Acórdão nº 52192865020218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 24-03-2022

Data de Julgamento24 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo52192865020218217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoTerceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001853615
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5219286-50.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Servidão Administrativa

RELATOR: Desembargador LEONEL PIRES OHLWEILER

AGRAVANTE: KELI CRISTINA SALVATORI BUTTENBENDER

AGRAVADO: RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A.

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por KELI CRISTINA SALVATORI BUTTENBENDER contra a decisão proferida nos autos da ação ordinária ajuizada por RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A., nos seguintes termos:

Vistos.

Cuida-se de ação de instituição de servidão de passagem de linha de transmissão com pedido liminar de imissão na posse ajuizada por RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. em face de KELI CRISTINA SALVATORI BUTTENBENDER.

Realizada o depósito referente a avaliação prévia, foi deferida a liminar (evento 11). A parte ré agravou da decisão, sendo mantida a decisão de primeiro grau.

Citada, a requerida contestou e apresentou reconvenção. Em sede preliminar, arguiu a ausência do interesse de agir da autora ante o não esgotamento da via administrativa. Ainda, alegou a existência de conexão desta demanda com outra, ajuizada pela parte autora, perante a Justiça Federal, objetivando a nulidade do decreto de utilidade pública.

Decido.

No que tange ao não esgotamento da via administrativa tenho que a alegação da parte ré não prospera. Isto porque houve decreto de utilidade pública da área para a instituição de servidão administrativa para a passagem de linha de transmissão.

Assim, neste processo, discute-se tão somente o valor a ser pago à requerida à título de indenização.

Quanto a alegada conexão com o processo que tramita na Justiça Federal, da mesma forma, não assiste razão à requerida. A presente demanda, por se tratar de instituição de servidão em área rural situada neste Município, tem sua competência absoluta definida no art. 47 do CPC.

Assim, vão rejeitadas as preliminares.

No que tange as provas, defiro tanto a prova pericial como a prova testemunhal.

Inicialmente, no entanto, será produzida a prova pericial.

Nomeio perito o Eng Civil Jorge Araújo Valim.

Ficam as partes intimadas para apresentarem quesitos e indicarem assistente técnico, caso queiram, no prazo legal.

Decorrido o prazo, intime-se o perito para que apresente a sua pretensão de honorários. Os honorários serão rateados entre as partes, conforme art. 95 do CPC.

D.L.

Opostos embargos declaratórios, foram desacolhidos pelo juízo:

Vistos.

Recebo os embargos, pois tempestivos. Deixo de acolher suas razões, porém, pela inexistência de qualquer obscuridade, contradição ou omissão, à luz do art. 1.022 do CPC.

Intimem-se.

A parte agravante alega, em síntese, que as preliminares de ausência de interesse de agir e de necessário esgotamento da via administrativa foram indeferidas pelo juízo a quo, desconsiderando que a concessionária não observou o procedimento previsto para a emissão da declaração de utilidade pública, olvidando o dever de negociar constante do §2º do art. 10 da Resolução nº 740/2016 da ANEEL. Defende a existência de conexão por prejudicialidade, prevista no art. 55, §3º, do CPC, com o processo no 5012252-19.2020.4.04.7107, o qual postula a nulidade da declaração de utilidade pública do imóvel da agravante. Arrazoa que está correndo o cumprimento da imissão na posse, mas há sério risco de anulação do procedimento administrativo que dele se originou. Assevera que, ao afirmar que a ação versa unicamente sobre o valor da indenização, o juízo, no despacho saneador, está praticamente esvaziando o objeto da reconvenção, que busca que a imissão provisória na posse seja realizada em outro área da propriedade da demandada, incorrendo ainda em cerceamento de defesa. Requer:

(...) seja recebido o presente recurso, deferindo-lhe o efeito suspensivo e, ao final, provido para:

a) Acolher as preliminares de ausência de interesse de agir e de descumprimento do necessário esgotamento da via administrativa, extinguindo o feito e determinando o fiel cumprimento da Resolução nº 740/2016 ANEEL;

b) Não sendo esse o entendimento, reconhecer a conexão pela prejuidicialidade com a prevenção da Justiça Federal ou, alternalivamente, seja reconher a conexão e determindada a suspensão da presente ação em razão da prejudicialidade com a ação anulatória, aguardando-se inicialmente o julgamento daquele feito;

c) Não sendo esse o entendimento, determinar que a questão meritória seja analisada apenas quando da sentença, permitindo a ampla realização de prova relativa ao objeto da reconvenção.

