Acórdão nº 52214054720228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 09-02-2023

Data de Julgamento09 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo52214054720228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003112272
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5221405-47.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Inventário e Partilha

RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS

RELATÓRIO

Na origem, tramita o inventário dos bens deixados por FRANCISCO M. P., ajuizado pela viúva LAUDELINA P. (processo que, em meio físico, tramitou sob o n.º 008/1.17.0000747-0).

No evento 20 foi lançada a decisão ora objeto deste agravo, onde foi determinado à viúva a apresentação de cessões de direitos hereditários por meio de escrituras públicas, bem como o pagamento dos impostos sobre elas incidentes.

Em resumo, alega a viúva que: (1) quanto à renúncia translativa, que ocorre quando o herdeiro cede os seus direitos em favor de determinada pessoa, a doutrina aponta a necessidade de formalização mediante escritura pública, em atenção ao que dispõe o art. 1.793 do CCB; (2) contudo, a jurisprudência tem flexibilizado tal formalidade, aplicando o disposto no art. 1.806 do CCB; (3) a cessão de direitos hereditários por termo nos autos também materializa uma forma pública de manifestação de vontade, sendo descabida a exigência de escritura pública. Requer o provimento do recurso para reformar a decisão agravada, a fim de "reconhecer como válidas as renúncias de evento 3, procjudic 2, fls. 55, 56 e 58, por meio de termo nos autos, dispensando-se a realização de escritura pública".

Após o recebimento do recurso, por não haver causa de intervenção obrigatória pelo Ministério Público, vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

A insurgência dos agravantes diz respeito à determinação de realização de cessão de direitos hereditários por escritura pública, não tendo o Juízo de origem admitido a cessão por termo nos autos. Reconheço que o tema não desfruta de orientação pacífica no âmbito deste Tribunal de Justiça, tanto é que, nas razões recursais, os agravantes colacionam ementas de julgados nos quais foi admitida a cessão de direitos hereditários por termo nos autos do inventário. Todavia, adianto que não prospera a pretensão recursal, por três razões.

Primeiro, há de se ponderar a distinção entre a renúncia abdicativa, a qual o art. 1.806 do Código Civil permite que seja procedida mediante termo nos autos do inventário, e a cessão de direitos hereditários - que, apesar de também ser nominada de renúncia translativa, in favorem, não se confunde com aquela primeira, que se trata de uma renúncia pura e simples da herança. Sobre o tema, peço vênia para transcrever a pertinente doutrina de FRANCISCO JOSÉ CAHALI e GISELDA MARIA HIRONAKA (in Curso Avançado de Direito Civil. Volume 6: Direito das Sucessões. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003 - p. 96-98):

“A renúncia da herança é a antítese da aceitação. Através dela o sucessor manifesta seu repúdio ao direito hereditário, despojando-se da qualidade de seu titular.

É um ato jurídico unilateral e formal, pois exige-se o expresso e explícito pronunciamento não aceitando a herança a que tem direito, através de instrumento público ou termo judicial lançado nos autos do inventário (CC, art. 1.806). Contrariamente à aceitação, é um ato solene, reclamando, para sua validade e eficácia, a forma prevista em lei, não se admitindo a renúncia tácita ou presumida.

(...) O renunciante considera-se como se não existisse enquanto herdeiro, como se jamais tivesse herdado. Assim, sua quota hereditária retorna ao monte partível, seguindo o destino dos bens a ser dado à massa quando promovida por herdeiro legítimo (CC, art. 1.810).

(...) Alguns doutrinadores identificam duas espécies de renúncia. A primeira, abdicativa, através da qual o herdeiro manifesta o repúdio de forma pura e simples, e antes de praticar qualquer ato que possa ser considerado como aceitação (expressa, tácita ou presumida). A segunda, translativa (ou translatícia), quando o herdeiro indica determinada pessoa (sucessor ou não) em favor de quem renuncia à herança (in favorem), ou quando manifestada após a aceitação, em qualquer das suas modalidades.

(...) Indicando um favorecido em substituição, embora, em sentido genérico, também o herdeiro abdique do seu quinhão, ter-se-á mais propriamente a cessão da herança (gratuita ou onerosa). E, se manifestada a posteriori, pela irretratabilidade da aceitação, também ocorrerá cessão. Em ambos os casos de renúncia translativa existirão dois atos jurídicos praticados pelo sucessor: o primeiro deles desejando recolher a herança; o segundo transmitindo-a a outros (herdeiros ou não). Como conseqüência relevante, tem-se a incidência não apenas de imposto causa mortis, como também inter vivos. (grifei)

Em segundo lugar, cabe anotar que a própria legislação não trata de forma idêntica a renúncia abdicativa – a renúncia pura e simples daquele que não praticou nenhum ato de aceitação da herança – e a renúncia translativa, isto é, a cessão de direitos hereditários. Tanto é assim que o art. 1.806 da lei civil delibera acerca do modo em que poderá ser manifestada a renúncia abdicativa, ao passo que o art. 1.793 do mesmo diploma legal trata acerca da cessão de direitos hereditários:

Art. 1.806. A renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial.

Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.

O tratamento diferenciado conferido pela legislação às duas espécies de renúncia tem razão de ser, indo além da própria distinção entre os conceitos de renúncia pura e simples e renúncia in favorem.

É que, como visto, a renúncia abdicativa de que trata o art. 1.806 do CCB é praticada por aquele que, chamado a suceder, manifesta formalmente não aceitar a herança, de modo que não ocorre a transmissão da herança àquele indivíduo e, consequentemente, não há incidência do respectivo imposto de transmissão causa mortis, sendo que o quinhão que lhe caberia retorna ao monte-mor. Já aquele que renuncia à herança em favor de alguém, seja herdeiro ou não, está, na qualidade de herdeiro – que, portanto, já aceitou a herança –, cedendo seus direitos sobre a herança, razão pela...

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