Acórdão nº 52032197320228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 17-02-2023

Data de Julgamento17 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Execução Penal
Número do processo52032197320228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003154440
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Execução Penal Nº 5203219-73.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Roubo majorado (art. 157, § 2º)

RELATORA: Desembargadora ISABEL DE BORBA LUCAS

AGRAVANTE: MICAEL DE OLIVEIRA DOS SANTOS

AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

RELATÓRIO

MICAEL DE OLIVEIRA DOS SANTOS interpôs agravo em execução penal contra a decisão que reconheceu o cometimento de falta grave, de sua parte, por fuga, determinando a regressão de seu regime carcerário e a alteração da data base para nova progressão.

Em suas razões (evento 3, DOC1, fls. 02/08), o agravante alegou, em síntese, a atipicidade da conduta que lhe foi imputada, somente se configurando a fuga nos casos em que o apenado obtém a liberdade por suas próprias forças, subtraindo-se do estabelecimento prisional de que é refém, elidindo, por seu engenho e arte, os obstáculos que lhe são impostos pelo sistema de segurança. Destacou, ademais, que a justificativa apresentada deve ser acolhida, pois somente praticou o fato porque precisava zelar pelos cuidados da sua família, tendo em vista que tem duas filhas pequenas e precisava custear o sustento delas e sua esposa, além de não ter se envolvido em qualquer novo delito, enquanto ausente do cárcere. Salientou já servir como punição suficiente a sanção disciplinar aplicada, tornando-se desproporcional o reconhecimento da falta grave e a aplicação de seus consectários legais. Subsidiariamente, quanto à regressão de regime, sustentou a sua inconstitucionalidade e, no concernente à alteração da data base para nova progressão, afirmou inexistir previsão legal para sua imposição.

Com base nessas considerações, requereu o provimento do agravo.

Contrarrazões pelo desprovimento do recurso (evento 3, DOC1, fls. 09/11).

Mantida a decisão (evento 3, DOC1, fl. 12).

Em parecer, opinou o ilustre Procurador de Justiça, Dr. Carlos Roberto Lima Paganella, pelo desprovimento do recurso (evento 10, DOC1).

Vieram conclusos.

É o relatório.

VOTO

O recurso, adianto, não merece provimento.

Na espécie, MICAEL DE OLIVEIRA DOS SANTOS cumpre pena total de 12 (doze) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, atualmente em regime fechado, pela prática de crimes de furto e roubo.

Em 29/01/2021, encontrando-se, o agravante, em prisão domiciliar, mediante inclusão no sistema de monitoramento eletrônico, sobreveio notícia dando conta de que deixou a bateria do equipamento descarregar, nos seguintes termos (seq. 73.2 SEEU):

OBS: Monitorado deixou a bateria descarregar de forma gradual, sendo que colocou o carregador na mesma pela última vez no dia 28/01/2021 às 22h52m e desconectando o mesmo às 22h56m do mesmo dia. Ocorreu a descarga total do dispositivo as 08h11m. O último ponto de comunicação do apenado chegou às 09h02m. Está sem comunicação até o presente momento.

Diante disso, considerando o descumprimento das condições do benefício, foi determinado o recolhimento cautelar do apenado junto ao regime mais gravoso subsequente (seq. 76.1 SEEU), com recaptura em 17/06/2022 (seq. 88.2 SEEU). E, quando ouvido em juízo, nos moldes do determinado no § 2º do artigo 118 da LEP, MICAEL assim se manifestou (seq. 118.2 SEEU):