Recebido o recurso, foi indeferido o efeito suspensivo postulado (Evento 6).

Intimada, a parte agravada não ofereceu contrarrazões.

O Ministério Público declinou da intervenção.

É o relatório.

VOTO

I - PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE

O recurso é tempestivo, estando dispensado da instrução com as peças arroladas no art. 1.017, I e II, do CPC, pois são eletrônicos os autos do processo, na forma do §5º. Todavia, merece ser conhecido apenas em parte.

O Código Processual Civil/2015, em seu art. 1.015, elencou taxativamente as decisões interlocutórias agraváveis, nos termos que segue:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
I - tutelas provisórias;
II - mérito do processo;
III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem;
IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica;
V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;
VI - exibição ou posse de documento ou coisa;
VII - exclusão de litisconsorte;
VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;
IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;
X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;
XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º;
XII - (VETADO);
XIII - outros casos expressamente referidos em lei.

Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

Na situação, a decisão agravada que rejeitou a preliminar de ausência de interesse de agir não está elencada no rol taxativo das decisões suscetíveis de impugnação pela via do agravo de instrumento, o que leva ao não conhecimento do recurso.

Sobre o tema, lecionam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery :

Agravo de instrumento em hipóteses taxativas (numerus clausus). O dispositivo comentado prevê, em numerus clausus, os casos em que a decisão interlocutória pode ser impugnada pelo recurso de agravo de instrumento. As interlocutórias que não se encontram no rol do CPC 1015 não são recorríveis pelo agravo, mas sim como preliminar de razões ou contrarrazões de apelação (CPC 1009 § 1.º). Pode-se dizer que o sistema abarca o princípio da irrecorribilidade em separado das interlocutórias como regra. Não se trata de irrecorribilidade da interlocutória que não se encontra no rol do CPC 1015, mas de recorribilidade diferida, exercitável em futura e eventual apelação (razões ou contrarrazões). Entretanto, se a interlocutória tiver potencialidade de causar imediato gravame de difícil ou impossível reparação, de tal sorte que não se possa esperar seja exercida a pretensão recursal como preliminar da apelação, pode ser, desde logo, submetida ao exame do tribunal competente para conhecer da apelação, pelo exercimento do mandado de segurança e da correição parcial.
(...)

Registro que o Superior Tribunal de Justiça, por sua Corte Especial, julgou na data de 05.12.2018 o Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1704520/MT, da Relatoria da Ministra Nancy Andrighi (TEMA 988), publicado em 19.12.2018, no sentido de definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal. Na ocasião, o STJ admitiu a possibilidade da interposição do agravo de instrumento quando a discussão versar sobre competência, tendo sido fixada a seguinte tese jurídica: “O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação”.

Posteriormente, conforme a notícia extraída do site do STJ na data de 01.03.2020, a tese estabelecida no Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1704520/MT orientou a solução de outros recursos especiais sobre a aplicação do art. 1.015 do CPC.

O STJ definiu, por exemplo, “outros casos sobre o cabimento de agravo de instrumento, concluindo pela possibilidade nas hipóteses de decisão interlocutória que versa sobre a inversão do ônus da prova em ações que tratam de relação de consumo (REsp 1.729.110), admissão de terceiro em ação judicial com o consequente deslocamento da competência para Justiça distinta (REsp 1.797.991), decisão sobre arguição de impossibilidade jurídica do pedido (REsp 1.757.123) e também no caso de decisão que aumenta multa em tutela provisória (REsp 1.827.553)”.

Consideradas as balizas até então adotadas pelo STJ, não se verifica a mitigação do rol exaustivo do art. 1.015 do CPC em relação à decisão que rejeitou a preliminar de ausência de interesse de agir, não demonstrada qualquer urgência ou inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação, a teor dos seguintes precedentes desta Corte:

AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DE VIDA. REJEIÇÃO DAS PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA E DE...

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