Acórdão nº 52123559420228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 23-02-2023

Data de Julgamento23 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo52123559420228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003216774
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5212355-94.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Liquidação / Cumprimento / Execução

RELATOR: Desembargador NEY WIEDEMANN NETO

AGRAVANTE: EUNICE ROTTA BERGESCH

AGRAVADO: MARIA APARECIDA ROTTA WAGNER

AGRAVADO: MARIA BEATRIZ ROTTA PEREIRA

AGRAVADO: MARIA CRISTINA ROTA ELY

AGRAVADO: NR ADMINISTRACAO E PARTICIPACOES LTDA

AGRAVADO: WEIAND TURIS HOTEL LTDA/

RELATÓRIO

EUNICE ROTTA BERGESCH interpôs agravo de instrumento, evento 1, INIC1, contra a decisão, evento 85, DESPADEC1, que, nos autos da ação em que litiga contra MARIA APARECIDA ROTTA WAGNER, MARIA BEATRIZ ROTTA PEREIRA, MARIA CRISTINA ROTA ELY e NR ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES, homologou o esboço de partilha apresentado pela liquidante.

A agravante suscitou, preliminarmente, nulidade da decisão por falta de fundamentação. No mérito, pontuou sobre a violação da coisa julgada no que diz respeito ao restabelecimento do WTH e forma de liquidação do ativo. Argumentou sobre a impossibilidade de partilha nas condições definidas na decisão agravada e pelo liquidante. Disse que não há direito real dos sócios em relação aos ativos da sociedade, razão pela qual seria indevida a divisão nos moldes em que proposta.

Concedido efeito suspensivo ao recurso, evento 5, DESPADEC1.

Foram apresentadas contrarrazões, evento 22, CONTRAZ1, evento 23, CONTRAZ1 e evento 24, CONTRAZ1.

É o Relatório.

VOTO

Estou em negar provimento ao agravo de instrumento.

Inicio examinando a preliminar de nulidade da decisão por ausência de fundamentação, que não comporta acolhimento. O art. 489, § 1º, do Código de Processo Civil define que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Ainda que não deixe de aplicar o supracitado diploma legal, entendo que o juiz não é obrigado a responder a todos os argumentos da parte, mas apenas motivar adequadamente a decisão. Ademais, não é porque determinados argumentos não tenham sido especificamente citados que eles não tenham sido analisados. Os autos foram inteiramente examinados. Foram explicitadas, no entanto, somente as questões necessárias para fundamentar a decisão. De acordo com a sistemática, é preciso examinar todos os argumentos colocados pelas partes que, em tese, possam infirmar aquela adotada pelo julgador. Aqui é preciso uma especial atenção, porque esta regra não impõe o exame de todas as teses apresentadas, mas apenas daquelas que não possam ser consideradas como prejudicadas, frontalmente colidentes ou abrangidas pelos fundamentos da decisão tomada pelo órgão judicial.

Assim leciona a doutrina1:

