Acórdão nº 52220281420228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quinta Câmara Cível, 28-02-2023

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo52220281420228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003125215
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

25ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5222028-14.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATOR: Desembargador LEO ROMI PILAU JUNIOR

AGRAVANTE: ALAMARA UNTERS RODRIGUES

AGRAVADO: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto por Alamara Unters Rodrigues, contra decisão que, nos autos da ação de obrigação de fazer em face do BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL, indeferiu a antecipação dos efeitos da tutela pretendida (evento 8, DESPADEC1).

Em suas razões recursais (evento 1, INIC1), a parte agravante alega que deve ser modificada a decisão, pois "está tendo descontados de seu contracheque e conta-corrente mais de 100% dos rendimentos, vivendo com a conta bancária no vermelho, como mostram os contracheques e extratos juntados aos autos". Aponta que, em Outubro de 2022, recebeu o valor de R$ 2.800,00, referente a seu salário, e que, foi descontado pelos bancos agravados o montante de quase R$ 3.500,00, situação que tende a ocorrer novamente, pelo menos pelos próximos 12 meses. Menciona que houve imprevisto em sua vida, visto que, por motivos de saúde sofreu diminuição da carga horária de trabalho de 40 para 20 horas semanais, gerando redução salarial à metade. Assevera que, com base nos Decretos Estaduais de nº 43.337/2004 e 43.574/2005, há limitação objetiva para concessão de crédito ao indivíduo de 30% dos rendimentos para trabalhadores do serviço público, caso da parte agravante. Aduz que esse limite estabelecido não está sendo respeitado, em razão dos valores descontados de seu contracheque e conta-corrente representarem mais de 100% de seus rendimentos Relata que somente tem conseguido sobreviver com muita dificuldade e ajuda dos filhos, mas que estes também são pobres e têm os próprios compromissos financeiros. Requer o provimento do recurso, para "que seja reformada a decisão interlocutória, ora agravada, e deferido o pleito tutela de urgência postulado na peça incipiente no sentido de determinar às Rés/Agravadas, através de ofício, que readéquem os descontos dos empréstimos da autora para o patamar máximo de 30% dos seus rendimentos, no prazo de 24h, sob pena de multa diária de R$ 500,00, qual deverá ser revertida em favor da autora, inclusive obstando a negativação de seu nome no rol de inadimplentes do SPC/Serasa".

Não foi concedida a liminar (evento 4, DESPADEC1).

Foram apresentadas contrarrazões (evento 14, CONTRAZ1, evento 21, CONTRAZ1).

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e passo a analisá-lo, observando que a fundamentação se dirige a este momento processual de cognição sumária.

No que tange à concessão da tutela de urgência, giza-se que a discricionariedade do juiz em antecipar a tutela jurisdicional deve preceder de análise criteriosa do pedido, conforme dispõe a regra do art. 300 do CPC:

Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

§ 1° Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.

§ 2° A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.

§ 3° A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.

Da leitura do dispositivo, extrai-se que a tutela poderá ser concedida mediante os seguintes requisitos: a probabilidade do direito – em analogia ao fumus boni iuris, de forma a convencer o juiz das alegações e o fundado perigo de dano (periculum in mora) ou de resultado útil ao processo.

No entendimento de Cássio Scarpinella Bueno:

"A concessão da “tutela de urgência” pressupõe: (a) probabilidade do direito; e (b) perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (art. 300, caput). São expressões redacionais do que é amplamente consagrado nas expressões latinas fumus boni iuris e periculum in mora, respectivamente."

BUENO, Cássio Scarpinella. Manual direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do novo CPC, de acordo com a Lei 13.256. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 254.

Ainda, na visão de Fredie Didier Júnior:

A tutela provisória de urgência pode ser cautelar ou satisfativa (antecipada).

