Acórdão nº 52116197620228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 23-02-2023

Data de Julgamento23 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo52116197620228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003186572
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5211619-76.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Seguro

RELATOR: Desembargador NIWTON CARPES DA SILVA

AGRAVANTE: BRADESCO SEGUROS S/A

AGRAVADO: IVANETE CONCEICAO ANTUNES SOUZA

RELATÓRIO

BRADESCO SEGUROS S/A interpôs o presente recurso de agravo de instrumento em face da decisão proferida pela magistrada de origem que, nos autos da ação de cobrança de seguro DPVAT movida por IVANETE CONCEIÇÃO ANTUNES SOUZA, acolheu o pleito da parte autora consistente na realização de novo exame médico, mesmo após perícia realizada pelo DMP, determinando que a parte ré arque com os encargos do novo exame, em face da hipossuficiência da parte autora e da inversão do ônus da prova.

Em suas razões recurais a parte agravante defendeu que não é caso de aplicação do CDC e muito menos determinação de inversão do ônus da prova, tratando-se de seguro obrigatório DPVAT. Insurge-se contra a determinação do réu ao pagamento das custas do novo exame deferido pela magistrada, a pedido da parte autora, alegando que já há laudo do DMP, constatando a ausência de invalidez, sendo desnecessária a realização de nova perícia. Alega que as despesas devem ser suportadas pela parte autora, que requereu o exame. Requereu o provimento do recurso.

Não foram apresentadas contrarrazões.

Os autos vieram-me conclusos.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas. Trata-se, consoante sumário relatório, de agravo de instrumento interposto em face da decisão proferida pela magistrada de origem que, nos autos da ação de cobrança de seguro DPVAT acolheu o pleito da parte autora consistente na realização de novo exame médico, mesmo após perícia realizada pelo DMP, determinando que a parte ré arque com os encargos do novo exame, em face da hipossuficiência da parte autora e da inversão do ônus da prova.

A decisão fustigada é do seguinte teor, sic:

A realização do exame VECTOELETRONISTAGMOGRAFIA pelo SUS, além de ainda não se ter certeza de que será autorizado, haja vista a cobertura do referido sistema não ser total e também depender de outros fatores, como condição do paciente, consabidamente postergará em muito a ultimação do processo que já tramita há 10 anos, ferindo o princípio constitucional da razoável duração do processo.

Litigando a parte autora sob o manto da gratuidade judiciária, e tendo buscado o Sistema Único de Saúde para realização do exame, é evidente que não possui recursos financeiros para arcar com os custos do mesmo, pelo que diante da inafastabilidade de sua realização e não sendo possível sua realização pelo DMJ - Departamento Médico Judiciário, determino que seja custeado pela parte ré.

Com efeito, além das razões acima expendidas, o presente versa sobre relação de consumo, sendo incidente na espécie o CDC, ante a verossimilhança das alegações autorais e sendo flagrante a hipossuficiência técnica e financeira da parte autora frente à parte demandada, tenho por inverter o ônus da prova, na forma do art. 6º, inc. VIII, do CDC e arts. 373, §1º, e 357, III, CPC.

Consigno, no entanto, que tal inversão não exime a parte autora de comprovar, ainda que minimamente, os fatos constitutivos do seu direito, nos termos postos no inciso I do art. 373 do CPC. Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. INDENIZATÓRIA. Em que pese a presente relação esteja subordinada aos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, o que redundaria na inversão do ônus probatório, incumbia à parte autora demonstrar mínimos indícios acerca das suas alegações, o que não se vislumbrou na espécie, pois inexistente qualquer cláusula contratual prevendo a escrituração de box, mas sim vaga privativa, o que afasta a alegada propaganda enganosa. Manutenção da sentença que se impõe. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 70082369836, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Walda Maria Melo Pierro, Julgado em: 11-09-2019)

Assim, ante a inversão do ônus probatório agora operada e da hipossuficiência financeira da parte autora, aliado à necessidade de respeitar-se o princípio da razoável duração do processo, determino que a parte ré arque com os custos do exame de VECTOELETRONISTAGMOGRAFIA a que deve a parte autora submeter-se.

Intimem-se as partes, inclusive a parte autora para que apresente, em 15 dias, três orçamentos do referido exame, a ser realizado nesta cidade.

Tanto aportem ao feito os orçamentos, intime-se a parte ré para efetuar o depósito em juízo do menor preço, em 15 dias.

