Acórdão nº 52296261920228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualHabeas Corpus
Número do processo52296261920228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003077326
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Habeas Corpus (Câmara) Nº 5229626-19.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATORA: Desembargadora GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA

PACIENTE/IMPETRANTE: FERNANDO DA FONSECA VASQUEZ

ADVOGADO: LEONARDO ANTUNES MORAIS (OAB RS125968)

ADVOGADO: Stephan Doering Darcie (OAB RS080092)

IMPETRADO: JUÍZO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE ESTEIO

RELATÓRIO

STEPHAN DOERING DARCIE e LEONARDO ANTUNES MORAIS, defensores constituídos, impetraram a presente ordem de habeas corpus em favor de FERNANDO DA FONSECA VASQUEZ, apontando como autoridade coatora o JUÍZO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE ESTEIO/RS.

Relataram os impetrantes, em apertada síntese, que o paciente foi preso em flagrante em 23.10.2022, pela suposta prática dos delitos de disparo de arma de fogo e porte ilegal de arma de fogo com numeração suprimida, sendo a prisão convertida em preventiva na data de 25.10.2022.

Sustentaram a carência de fundamentação da decisão que decretou a segregação do paciente, apontando a ausência dos requisitos autorizadores da prisão preventiva.

Aduziram que o paciente ostenta condições pessoais favoráveis, tais quais primariedade, residência fixa, ocupação lícita e família constituída.

Ressaltaram a possibilidade de substituição da prisão preventiva do paciente por medidas cautelares diversas.

Pugnaram, liminarmente, a concessão de liberdade ao paciente, sem ou com a aplicação de medidas cautelares diversas, e no mérito, a concessão definitiva da ordem.

A liminar foi indeferida (evento 4, DESPADEC1).

O Ministério Público ofertou parecer, por meio do douto Procurador de Justiça, Dr. Ubaldo Alexandre Licks Flores, manifestando-se pela denegação da ordem (evento 11, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Eminentes Desembargadores:

Trata-se de habeas corpus, impetrado em favor de paciente preso preventivamente pela suposta prática dos delitos de disparo de arma de fogo e porte ilegal de arma de fogo com numeração suprimida.

Examinando os autos, concluo pela denegação da ordem.

Como se sabe, o Habeas Corpus é garantia constitucional fundamental (art. 5º, LXVIII, CF1), com previsão, também, no Código de Processo Penal no artigo 6472 e seguintes.

Tem por finalidade evitar ou fazer cessar a violência ou a restrição da liberdade de locomoção decorrente de ilegalidade ou abuso de poder, mediante ação autônoma, denominada, conforme a melhor doutrina, de ação constitucional.

O artigo 6483 do Código de Processo Penal, arrola as hipóteses em que o writ será passível de concessão. Em que pese a discussão doutrinária a respeito de ser esse rol taxativo ou exemplificativo, a verdade é que o mandamento do inciso I (quando não houver justa causa) poderia abarcar todas as demais situações legais.

Analisando os elementos de convicção ora apresentados, não identifico a ilegalidade na decisão que converteu a prisão em flagrante do paciente em preventiva.

Na hipótese, a decisão de lavra do douto Juiz de Direito, Dr. Felipe Peng Giora, encontra-se sobejamente motivada, em observância ao disposto no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, conforme se constata de sua transcrição, nestes termos:

[...]

B) Da conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva.

Da análise das circunstâncias do fato, verifico que a prisão preventiva do flagrado mostra-se adequada ao caso e necessária à garantia da ordem pública.

Tratando-se de medida excepcional de restrição à liberdade, a prisão cautelar somente deve ser decretada quando, presentes a prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria (fumus comissi delicti), o caso concreto revele a absoluta necessidade da medida (periculum libertatis), a ser aferida a partir das hipóteses taxativas previstas no art. 312 do Código de Processo Penal: (a) garantia da ordem pública ou econômica; (b) conveniência da instrução criminal; ou (c) para assegurar a aplicação da lei penal.

O delito noticiado enquadra-se na hipótese do art. 313, inc. I, do Código de Processo Penal, uma vez que se tratam de crimes dolosos cuja soma das penas ultrapassa os 04 (quatro) anos. O flagrado, ademais, é reincidente em crime doloso (CPP, art. 313, inc. II).

A materialidade do crime, como já referido, pode ser extraída do registro de Ocorrência Policial, Auto de Apreensão e depoimentos constantes do expediente. Os indícios suficientes de autoria, por sua vez, derivam da prisão em flagrante do conduzido em poder de dois carregadores 9mm e do relato policial - no sentido de ter sido visto ocultando a pistola Glock aparentemente modificada e outro carregador (ambos apreendidos).

