Acórdão nº 52169149420228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo52169149420228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002918571
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5216914-94.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Cédula de crédito bancário

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

AGRAVANTE: COOPERATIVA DE CREDITO RURAL COM INTERACAO SOLIDARIA DE GUARANI DAS MISSOES - CRESOL GUARANI DAS MISSOES

AGRAVADO: SERGIO KALKMANN

AGRAVADO: EVALDO GUSTAVO KALKMANN

AGRAVADO: MARLICE KUNKEL KALKMANN

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por COOPERATIVA DE CRÉDITO RURAL COM INTERACAO SOLIDARIA DE GUARANI DAS MISSOES - CRESOL GUARANI DAS MISSÕES contra a decisão prolatada nos autos do feito em que contende com SERGIO KALKMANN, EVALDO GUSTAVO KALKMANN e MARLICE KUNKEL KALKMANN. In verbis (Evento 94):

1. Cuida-se de incidente de impenhorabilidade manejado pelos executados, sustentando, em síntese, a impenhorabilidade da área de 10,5 hectares descrito na matrícula nº 18.567 CRI Santa Rosa/RS, penhorado no presente feito (Evento 2, DESP15), por se tratar de pequena propriedade rural, portanto, impenhorável. Requereu o reconhecimento da impenhorabilidade do bem, com a desconstituição da penhora.

A excepta apresentou impugnação, aduzindo, em síntese, que o bem em questão foi oferecido como garantia hipotecária no contrato em execução, razão pela qual ocorreu a renúncia à proteção legal. Além disso, impugna a gratuidade judiciária concedida aos autores.

É o breve relato. Passo a decidir.

De acordo com o artigo 5°, inciso XXVI, da Constituição Federal, a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos, dispondo lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento.

Esse dispositivo deve ser compreendido em consonância com a Lei n° 8.009/90, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, mais precisamente com o artigo 4°, § 2°, in verbis:

“Art. 4° - Não se beneficiará do disposto nesta lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga.

[…]

§ 2° - Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, e, nos casos do art. 5º, inciso XXVI, da Constituição, à área limitada como pequena propriedade rural.”

Demais disso, faz-se mister lembrar que o parágrafo único do artigo da Lei n° 8.009/90, dispõe que a impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

No tocante ao Código de Processo Civil, o artigo 833, inciso VIII, trata como impenhorável a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família.

A definição legal da pequena propriedade rural está no artigo 4° da Lei n° 8.629/93, compreendida esta como a área entre um e quatro módulos fiscais, sendo que no Município de Senador Salgado Filho é de 20 hectares, como de conhecimento comum.

Portanto, de acordo com a lei, tanto a propriedade rural, quanto a plantação, podem ser consideradas impenhoráveis, desde que aquela esteja nos limites definidos em lei e se destine à moradia da família, devendo o cultivo ser efetuado no solo do imóvel impenhorável e destinado ao sustento da família.

Com efeito, na hipótese, está demonstrado nos autos que a penhora recaiu sobre imóvel com área inferior a um módulo fiscal, enquanto o credor não se desincumbiu de comprovar que os devedores são proprietários de outras áreas.

Neste aspecto, insta destacar que, de acordo com o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, uma vez comprovado pelo produtor rural que o imóvel constrito se enquadra nas dimensões da pequena propriedade rural (hipótese dos autos), a exploração para a subsistência própria daquele e de sua família é presumida:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. IMPENHORABILIDADE. PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. REQUISITOS E ÔNUS DA PROVA. 1. A proteção da pequena propriedade rural ganhou status Constitucional, tendo-se estabelecido, no capítulo voltado aos direitos fundamentais, que a referida propriedade, "assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento" (art. 5°, XXVI). Recebeu, ainda, albergue de diversos normativos infraconstitucionais, tais como: Lei n° 8.009/90, CPC/1973 e CPC/2015. 2. O bem de família agrário é direito fundamental da família rurícola, sendo núcleo intangível - cláusula pétrea -, que restringe, justamente em razão da sua finalidade de preservação da identidade constitucional, uma garantia mínima de proteção à pequena propriedade rural, de um patrimônio mínimo necessário à manutenção e à sobrevivência da família. 3. Para fins de proteção, a norma exige dois requisitos para negar constrição à pequena propriedade rural: i) que a área seja qualificada como pequena, nos termos legais; e ii) que a propriedade seja trabalhada pela família. 4. É ônus do pequeno proprietário, executado, a comprovação de que o seu imóvel se enquadra nas dimensões da pequena propriedade rural. 5. No entanto, no tocante à exigência da prova de que a referida propriedade é trabalhada pela família, há uma presunção de que esta, enquadrando-se como diminuta, nos termos da lei, será explorada pelo ente familiar, sendo decorrência natural do que normalmente se espera que aconteça no mundo real, inclusive, das regras de experiência (NCPC, art. 375). 6. O próprio microssistema de direito agrário (Estatuto da Terra; Lei 8.629/1993, entre outros diplomas) entrelaça os conceitos de pequena propriedade, módulo rural e propriedade familiar, havendo uma espécie de presunção de que o pequeno imóvel rural se destinará à exploração direta pelo agricultor e sua família, haja vista que será voltado para garantir sua subsistência. 7. Em razão da presunção juris tantum em favor do pequeno proprietário rural, transfere-se ao exequente o encargo de demonstrar que não há exploração familiar da terra, para afastar a hiperproteção da pequena propriedade rural. 8. Recurso especial não provido. (REsp 1408152/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 01/12/2016, DJe 02/02/2017).