Com efeito, com razão a parte recorrente, isto porque o seguro obrigatório foi criado pela Lei n.º 6.194/74, a qual determina que todos os proprietários de veículos automotores de via terrestre, sem exceção, paguem o prêmio relativo ao seguro DPVAT, a fim de garantir às vítimas de acidentes com aqueles o recebimento de indenizações em caso de morte e invalidez permanente, além do reembolso de despesas médicas e hospitalares, ainda que os responsáveis pelos danos causados não arquem com a reparação devida, cujo exame técnico-prova pericial médica se faz necessário para apurar se houve o tipo de invalidez precitada, que autoriza obter a indenização pretendida.

Assim, diante de tais considerações, impende reconhecer que a relação havida entre a seguradora demandada e o agravado é de ordem obrigacional, possuindo regulamentação própria e não consumeristas. Ademais, o caráter público e impositivo deste tipo de seguro, em função de se tratar de uma obrigação legal, afasta a possibilidade de inversão do ônus da prova com base na legislação consumerista, sem que haja a demonstração do fato constitutivo do direito alegado.

Nesse sentido segue julgado do egrégio STJ, in verbis:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGURO OBRIGATÓRIO (DPVAT). OBRIGAÇÃO IMPOSTA POR LEI. AUSÊNCIA DE QUALQUER MARGEM DE DISCRICIONARIEDADE NO TOCANTE AO OFERECIMENTO E ÀS REGRAS DA INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA PELAS RESPECTIVAS SEGURADORAS, NÃO HAVENDO SEQUER A OPÇÃO DE CONTRATAÇÃO, TAMPOUCO DE ESCOLHA DO FORNECEDOR E/OU DO PRODUTO PELO SEGURADO. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO. IMPOSSIBILIDADE DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA COM BASE NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RECURSO DESPROVIDO. 1. Diversamente do que se dá no âmbito da contratação de seguro facultativo, as normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor não se aplicam ao seguro obrigatório (DPVAT). 1.1. Com efeito, em se tratando de obrigação imposta por lei, na qual não há acordo de vontade entre as partes, tampouco qualquer ingerência das seguradoras componentes do consórcio do seguro DPVAT nas regras atinentes à indenização securitária (extensão do seguro; hipóteses de cobertura; valores correspondentes; dentre outras), além de inexistir sequer a opção de contratação ou escolha do produto ou fornecedor pelo segurado, revela-se ausente relação consumerista na espécie, ainda que se valha das figuras equiparadas de consumidor dispostas na Lei n. 8.078/90. 2. Recurso especial desprovido. (REsp 1635398/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/10/2017, DJe 23/10/2017). (g.n.)

Nesse mesmo sentido seguem também precedentes desta egrégia Corte sic:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA. SEGUROS-DPVAT. AÇÃO DE COBRANÇA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CABIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO. Fundamentado no art. 527, II, do CPC, 2ª parte, admissível o recebimento do recurso como Agravo de Instrumento. POSSIBILIDADE DE DECISÃO MONOCRÁTICA. Com base no art. 557, § 1º-A, do CPC, o Relator está autorizado a dar provimento monocraticamente ao recurso. Primazia da ratio essendi. DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. Tratando-se de ação de cobrança decorrente de relação securitária de natureza obrigatória DPVAT, é ônus do autor fazer a prova da invalidez permanente para fins de recebimento do seguro DPVAT, nos termos do artigo 333, I, do CPC. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO EM DECISÃO MONOCRÁTICA. (Agravo de Instrumento Nº 70029730165, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 24/04/2009).

PROCESSUAL CIVIL. SEGURO OBRIGATÓRIO. DPVAT. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. Inversão do ônus da prova, com amparo no art. 6º, VIII, do CDC que, na hipótese, é descabida. Aplicação do art. 333, I, do CPC. AGRAVO PROVIDO DE PLANO. (Agravo de Instrumento Nº 70029374899, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leo Lima, Julgado em 07/04/2009).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SEGUROS. DPVAT. AÇÃO DE COBRANÇA. REJEITADA A PREFACIAL DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. NÃO INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 1. É de ser rejeitada a prefacial suscitada em contrarrazões, uma vez que complementada pela agravante a documentação obrigatória ao recurso, sanando o vício. 2. A Lei nº 6.194/1974 instituiu o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga, a pessoas transportadas ou não?, de índole essencialmente social, conhecido como Seguro DPVAT, compreendendo indenizações por morte, invalidez permanente total ou parcial e despesas com assistência médica e suplementar, com uma cobertura objetiva a pessoas expostas a riscos de danos pessoais causados por veículos automotores ou pela sua carga. 3. Constata-se, portanto, a existência de regulamentação própria a reger este seguro, bem como o caráter impositivo e público do mesmo, o que afasta a possibilidade de inversão do ônus da prova com base no Código de Defesa do Consumidor, pois não se trata de relação de consumo. 4. Nessa linha, é ônus da parte autora a comprovação dos fatos constitutivos do seu direito,...

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