(...) Eu fui, instalei a tornozeleira, tá, tudo certo, carreguei ela antes de dormir. E como eu não tava trabalhando eu consegui um bico ali perto de casa, dentro dos meus 300 metro certo. E fui, levantei cedo, e fui trabalhar ali, tava ajudando a fazer uma casa de madeira. Enfim, to trabalhando, a minha filha mais nova, de 7 anos, veio me trazer o telefone. O senhor lá do semiaberto disse que a minha tornozeleira não tava dando sinal e que ele já havia batido minha fuga. Tá, então eu disse: "Tá, mas não tem como a gente reverter? Eu posso ir até aí, ver o que que aconteceu.". Ele disse: "Não, não tem o que fazer. Eu acabei de bater a tua fuga. Tu já se encontra foragido". Entendeu? Eu poderia, Doutora, muito bem ter ido me apresentar, como eu fiz da outra vez quando deu problema com a minha assinatura lá no semiaberto. Só que eu optei por continuar na rua porque eu tinha recém saído do sistema carcerário. Fazia 5 meses que eu tinha vindo já de uma questão de fuga (...) Devido a essa morosidade, como eu tava recém saindo do sistema carcerário, com aluguel pra pagar, com casa, porque a outra vez eu fiquei, eu me apresentei, Doutora, eu fiquei 5 meses, eu perdi todas as minhas coisas. Entendeu? Eu nuca fui envolvido com nada. Eu sempre trabalhei. (...) Então eu procurei, no meu ponto de vista, eu procurei achar o que era certo pra minha família. Entendeu? Porque na rua não tá fácil, Doutora, as coisas são cara, então eu com 2 filhas pra criar, um aluguel pra pagar, uma filha de 3 anos e uma de 7 anos. Então eu não teria como ter me apresentado, pra mim não ficar foragido e ter deixado a minha família passar necessidade. Então eu optei por continuar na rua. Entendeu? E graças a Deus, mesmo tando foragido, Deus sempre abriu as portas pra mim, pra mim continuar trabalhando. Então eu conseguia fazer um bico ou eu tava trabalhando de servente de pedreiro. Até quando me prenderam eu tava indo trabalhar, eu tava trabalhando de servente de pedreiro ali no Pioneiro. Mas enfim, tamos aqui de novo. E minha intenção não foi brincar com a chance que foi me dada de liberdade. Entendeu? O meu único intuito mesmo foi apenas dar o sustento da minha família. Entendeu? Tanto que eu nunca dei entrada dentro de uma Delegacia, a não ser pela fuga. Entendeu? Eu não quis brincar e nem desmerecer a chance que foi me dada. Entendeu? Só que eu tive que optar: ou eu quito o que eu tenho com a justiça ou eu trabalho em prol da minha família, em prol do sustento dos meus filhos e da minha esposa. Então eu optei por continuar na rua mesmo tendo foragido e dá a continuidade do sustento da minha família. (...)

Nesse contexto, não há como afastar o cometimento da falta grave, pela fuga, admitida pelo próprio agravante. E a justificativa apresentada não tem qualquer possibilidade de acolhimento, não cabendo ao apenado escolher a conduta que mais lhe beneficie, divorciando-se do cumprimento de sua reprimenda, em total discordância com o dever jurídico que lhe foi imposto pela pena aplicada. Nesse sentido, não só nada veio aos autos a fim de corroborar a versão apresentada, como também sequer teria o condão de justificar o descarregamento da bateria, havendo anotação no relatório de ocorrência que, estabelecido contato com o monitorado, o mesmo não apresentou justificativa para o ato, ficando ciente da condição de foragido. Reforça esta conclusão, aliás, o fato de que MICAEL permaneceu por mais de um ano e quatro meses na condição de foragido, somente retornando ao regular cumprimento da pena após recaptura pela força policial.

Oportuno ressaltar, ademais, em atenção ao constante do arrazoado recursal defensivo, que não há falar em atipicidade da conduta faltosa, consistente em deixar descarregar a bateria do equipamento de monitoramento eletrônico, na medida em que o agravante permaneceu sem qualquer vigilância, por extenso período, assim ficando caracterizada a fuga. Efetivamente, MICAEL se encontrava em cumprimento de pena, ainda que em liberdade eletronicamente monitorada, claramente evidenciada a fuga, sem justificativa plausível. Nesse sentido, a exigência do artigo 50 da LEP é de que o apenado esteja cumprindo a pena privativa de liberdade, independentemente do regime, seja fechado, semiaberto ou aberto ou, ainda, mediante o benefício do monitoramento eletrônico. Assim, não se trata de simples descumprimento das regras do monitoramento eletrônico, mas verdadeira infração disciplinar, em razão da fuga empreendida.

Por outro lado, a alegação de que não teria havido fuga propriamente dita, porquanto o agravante não se evadiu do cárcere por burla à vigilância que o cercava, pois se encontrava em local sem vigilância permanente, não merece acolhida. Na verdade, não se pode utilizar um conceito restrito de fuga, a fim de beneficiar o agravante, pois não lhe cabe escolher outra conduta que não a de cumprir sua pena, pouco importando, portanto, se escapou do estabelecimento prisional burlando ou não a vigilância.

De igual sorte, embora se admita a fuga como ínsita à natureza humana, não há falar em atipicidade da falta, na medida em que, se assim não se procedesse, o apenado faltoso permaneceria em situação idêntica a do cumpridor de todas as sanções que lhe são impostas, em verdadeira violação ao princípio da individualização da pena. Aliás, a punição daquele que foge limita-se ao âmbito da execução penal justamente por se reconhecer o direito fundamental de liberdade e se considerar a sua busca inerente ao homem. Ocorre que o agravante se encontra tolhido de sua liberdade em decorrência de seus próprios atos, devendo, portanto, cumprir a punição que lhe foi imposta pelo Estado e amparada pela Constituição Federal. E nessa linha, não há falar em não recepção do inciso II do artigo 50 da LEP, por se revelar adequado e razoável sancionar o apenado que incidir em qualquer das hipóteses de falta grave elencadas no referido artigo.

Além disso, diante da independência das esferas administrativa e judicial, bem como de suas diferentes funções, no curso da execução da pena, não interessa,...

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