“2. Fundamentação da decisão judicial – parágrafo primeiro. Este dispositivo alista os elementos essenciais da sentença: relatório, fundamento e parte dispositiva ou decisum. 2.1. O § 1.º com certeza é inovação digna de nota, pois diz que a garantia da fundamentação das decisões judiciais, de índole constitucional, não se tem por satisfeita, se a fundamentação não atender a certos parâmetros de qualidade. Ou seja, não é qualquer fundamentação que satisfaz.339 Deve-se sublinhar que os dispositivos que serão comentados em seguida dizem respeito não só à sentença, mas a quaisquer decisões judiciais. 2.2. Quando se estuda a motivação da decisão, na verdade, o que se estuda é o que aparece na decisão, que seria uma espécie de “fachada”, mas mesmo assim, é interessante estudar este fenômeno, já que representa, pelo menos, o que é compreendido como satisfatório para figurar como fundamento da decisão, em face das exigências do dado sistema. Outras motivações que podem ter as decisões (ideológicas, psicológicas etc.), estas não estão presentes claramente no texto e não interessam para o direito. Têm que ter sido absorvidas pela possível objetividade e racionalidade dos fundamentos. Caso contrário, a decisão será arbitrária e contrária ao direito.340 2.3. De acordo com a nova lei, considera-se não haver fundamentação em qualquer decisão judicial se esta, pura e simplesmente, repetir a lei, com outras palavras, sem dizer expressamente porque a norma se aplica ao caso concreto decidido (art. 489, § 1.º, I). Assim, se na decisão se diz: a decisão é x, porque a norma diz y, esta decisão carece de fundamentação, pois não se fez o link entre o texto da lei dito de outra forma – e os fatos da causa. 2.4. Esta necessidade, a que alude o inc. I, do § 1.º, aparece de forma mais contundente quando se decide com base em norma jurídica, seja a lei ou algum princípio, que utilize, em sua formulação verbal um conceito vago ou indeterminado (inc. II, do § 1.º). 2.5. Isto acontece quase sempre com os princípios e às vezes, cada vez mais no mundo contemporâneo, com os textos das leis. As leis contêm conceitos vagos e ocasionalmente trazem “cláusulas gerais”, que são expressões marcadamente carregadas de conteúdo axiológico, pois incorporam princípios. São sempre, intencionalmente, extremamente fluídas (vagas, indeterminadas) e seu conteúdo é construído paulatinamente pelo trabalho da doutrina, mas principalmente, também, pelo labor jurisprudencial. Um bom exemplo é o art. 5.º, XXIII da CF, que diz que a propriedade deve exercer sua função social. 2.6. Conceitos vagos ou indeterminados são aqueles que dizem respeito a objetos não muito bem definidos por eles mesmos. Interesse público, hipossuficiente, notório, bom pai de família e tantos outros, são exemplos de termos que podem gerar discussão, ou seja, por exemplo, é possível que uns entendam que certa medida concreta atenda ao interesse público, e outras entendam justamente o contrário. 2.7. Isto não acontece com conceitos ditos determinados, como, por exemplo, leasing, aposentadoria, comodato, marido, salário e tantos outros. Pode-se perceber que a indeterminação dos conceitos admite graus, e é, também evidente, que quanto mais vago for o conceito contido na norma aplicada para resolver o caso concreto, maior necessidade haverá de o juiz explicar porque entendeu que a norma deveria incidir na hipótese fática dos autos. 2.8. Portanto, deve ser densa a fundamentação das decisões quando estas se baseiam em princípios jurídicos, em cláusulas gerais e em normas que contenham, em sua redação, conceitos indeterminados.341 Norma já embutida nas anteriores (489, § 1.º, I e II) é que consta do § 1.º, III, que considera não motivada a decisão “vestidinho preto”,342 que se prestaria a justificar qualquer decisum: como, por exemplo, concedo a liminar porque presentes os seus pressupostos. A fundamentação deve ser expressa e especificamente relacionada ao caso concreto que está sendo resolvido. 2.9. De especial interesse é o art. 489, § 1.º, IV, em que se estabelece a regra no sentido de se considerar como não motivada a decisão, se não forem enfrentados todos os argumentos deduzidos no processo – e esta expressão abrange argumentos de fato e de direito que teriam o condão de levar o magistrado a decidir de outra forma. Estes argumentos, se não acolhidos, têm de ser afastados. 2.10. Este dispositivo integra os contornos da noção contemporânea do princípio do contraditório. O contraditório não se resume à atividade das partes, no sentido de terem a oportunidade de afirmar e demonstrar o direito que alegam ter. O contraditório só tem sentido se se supõe a existência de um observador neutro, no sentido de imparcial que assista ao diálogo entre as partes (alegações + provas) para, depois, decidir. O momento adequado para o juiz demonstrar que participou do contraditório é a fundamentação da decisão. As partes têm de ter sido ouvidas, apesar de suas alegações poderem, é claro, não ser acolhidas. Até porque o juiz pode decidir com base em fundamentos não mencionados por nenhuma das partes (iura novit curia). Mas não sem antes dar às partes oportunidade de se manifestar.343 2.11. Desta exigência, agora expressamente formulada em lei, decorre um interessante efeito: só no contexto do processo em que foi proferida é que pode uma decisão ser avaliada no sentido de ter sido bem fundamentada. Não basta sua coerência interna corporis é necessário que se refira a elementos externos à sua coerência interna, afastando-os, de molde até mesmo a reforçar o acerto da decisão tomada. 2.12. O inc. V, do § 1.º, prevê outra situação em que se considera que a decisão não estará fundamentada. Se a decisão usar como elemento relevante da sua fundamentação precedente ou súmula sem demonstrar porque a tese jurídica base do precedente e integrante do texto da súmula se aplica aos fatos da causa, também será considerada não fundamentada a decisão. Trata-se, a rigor, de regra substancialmente idêntica à do inc. I – se se aplica uma regra ao caso concreto, devem-se explicar as razões que tornam a regra adequada para resolver aquele caso concreto específico. Da mesma forma, se se aplica uma súmula ou um precedente, aplica-se, na verdade, a tese jurídica adotada pelo precedente e formulada na...

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