Acórdão nº 52306439020228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 09-03-2023

Data de Julgamento09 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualHabeas Corpus
Número do processo52306439020228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003082843
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Habeas Corpus (Câmara) Nº 5230643-90.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATOR: Desembargador SYLVIO BAPTISTA NETO

PACIENTE/IMPETRANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

IMPETRADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

1. Impetrou-se habeas corpus em favor de João Batista Ferreira Sávio, preso preventivamente e acusado do cometimento de crime ligado ao tráfico de entorpecentes. Afirmou-se que não existiam motivos para a manutenção da prisão provisória do paciente, constituindo ela, manutenção, em ato ilegalmente constrangedor. Pediu-se a sua liberdade.

O pedido de liminar foi negado. A autoridade judicial apontada como coatora prestou informações. Em parecer escrito, o Procurador de Justiça opinou pela denegação da ordem.

VOTO

2. O texto que segue, justificando a manutenção da prisão preventiva para a garantia da ordem pública, estava mais ao final do meu voto.

Resolvi, para realçar a grave situação que passa o País, colocá-lo no início da minha fundamentação, tendo em vista, repetindo, a extrema gravidade que a sociedade brasileira sofre com a ocorrência da traficância.

Segundo a história, o pesquisador francês Yves Saint-Hilaire, já em 1800, espantado com a ação de formigas cortadeiras que destruíam árvores frondosas, além de arbustos, culturas, pastos e grama, disse na ocasião: Se o Brasil não acabar com a saúva, a saúva acaba com o Brasil.

E, diante da comoção social com quantidade e variedade de delitos cometidos pelos traficantes ou perpetrados em função da traficância, inclusive no Rio Grande do Sul, digo: Se o Brasil não acabar ou reduzir drasticamente o tráfico de entorpecentes, o tráfico de entorpecentes acaba com o Brasil.”

Prosseguindo, não é de hoje, insisto, que a atuação dos traficantes está causando um trauma na sociedade que se sente insegura pela ação daqueles.

Começo, afirmando que eles vendem a droga de forma indiscriminada. Não importa se o usuário é menor de idade, se é doente ou se tem ou não tem dinheiro para comprar droga. Neste último caso, a grande maioria dos usuários tem que praticar delitos, como roubos e furtos por exemplo, porque ou não tem renda ou a perdeu pelo vício. São poucos aqueles que podem comprar a droga com o dinheiro obtido de forma lícita.

E o referido acima fica ainda mais grave, porque eles, viciados, estão sujeitos à represália dos traficantes se têm dívidas a pagar. Chega-se, o que é muito comum, a matar o usuário-devedor.

Mas a insegurança maior vem da ação violenta e intimidadora dos traficantes. E é de saber comezinho que os “donos”, os “chefes”, os que comandam a venda da droga, não têm exércitos ou milícias, para atuarem nas situações já referidas. Eles usam os traficantes “menores”, os vendedores das drogas nas ruas, para esta atuação violenta e mortal.

São estas pessoas que agem com violência e ameaça em ações paralelas à traficância: seja para manter “o território de venda”, seja para conquistar novos “territórios”, seja para cobrar dívidas de usuários, seja para atemorizar vítimas e testemunhas de fatos delituosos ou moradores de uma comunidade etc.

A respeito, em várias oportunidades, só neste ano, o Jornal Zero Hora Digital chamou a atenção para a situação em que vivemos em razão dos fatos mencionados acima. Destaco duas:

A primeira para a notícia informando que, em pouco mais de um mês, vinte e quatro pessoas morreram (grifei) e um número maior de feridos em decorrência da "guerra" entre facções.

A segunda, meses depois, dizia, depois de apresentar a seguinte manchete, “O que está por trás do novo episódio da disputa entre facções na zona sul de Porto Alegre”.

