Acórdão nº 52273276920228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualHabeas Corpus
Número do processo52273276920228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003116481
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Habeas Corpus (Câmara) Nº 5227327-69.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Roubo majorado (art. 157, § 2º)

RELATORA: Desembargadora ISABEL DE BORBA LUCAS

PACIENTE/IMPETRANTE: KAREN GRAZIELE KICH VILLA

IMPETRADO: JUÍZO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE SANTANA DO LIVRAMENTO

RELATÓRIO

FERNANDA LETICIA SEVERO DIEZ, defensora constituída, impetrou o presente habeas corpus, em favor de KAREN GRAZIELE KICH VILLA, com pedido liminar.

A impetrante sustentou, em síntese, que o decreto de custódia cautelar está genericamente motivado, ausente individualização da conduta dos investigados e dos elementos que tornariam imprescindível a custódia cautelar da paciente. Sustentou a desnecessidade da segregação cautelar, destacando a ausência de contemporaneidade dos fatos e a inexistência de substrato probatório mínimo acerca do envolvimento de KAREN GRAZIELE nos crimes que lhe são imputados, afirmando que somente está no polo passivo desta ação, pelo fato de ser companheira do outro acusado, e não por uma ação própria nos referidos crimes descritos na denúncia. Acrescentou que a paciente é primária, tem bons antecedentes e possui residência fixa, não representando risco ou perigo à sociedade ou ao processo, assim inexistindo motivos para a manutenção da custódia, possível a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão. Salientou, neste sentido, que a beneficiária é a única responsável por dois filhos menores de 12 (doze) anos de idade, impondo-se a substituição da segregação cautelar por prisão domiciliar.

Com base nessas considerações, requereu a imediata soltura da paciente e, subsidiariamente, a aplicação de medidas cautelares diversas ou, ainda, a substituição da segregação cautelar por por prisão domiciliar, com a posterior concessão definitiva da ordem.

A liminar foi indeferida, no eventual impedimento desta relatora, pela MM.ª Desembargadora Naele Ochoa Piazzeta, dispensadas as informações da autoridade apontada como coatora, diante da possibilidade de acesso integral aos autos originários (evento 5, DOC1).

Em parecer, opinou, o ilustre Procurador de Justiça, Dr. Carlos Roberto Lima Paganella, pela denegação da ordem (evento 14, DOC1).

Vieram conclusos.

É o relatório.

VOTO

Pela análise dentro dos limites da estreita via do habeas corpus, entendo que a ordem deve ser denegada.

Advirta-se, de início, que as prisões provisórias devem estar pautadas pela excepcionalidade, demonstrada pela presença dos pressupostos e requisitos legais constantes no artigo 312 e seguintes do Código de Processo Penal.

Na espécie, não se verifica, neste momento, qualquer ilegalidade na prisão da paciente, a ensejar sua liberdade, pois a decisão está apoiada em elementos que caracterizam a sua real necessidade.

Em primeiro lugar, atenta-se para a constitucionalidade das prisões cautelares, mesmo diante da consagração do princípio constitucional da não culpabilidade, pois devidamente reconhecida pela jurisprudência pátria a legitimidade jurídico-constitucional de tais medidas, estando igualmente previstas na Carta Magna, artigo 5º, inciso LXI.

Resta, portanto, rechaçada qualquer alegação de ofensa ao princípio da não culpabilidade, diante da decretação da prisão cautelar da paciente, que está de acordo com a novel legislação processual penal, e o indeferimento da liberdade provisória, obedecido o devido processo legal.

Outrossim, não prospera a alegação de ausência de fundamentação da decisão que impôs à paciente a segregação cautelar, haja vista que o juízo da origem enfrentou devidamente as questões trazidas ao caso. Trata-se, as condutas ora analisadas, de crimes graves in concreto, um foi cometido com grave ameaça à pessoa, mediante emprego de arma de fogo. Nesse sentido, além do possível envolvimento nos delitos de organização criminosa, receptação e adulteração de sinal identificador de veículo automotor, KAREN perpetrou, em tese, roubo a posto de combustíveis, em comunhão de vontades e conjugação de esforços com os demais denunciados, ocasião em que subtraídas, mediante grave ameaça, exercida com o emprego de armas de fogo, as importâncias de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e de $U 130.000,00 (cento e trinta mil pesos uruguaios) e dois aparelhos celulares. De salientar que, durante todo o evento delitivo, o ofendido foi mantido sob a mira de armas de fogo dos agentes.

Tais circunstâncias demonstram, efetivamente, a periculosidade da paciente e a necessidade de sua segregação cautelar.

Quanto à garantia da ordem pública, vale lembrar a lição de Norberto Pâncaro Avena1:

... entende-se justificável a prisão preventiva para a garantia da ordem pública quando a permanência do acusado em liberdade, pela sua elevada periculosidade, importar em intranqüilidade social em razão do justificado receio de que volte a delinqüir.