"Em ambos os casos, a sua concessão pressupõe, genericamente, a demonstração da probabilidade do direito (tradicionalmente conhecida como ‘’fumus boni iuris’’)e , junto a isso, a demonstração do perigo de dano ou de ilícito , ou ainda do comprometimento da utilidade do resultado final que a demora do processo representa(tradicionalmente conhecido como ‘’periculum in mora’’)(art. 300, CPC)

Percebe-se, assim, que a ‘’redação do art. 300, caput, superou a distinção entre os requisitos da concessão para a tutela cautelar e para a tutela satisfativa de urgência, erigindo a probabilidade e o perigo na demora a requisitos comuns para a prestação de ambas as tutelas de forma antecipada’’ (enunciado n.143 do Fórum Permanente de Processualistas Civis)

A lei exige a conjugação desses dois pressupostos. A prática, porém, revela que a concessão para a tutela provisória não costuma obedecer rigorosamente essa exigência. Há situações em que juízes concedem a tutela provisória em razão da extrema urgência, relegando um tanto a probabilidade; e vice-versa. ‘’No dia a dia do foro, quanto mais ‘denso’ é o fumus boni iuris, com menor rigor se exige o periculum in mora; por outro lado, quanto mais ‘denso’ é o periculum in mora exige-se com menor rigor o fumus boni iuris’’. Eduardo José da Fonseca Costa, em trabalho importantíssimo de pragmática processual demonstra que o ‘’Direito vivo’’ aceita várias combinações entre probabilidade e perigo, para fim de concessão da tutela provisória. O autor demonstra que, na prática, os juízes se valem de um raciocínio tipológico, ‘’o fumus boni iuris e o periculum in mora são vistos como pautas ‘moveis’, que podem se apresentar em graus ou níveis distintos e que, por isso, não são suscetíveis de fixação em termos genéricos(...)Conseguintemente, para conceder-se a liminar, não há necessidade da presença simultânea dos dois pressupostos. Entre eles há uma espécie de permutabilidade livre. Se o caso concreto desviar-se do ‘tipo normal’ e somente um dos pressupostos estiver presente em ‘peso decisivo’ mesmo assim será possível conceder-se a medida, embora por força de uma ‘configuração atípica’ ou ‘menos típica’, que se afasta do modelo descrito na lei. Tudo se passa como se, nos processos concretos de concessão de tutelas liminares, o fumus boni iuris e o periculum in mora fossem ‘elementos’ ou ‘forças que se articulam de forma variável, sem absolutismo e fixidez dimensional’’

A tese é muito interessante e de difícil refutação. A análise pormenorizada dela desborda dos limites deste Curso. O registro dela é, no entanto, indispensável.

A tutela provisória de urgência satisfativa (ou antecipada) exige também o preenchimento de pressuposto específico, consistente na reversibilidade dos efeitos da decisão antecipatória (art 300, §3, CPC), como adiante se abordará

A tutela provisória de urgência pode ser requerida e concedida em caráter incidental ou antecedente.

A tutela provisória de urgência incidental se processa de acordo com as regras gerais vistas no item anterior. Já a tutela provisória de urgência antecedente segue regras especificas, que exigem análise própria e apartada a ser realizada em itens seguintes."

DIDIER JÚNIOR, Fredie Souza; BRAGA, Paula Sarno; DE OLIVEIRA, Rafael Santos. Curso de Direito Processual Civil. v. 2. 13. ed. Salvador: Jus Podivm, 2016. p. 594/595.

Como cediço, a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional somente se justifica quando as alegações acerca do direito reclamado estejam efetivamente comprovadas e revestidas da verossimilhança inequívoca, o que não é o caso.

Compulsando os autos, verifica-se que a parte autora postula a limitação dos descontos no patamar máximo de 30% sobre os rendimentos brutos da autora, excetuados os descontos obrigatórios (evento 1, INIC1).

Conforme contracheque de setembro de 2022 juntado aos autos (evento 1, CHEQ17), a renda líquida da autora, após os descontos obrigatórios, era no valor de R$ 1.888,64, sendo os descontos referentes aos empréstimos nos valores de R$ 263,20 e R$ 196,42. Dessa forma, constata-se que os descontos realizados em folha de pagamento da parte demandante não extrapolam a margem consignável de 30% dos rendimentos brutos da parte demandante.

Ressalta-se que a limitação de desconto de 30% sobre os proventos de verba salarial somente se aplica à folha de pagamento ou conta salário, não...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT