Acórdão nº 52244318720218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 24-06-2022

Data de Julgamento24 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo52244318720218217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002311690
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5224431-87.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Direito de Vizinhança

RELATORA: Desembargadora MYLENE MARIA MICHEL

AGRAVANTE: LARISSA DE OLIVEIRA ESTIVALET

AGRAVANTE: PAULO OLIVERIO LARA ESTIVALET

AGRAVADO: REF CONSTRUTORA E INCOORADORA LTDA

RELATÓRIO

Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por LARISSA DE OLIVEIRA ESTIVALET e PAULO OLIVERIO LARA ESTIVALET contra decisão interlocutória que, nos autos da ação de passagem forçada ajuizada em face de REF CONSTRUTORA E INCOORADORA LTDA, assim dispôs, in verbis:

Vistos.

1. A concessão de tutela de urgência pressupõe que a parte autora instrua a petição inicial com os documentos que evidenciem a probabilidade do direito invocado e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, nos termos previstos no caput do artigo 300 do Código de Processo Civil.

Dessa forma, tem-se que o contraditório somente pode ser diferido naquelas situações excepcionais em que a sua oportunização acarretaria risco de dano irreparável ou de difícil reparação ao autor. Somente nessa hipótese é legítimo que o Juiz antecipe a própria tutela final, esgotando o próprio objeto da ação, como na hipótese dos autos, sem nem sequer ouvir a versão da parte contrária.

Na hipótese dos autos, a penhora que teria obstruído o acesso à propriedade da parte demandante foi efetuada no ano de 2019 de modo que os autores têm ciência da situação desde então. Contudo, somente agora contra ela se insurgem.

Por conseguinte, sopesando-se a necessidade de oportunizar o contraditório com a alegada urgência deve prevalecer o contraditório.

Entretanto, a mera postergação impede a parte autora de recorrer, suprimindo-lhe que acione a Superior Instância que pode vir a compreender de forma diferente. Em razão disso, INDEFIRO, por ora, a tutela de urgência sem prejuízo de reexaminar o pleito após o contraditório se houver expresso requerimento da parte requerente.

(...)

Em razões, a parte agravante alega que a parte ré arrematou parcela de seu imóvel em leilão ocorrido nos autos de ação de execução fiscal e, desde a imissão na posse, vem obstaculizando a passagem para a área localizada aos fundos do imóvel, onde existem três apartamentos, locados pela autora/agravante a terceiros. Argumenta que, ao contrário do que compreendeu o juízo a quo, não se está apresentando insurgência contra a penhora efetuada em 2019 e não é a penhora por si só que estaria obstruindo o acesso. Reitera que desde a imissão de posse, o então proprietário/arrematante, ora agravado, vem obstando a passagem, tentando impedir o acesso dos agravantes no imóvel, cobrando valor excessivo para permitir que os moradores ingressem no local e tenham acesso aos imóveis objeto dos contratos de locação. Assevera que o o portão de acesso ao imóvel, cujas imagens encontram-se nos autos, é a única forma de ingresso no local, a pé ou por veículo, e o meio utilizado desde sempre pelos inquilinos para adentrar nas peças e apartamentos que localizam-se aos fundos e parte superior do imóvel. Por tal razão buscam a tutela de urgência destinada a lhes assegurar a passagem no local, possibilitando o acesso aos imóveis dos fundos e parte superior do prédio, com determinação de que a parte agravada se abstenha de colocar tapumes no portão ou impeça de qualquer forma a entrada dos inquilinos. Argumenta que, conforme destacado na inicial, a POLE, empresa do Agravante, tem acesso pela frente do imóvel, mas a parte dos fundos e superior, desde sempre teve sua entrada pelo portão, sendo esta a única forma de ingressar no local, não podendo a parte agravada querer impedir esse acesso. Afirma que o agravado arrematou o imóvel avaliado em R$ 25.000,00 por R$ 17.000,00 e está exigindo alto valor para não bloquear o portão de acesso (R$ 170.000,00), cuja exigência é absurda e pode ser considerada até mesmo uma extorsão, ferindo a boa-fé objetiva que deve ser observada pelas partes. Tece considerações sobre o instituto da passagem forçada e colaciona jurisprudência. Pugna pela concessão da tutela de urgência recursal e pelo final provimento do recurso, a fim de que seja deferida a tutela de urgência requerida na inicial, determinando que o agravado se abstenha de impedir o acesso dos agravantes e seus inquilinos ao imóvel pelo único portão que permite o ingresso no prédio.