Citando Nucci, o mesmo autor refere:

... entende-se pela expressão a necessidade de se manter a ordem na sociedade, que, em regra, é abalada pela prática de um delito. Se este for grave, de particular repercussão, com reflexos negativos e traumáticos na vida de muitos, propiciando àqueles que tomam conhecimento de sua realização um forte sentimento de impunidade e de insegurança, cabe ao judiciário determinar o recolhimento do agente. A garantia da ordem pública deve ser visualizada pelo binômio gravidade da infração + repercussão social.

No mesmo sentido, Greco Filho2:

A garantia da ordem pública tem sentido amplo. Significa a necessidade de se preservar bem jurídico essencial à convivência social como, por exemplo, a proteção social contra réu perigoso que poderá voltar a delinquir, a proteção das testemunhas ameaçadas pelo acusado ou a proteção da vítima.

Por outro lado, não há falar em ausência de contemporaneidade da medida extrema. De fato, tem-se que a necessidade de garantia da ordem pública, contra a perpetração de crimes graves, como o dos autos, não se esvai com o mero decurso do tempo, porquanto a periculosidade do agente, demonstrada pelo modus operandi da ação delitiva, faz com que a sua liberdade importe em efetivo perigo à ordem pública, extremamente abalada com a propagação de crimes patrimoniais violentos. Efetivamente, conforme já sedimentado em nossa jurisprudência, a contemporaneidade da prisão preventiva não está restrita à época da prática dos delitos e, sim, à verificação da necessidade no momento de sua decretação, ainda que o fato criminoso tenha ocorrido em tempo passado.

Ademais, ao contrário do afirmado pela combativa defesa, estão presentes também a materialidade e os indícios mínimos de autoria, em relação à paciente. Neste sentido, inclusive, observa-se que já foi oferecida e recebida a denúncia, nos autos da ação penal nº 5005574-13.2022.8.21.0025, individualizando sua conduta delitiva, imputando-lhe a prática dos crimes previstos nos artigos 2º, § 2º, da Lei n.º 12.850/13 (1º Fato); 180, caput, do CP (2º Fato); 311 do CP (3º Fato) e 157, §§ 2º, II, e 2º-A, I, do CP (4º fato), tudo na forma do art. 69, caput, do CP (evento 1, DOC1 e evento 8, DOC1).

Além disso, o ilustre magistrado da origem destacou o elevado risco de reiteração delitiva, por parte de KAREN GRAZIELE e dos demais asseclas, referindo que, conforme apurado pela Autoridade Policial nos autos do IP 183/2021/151406, os representados (...) atuaram como autores mediatos, imediatos e partícipes em crime de roubo, além de restar apurado que integram organização criminosa, que tem dominado esta região de fronteira atuando em crimes de tráfico de drogas e armas e reiteradamente tem efetuado a prática de homicídios para manter a hegemonia da facção, executando “os contras” ou eventuais devedores da facção, além de orquestrar roubos graves, que vêm recrudescendo consideravelmente nesta cidade (somente o Posto Lumax já foi alvo outras duas vezes, Supermercado Niederauer - com restrição de liberdade, Casa das Alianças etc.), e, portanto, demandam reação enérgica do Poder Público, pois urge seja combatido esse tipo de crime de forma eficaz desde o início, não somente após o devido processo penal, a fim de que a sensação de impunidade não seja um fator de estímulo à reiteração criminosa (evento 6, DOC1).

Acrescenta-se à decisão da origem que a reiteração delitiva causa tormento à sociedade, especialmente em crimes graves como os dos autos, cometidos mediante emprego de violência e grave ameaça. Isto, por si só, legitima a prisão provisória, diminuindo o sentimento de impunidade que se destaca no cenário nacional, dando maior credibilidade às instituições e garantindo a ordem pública.

Nessa linha, alguns precedentes desta Corte:

HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO MAJORADO. LIMINAR DEFERIDA PARA SUBSTITUIR A PRISÃO PREVENTIVA POR MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. DESCUMPRIMENTO. REVOGAÇÃO DA LIMINAR. O crime imputado ao paciente, roubo majorado, possui o máximo da pena privativa de liberdade cominada superior a quatro anos. Presente, também, o fumus comissi delicti, pois, a existência, em tese, do crime imputado ao paciente e que sua autoria recai sobre ele. Presente, também, o periculum libertatis, pois, o paciente, que recebera, em liminar, liberdade provisória condicionada, foi preso em flagrante na cidade de Alvorada/RS, no dia 12.07.2022, acusado da prática do crime de tráfico de entorpecentes, como dá conta o BO n. 5802/2022/100425, o que demonstra, contrariamente ao anteriormente afirmado, que sua liberdade põe em risco a ordem pública, pois, tão logo se livrou da prisão, voltou a delinquir, demonstrando sua disposição a reiteração criminosa. Presentes os pressupostos autorizadores da prisão preventiva, previstos nos arts. 312 e 313, inciso I, do CPP. Liberdade provisória revogada. Determinada a...

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