Acórdão nº 52250585720228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualHabeas Corpus
Número do processo52250585720228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003106572
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Habeas Corpus (Câmara) Nº 5225058-57.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Cor

RELATOR: Desembargador JAYME WEINGARTNER NETO

PACIENTE/IMPETRANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

IMPETRADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de RAFAEL ANTONIO FIGUEIREDO RAMOS, denunciado pela prática, em tese, do delito de injúria racial, indicando como autoridade coatora o JUÍZO DA 14ª VARA CRIMINAL E JTGE DO FORO CENTRAL DA COMARCA DE PORTO ALEGRE.

O impetrante alega a ausência de justa causa para a ação penal, diante da ausência de indícios de materialidade. Menciona que os pareceres técnicos periciais elaborados pela defesa asseveram que o paciente não proferiu o termo "macaco", durante o diálogo. Faz referência às circunstâncias fáticas e à possibilidade de engano na compreensão das palavras utilizadas pelo paciente, em razão do seu sotaque lusitano. Cita a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva, que absolveu o paciente por votação unânime no julgamento do processo disciplinar nº 2045/2022, pela insuficiência em estabelecer certeza quanto à prática da infração disciplinar. Requer, liminarmente, a suspensão da audiência de instrução e julgamento aprazada para o dia 14 de novembro de 2022 e, no mérito de habeas corpus, o trancamento da ação penal.

A liminar foi indeferida.

Nesta instância, a Procuradoria de Justiça manifestou-se pela denegação da ordem.

VOTO

Reproduzo, por oportuno, a decisão que indeferiu a liminar:

O paciente foi denunciado pelo delito de injúria racial, pois, em 14 de maio de 2022, durante jogo disputado entre o Sport Club Internacional e o Sport Club Corinthians Paulista, o paciente teria proferido o termo "macaco" durante diálogo mantido com o jogador colorado Edenílson.

A denúncia foi recebida em 30 de agosto de 2022.

Em 01 de setembro de 2022, o Ministério Público aditou a denúncia para incluir como testemunha o perito designado pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol.

Apresentada resposta à acusação. Ao analisar os argumentos da defesa, o Magistrado singular não verificou "ser caso de rejeição da denúncia ou absolvição sumária prevista no art. 397 do CPP, uma vez que além de existirem indícios suficientes de autoria e prova da materialidade delitiva, inexistentes causas manifestas de excludente da ilicitude do fato, de culpabilidade (salvo inimputabilidade), que o fato não constitui crime ou verificada motivação para extinção da punibilidade do agente.". Designou audiência de instrução e julgamento para o dia 14 de novembro de 2022.

Contra esse ato do juízo apontado coator, foi interposto o presente writ.

A defesa alega, em síntese, ausência de indícios de autoria do delito, referindo, especialmente, os laudos técnicos periciais por ela realizados, no sentido de que o paciente não teria proferido o termo "macaco", mas "pô, caralho". Mencionou também que o laudo realizado pelo IGP foi inconclusivo na identificação das palavras supostamente pronunciadas pelo paciente. Referiu não haver testemunha presencial dos fatos que pudesse corroborar a versão apresentada pela vítima. Defende, assim, a ausência de justa causa para a persecução penal.

Não constato, a priori, flagrante constrangimento ilegal em desfavor do paciente a sustentar o deferimento da medida para suspender a realização da audiência de instrução e julgamento designada para a próxima segunda-feira.

Conforme mencionei ao indeferir a liminar no Habeas Corpus nº 5132119-58.2022.8.21.7000, que postulava o cancelamento do indiciamento policial, os elementos apresentados até aquele momento indicavam, na sumária cognição permitida em sede de liminar, a existência do fumus comissi delicti.

O Relatório de Indiciamento fundamentou os indícios de autoria no depoimento do árbitro da partida que confirmou que o jogador Edenilson o procurou durante a partida para relatar que fora vítima de injúria racial por parte do paciente; referiu que as perícias apresentadas pela defesa são "divergentes e contraditórias entre si"; e que "a jurisprudência é tranquila no sentido de que a palavra da vítima reveste-se de especial relevância nesta espécie de delito, mormente quando segura e respaldada pelas demais circunstâncias, como no presente caso."

Embora haja mais de uma versão nos autos, não há elementos concretos para que sejam afastadas, de pronto, as declarações da vítima, que foram corroboradas por laudo pericial e parecer criminalístico. De fato, os próprios pareceres apresentados pela defesa apresentam frases diversas, em tese, faladas pelo paciente: Perícia 1: "pô, caralho"; perícia 2: "Foda-se mano, caralho".

Neste contexto, pese ponderável, a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol, não é suficiente, na lógica da específica ratio decidendi, para não falar na autonomia das esferas, inclusive porque não se trata, aqui, de ação relativa à disciplina ou à competição desportiva (CF, 217, § 1º), para afastar, de plano, justa causa imprescindível para a persecução penal. Em linha de princípio, assentado que se trata de crime formal, não se cogita de materialidade a demonstrar-se exclusivamente por via pericial (exigência do artigo 158 do CPP). Além disso, nos eventos que lidam com a honra, o horizonte de contextualização é fundamental, o qual, via de regra, só se esclarece efetivamente mediante instrução e contraditório.

Desse modo, sem emitir juízo definitivo, não identificado flagrante constrangimento ilegal em desfavor do paciente, indefiro a liminar.

Não há flagrante ilegalidade que autorize o trancamento da ação penal neste momento.

Conforme referido na decisão liminar, os impetrantes sustentam a ausência de justa causa para ação penal alegando inexistirem prova da materialidade e indícios da autoria delitiva, uma vez que o paciente não teria proferido o termo "macaco" à vítima, mas sim outras palavras que não possuem conotação racista....

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