Como visto, trata-se de hipótese de presunção juris tantum, cabendo à parte contrária desfazê-la, comprovando não ser caso de impenhorabilidade, ônus do qual a parte embargada não se desincumbiu.

Nesse sentido, é o mesmo entendimento do Egrégio TJ/RS:

Agravo de instrumento. Incidente de impenhorabilidade de pequena propriedade rural. Requisitos legais. De acordo com a orientação do Superior Tribunal de Justiça, os requisitos legais para determinar a impenhorabilidade da pequena propriedade rural são: a) a dimensão da área seja qualificada como pequena, nos termos da lei; b) a propriedade seja trabalhada pelo agricultor e sua família. Ao ser qualificada como pequena, nos termos da lei, há a presunção de que a propriedade rural será explorada pela família, o que está de acordo com o próprio microssistema de direito agrário que aproxima os conceitos de pequena propriedade, módulo rural e propriedade familiar, para definir que o pequeno imóvel rural se destinará à exploração direta pelo agricultor e sua família, de modo a garantir a subsistência do núcleo familiar. Daí advém que incumbe ao exequente a demonstração de que inexiste exploração familiar da terra, único modo de afastar a hiperproteção da pequena propriedade rural. Assim, justifica-se acolher o incidente de impenhorabilidade da pequena propriedade rural, que se presume trabalhada pela família e em relação à qual o exequente deixou de descaracterizar que seja trabalhada pelo executado e sua família. Agravo de instrumento provido. (Agravo de Instrumento, Nº 70084550003, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Julgado em: 17-12-2020).

Outrossim, quanto à renúncia de impenhorabilidade por oferta dos bens em garantia hipotecária, a matéria resta consolidada no TJ-RS, que inclusive rejeitou admissão de IRDR sobre o tema.

Neste sentido:

Ementa: INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. IMPENHORABILIDADE DA PEQUENA PROPRIEDADE RURAL OFERTADA EM HIPOTECA PARA GARANTIA DE CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. AUSENTE RISCO DE OFENSA À ISONOMIA E À SEGURANÇA JURÍDICA. Para que se promova a instauração do IRDR, faz-se necessária a aferição dos requisitos previstos no artigo 976, incisos I e II, do CPC/15, quais sejam, a efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito (I) e o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica (II). Em análise das decisões sobre o tema neste Egrégio Tribunal de Justiça, tenho que inexiste dissídio jurisprudencial atual apto a atrair a norma inserta no inciso II do artigo 976 do CPC/15, porquanto não obstante os julgados trazidos pelo proponente em suas razões, os quais dão conta da adoção do entendimento de que a oferta da pequena propriedade rural em hipoteca levaria à renúncia ao benefício legal, a pesquisa dos julgados mais recentes proferidos neste Egrégio Tribunal de Justiça leva à conclusão de que houve recente alteração de posicionamento do Órgão Julgador que assim entendia, nele se adotando o posicionamento consolidado tanto nas demais Câmaras deste TJRS quanto no SuperiormTribunal de Justiça, no sentido de que a oferta do bem em garantia hipotecária não afasta a impenhorabilidade constitucionalmente reconhecida. Deste modo, ausente condição...

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