência de justificação judicial, como cumprimento efetivo das garantias constitucionais, em especial, a da ampla defesa, o fato de que não houve regressão de regime, propriamente dita, considerando as graves consequências da conduta faltosa, entre elas, a alteração da data-base, numa interpretação sistemática da lei de regência à luz da Constituição Federal.

E o processamento da questão trazida nesta sede, como visto, demonstra o descumprimento daquele preceito.

Sendo assim, imperativa a designação da solenidade para tal fim, com intimação da defesa e do Ministério Público, antes de decidir-se sobre seu cometimento, ou não, com base na justificativa apresentada em pretório, que, se entendida como convincente, suficiente e válida, poderá inviabilizar a medida.

Dessa forma, estar-se-á observando os princípios constitucionais da estrita legalidade, do contraditório e da ampla defesa.

Outro, aliás, não é o entendimento majoritário deste E. Tribunal de Justiça:

AGRAVO EM EXECUÇÃO. COMETIMENTO DE DELITO. DESNECESSIDADE DE CONDENAÇÃO PARA A POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DE UMA FALTA GRAVE. NECESSIDADE AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO. DECISÃO CASSADA. É pacífico o entendimento que, para a consideração de falta grave pela prática do fato definido como delito, não se exige a condenação do apenado. A Lei de Execução Penal fala em “praticar fato definido como crime doloso” e não “ser condenado”, e equipara, grosso modo, o cometimento da infração penal com a simples falta grave. Tendo em vista os fatos citados e a manifestação expressa do Ministério Público, pedindo o reconhecimento do cometimento de uma falta grave, era indispensável, ao menos, que se realizasse a audiência de justificação prevista no artigo 118 da Lei de Execução Penal. Esta ausência implica em nulidade da decisão judicial. Agravo provido.(Agravo de Execução Penal, Nº 50196021320228217000, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sylvio Baptista Neto, Julgado em: 24-03-2022)

AGRAVO EM EXECUÇÃO. FALTA GRAVE RECONHECIDA. AUSÊNCIA DE REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO. DESCONSTITUIÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. Não obstante entenda este Colegiado pela prescindibilidade da instauração de PAD para apurar a prática de falta grave, mostra-se indispensável a prévia realização de audiência de justificação, com a apuração da falta também em sede judicial, visando a oportunizar ao apenado apresentar sua versão dos fatos em juízo, consoante inteligência do artigo 118, § 2°, da LEP. Haja vista que a decisão atacada reconheceu a prática de falta grave sem a realização da devida audiência prévia, mostra-se imperativa sua desconstituição, com a remessa dos autos ao Juízo da Execução, para que, de forma prévia, proceda à deliberação a respeito da prática ou não da falta, mediante designação da devida solenidade, legalmente prevista. NULIDADE RECONHECIDA. DECISÃO DESCONSTITUÍDA. MÉRITO PREJUDICADO.(Agravo de Execução Penal, Nº 50050452120228217000, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Joni Victoria Simões, Julgado em: 04-03-2022)

AGRAVO EM EXECUÇÃO. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. PRELIMINAR DE NULIDADE. ACOLHIMENTO. AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO PRÉVIA. IMPRESCINDIBILIDADE. RECONHECIMENTO DE FALTAS GRAVES. DECISÃO DESCONSTITUÍDA. MÉRITO PREJUDICADO. Nulidade da decisão que reconhece a prática de falta grave sem oportunizar a oitiva do reeducando em audiência de justificação. Violação aos preceitos constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo. Inteligência do parágrafo 2º do artigo 118 da LEP. Preliminar acolhida. Mérito prejudicado. PRELIMINAR ACOLHIDA. MÉRITO PREJUDICADO.(Agravo de Execução Penal, Nº 50052418820228217000, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Naele Ochoa Piazzeta, Julgado em: 23-02-2022)

AGRAVO EM EXECUÇÃO. FALTA GRAVE. POSSE DE APARELHO TELEFÔNICO QUE PERMITE A COMUNICAÇÃO COM OUTROS PRESOS OU COM O AMBIENTE EXTERNO. RECONHECIMENTO DE FALTA GRAVE, SEM OUVIR O APENADO EM JUÍZO. NULIDADE. DECISÃO AGRAVADA DESCONSTITUÍDA...

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