Assim sendo, constatada a conduta aparentemente típica, ilícita e culpável e na ausência de evidência quanto à qualquer causa de exclusão da ilicitude ou culpabilidade, entendo presente o requisito do fumus comissi delicti.

O perigo de liberdade, por seu turno, decorre da periculosidade do agente, revelada através da gravidade concreta dos fatos, conclusão a que se chega a partir das seguintes circunstâncias: (a) o autuado foi visto ocultando em via pública uma pistola Glock, aparentemente modificada, contendo um carregador prolongado municiado, de modo que se encontrava pronta para a realização de disparos; (b) foi relatado que o autuado estaria realizando disparos de arma de fogo na via pública movimentada, colocando em risco eventuais transeuntes que estavam presentes naquele momento; e (c) além do material escondido, foi encontrado diretamente com o autuado dois carregadores, um deles municiados - tudo do mesmo calibre.

Cumpre ressaltar, ainda, o risco de reiteração criminosa, evidenciado a partir do extenso rol de antecedentes criminais do flagrado, que ostenta maus antecedentes pelo mesmo crime (porte/posse ilegal de arma de fogo com numeração suprimida - 014/2.04.0002548-0) e responde a várias outras ações penais com condenações pendentes de trânsito em julgado (receptação - 008/2.16.0003838-0; organização criminosa - 139/2.16.0000804-6; roubo majorado - 158/2.17.0000129-3 e 133/2.17.0000201-7).

Nessa senda, é pacífica a jurisprudência do STJ, no sentido de que ações penais em curso constituem elementos capazes de denotar o risco concreto de reiteração delituosa:

PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO. ATIPICIDADE, CAUSA EXTINTIVA DA PUNIBILIDADE OU AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA OU PROVA DA MATERIALIDADE DO DELITO. HIPÓTESES NÃO CONFIGURADAS. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. REITERAÇÃO DELITIVA. ONZE ANOTAÇÕES CRIMINAIS. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. O trancamento da ação penal por ausência de justa causa exige comprovação, de plano e inequívoca, da atipicidade da conduta, da ocorrência de causa de extinção da punibilidade, da ausência de lastro probatório mínimo de autoria ou de materialidade, o que não se verifica nos presentes autos. 2. Apresentada fundamentação concreta para a decretação da prisão preventiva, evidenciado na garantia da ordem pública e na aplicação da lei penal, haja vista o risco de reiteração delitiva, uma vez que possui em sua FAC 11 (onze) anotações, além do fato de que já teve sua prisão decretada pelo Juízo da 2a Vara Criminal de Bangu e encontra-se sendo citado por edital junto aos Juízos da 35a Vara Criminal e 29a Vara Criminal, ambas da Comarca da Capital (fl. 187), estando foragido também nesta ação penal. 3. Nos termos da orientação desta Corte, inquéritos policiais e processos penais em andamento, muito embora não possam exasperar a pena-base, a teor da Súmula 444/STJ, constituem elementos aptos a revelar o efetivo risco de reiteração delitiva, justificando a decretação ou a manutenção da prisão preventiva (RHC n. 68550/RN, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, DJe 31/3/2016). 4. Habeas corpus denegado. (HC 431.845/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 29/06/2018) (grifei).

Diante do quadro acima delineado, revelador da gravidade concreta dos crimes e do risco de reiteração criminosa, tem-se que a adoção de qualquer das medidas cautelares alternativas à prisão não seriam suficientes para impedir o flagrado de reiterar na conduta criminosa, devendo permanecer recolhido em estabelecimento prisional, a fim de garantir a ordem pública.

ISSO POSTO, na forma do art. 310, inc. II, do CPP: (a) HOMOLOGO o presente AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE, para que surta seus jurídicos e legais efeitos, e (b) CONVERTO a prisão em flagrante em PRISÃO PREVENTIVA, para a garantia da ordem pública, nos termos do art. 312, caput, ambos do Código de Processo Penal.

Informe-se ao BNMP.

Após o cumprimento das determinações, redistribua-se.

Os presentes ficaram cientes e intimados em audiência. Não foi colhida a assinatura dos demais participantes por se tratar de processo eletrônico e por haver registro audiovisual.

Registra-se, por fim, que o prazo recursal correrá na vara de destino, após a correspondente intimação das partes, no EPROC, acerca da realização da audiência e desta decisão.

Servirá esta, mediante cópia, como citação/intimação/OFÍCIO/MANDADO/carta precatória.

Nada mais.

Dessa forma, a decisão combatida visa a proteção da comunidade ordeira da reiteração criminosa, não se verificando qualquer violação ao princípio da presunção de...

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