O recurso foi distribuído e recebido no efeito meramente devolutivo.

Regularmente intimada, a parte agravada deixou o prazo para contrarrazões fluir in albis.

Vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade aplicáveis à espécie.

Consigno, inicialmente, que pela presente ação a parte autora, ora agravante, busca o reconhecimento/estabelecimento de seu direito de passagem pelo imóvel da parte ré em razão do encravamento de seu imóvel, razão pela qual, apesar de nominada como "ação de servidão de passagem" (instituto de direito real), a ação versa sobre passagem forçada, instituto do direito de vizinhança.

A passagem forçada está disciplinada no art. 1.285 do Código Civil, que assim dispõe:

Art. 1.285. O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário.

§ 1 o Sofrerá o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural e facilmente se prestar à passagem.

§ 2 o Se ocorrer alienação parcial do prédio, de modo que uma das partes perca o acesso a via pública, nascente ou porto, o proprietário da outra deve tolerar a passagem.

§ 3 o Aplica-se o disposto no parágrafo antecedente ainda quando, antes da alienação, existia passagem através de imóvel vizinho, não estando o proprietário deste constrangido, depois, a dar uma outra.

Sobre a temática, lecionam Gagliano e Pamplona Filho1:

Passagem forçada, diferentemente do que o senso comum pode sugerir, não se confunde com servidão.

A primeira, ora estudada, é direito de vizinhança, emanado diretamente da lei, com necessário pagamento de indenização; a segunda, é direito real na coisa alheia, sem caráter obrigatório e com pagamento facultativo de verba compensatória.

Os institutos podem até ter origens comuns, mas têm natureza diversa, conforme apontou o Superior Tribunal de Justiça no seguinte julgado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO POSSESSÓRIA. INTERDITO PROIBITÓRIO. PASSAGEM FORÇADA. SERVIDÃO DE PASSAGEM. DISTINÇÕES E SEMELHANÇAS. NÃO CARACTERIZAÇÃO NO CASO. SERVIDÃO NÃO SE PRESUME E DEVE SER INTERETADA RESTRITIVAMENTE.
1. Apesar de apresentarem naturezas jurídicas distintas, tanto a passagem forçada, regulada pelos direitos de vizinhança, quanto a servidão de passagem, direito real, originam-se em razão da necessidade/utilidade de trânsito, de acesso.
2. Não identificada, no caso dos autos, hipótese de passagem forçada ou servidão de passagem, inviável a proteção possessória pleiteada com base no alegado direito.
3. A servidão, por constituir forma de limitação do direito de propriedade, não se presume, devendo ser interpretada restritivamente.
4. Recurso especial provido.
(REsp n. 316.045/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 23/10/2012, DJe de 29/10/2012.)

Discorrendo, no sistema codificado anterior, sobre a diferença entre passagem forçada e servidão, PONTES DE MIRANDA prelecionava:

A passagem forçada, de que se fala nos arts. 559-562 do Código Civil, não é a servidão de passagem, mas a limitação ao conteúdo do direito de propriedade. É o caminho necessário, que não mais consiste em direto à constituição ou estabelecimento de servidão. O elemento germânico, que se introduziu, fez do direito ao caminho forçado (que não limitava, no direito sacral romano, o conteúdo do direito de propriedade) verdadeira limitação ao conteúdo mesmo do direito de propriedade.

E o inigualável jurista, em outro ponto de sua obra, acrescenta que a passagem forçada dispensa o registro:

O direito à passagem...

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