“Entre os crimes investigados, está a execução de um morador de rua, a decapitação de um homem e uma tentativa de homicídio. (grifei)

“Uma semana após um crime despertar a atenção de Porto Alegre, quando uma cabeça foi abandonada numa calçada no bairro Santa Tereza, na Zona Sul, a polícia está convicta de que a execução tem como pano de fundo a mesma disputa entre dois grupos de criminosos, que em março levou aí aumento de homicídios. No entanto, outros fatores se somaram a esse conflito, resultando em novas mortes. Entre elas, a deste homem que teve a cabeça cortada e arremessado na rua dentro de um saco de lixo. (grifos meus)

“A disputa envolve a facção que atua na Vila Cruzeiro, mas se expandiu para áreas como a Vila Planetário e Vila dos Papeleiros, e outra que nasceu no Vale dos Sinos e se espalhou pelo Estado, tornando-se a maior fornecedora de drogas no RS. Em março, uma dívida de pelo menos R$ 600 mil teria sido o fator principal para os dois grupos começassem a se digladiar. No centro dessa disputa estava o domínio do tráfico na região próxima ao Pronto Atendimento Cruzeiro do Sul.

“Na verdade, esse conflito não é recente, mas ele tomou outros contornos de maior violência, maior deflagração, (grifei) E tudo vem ali de março, dessa suposta dívida entre essas facções, que começou a ser cobrada e aquela região entrou em disputa – explica o delegado Eibert, titular da Divisão de Homicídios de Porto Alegre da Polícia Civil.”

E mais outra do mesmo jornal:

Título: “Ataque a tiros deixa duas pessoas mortas e outras 23 feridas na zona sul de Porto Alegre.” Subtítulo: “Polícia investiga se a ocorrência tem ligação com disputa entre facções.” (grifei)

E o texto da reportagem:

Um ataque a tiros deixou duas pessoas mortas e pelo menos outras 23 feridas na noite desse domingo em um estabelecimento comercial na zona sul de Porto Alegre. (grifei) Conforme a Brigada Militar, indivíduos desceram de um carro atirando, por volta das 22h30min, em um bar na Rua Rio Grande, altura do número 119, no bairro Campo Novo.

“De acordo com o delegado Augusto, plantonista da Delegacia de Homicídios da Polícia Civil, o evento seria a comemoração de um ano do estabelecimento, com a presença de cerca de 80 pessoas. (grifei) Informações preliminares apuradas pela polícia indicam que os atiradores teriam feito três sequências de ataques no local, sendo que duas pessoas teriam revidado.

“Ainda segundo o delegado Zenon, a forma da ação indica para conflito entre facções. (grifei) O trabalho da perícia apontou que foram usadas armas como pistolas 9mm, 12mm e 380.

“...

“Durante o patrulhamento, dois homens foram presos após arremessarem um granada em um condomínio na zona central da Capital. A polícia investiga a ligação entre os dois casos.” (grifei)

E concluindo, porque as reportagens não terminam, cito uma para demonstrar o que afirmo no parágrafo que segue depois dela, notícia Diz:

“São 32 investigados – alvos de operação deflagrada nesta quinta-feira em cinco cidades da Região Metropolitana – que mantêm negociações diárias por drogas e armas, inclusive granadas. Além disso, selam acordos, anunciam guerra entre si e delimitam territórios, tudo visando basicamente o lucro próprio.

Enquanto isso, os integrantes do baixo escalão dos três grupos inimigos, segundo apuração da 1ª Delegacia do Departamento de Investigações do Narcotráfico (Denarc), continuam com as demonstrações de pode, causando mortes e deixando pessoas feridas, inclusive inocentes. Eles também levam medo às comunidades, forçando o comércio, escolas e postos de saúde a fecharem as portas.” (grifei)

E continuam as notícias sobre mortes de pessoas em razão da guerra entre os traficantes.

A informação do parágrafo acima e destaca por mim, vem ao encontro do que sempre afirmo nos votos e transcrevo: E aí pergunto: se os "chefes" não têm um exército específico para este tipo de ação, quem são aqueles que matam em seu nome? É evidente que são os traficantes menores, iguais àquele referido nos habeas corpus impetrados, como este.

Portanto, há gravidade muito concreta, real e assustadora na ação de pessoas como o paciente, justificando, desta forma, a detenção provisória decretada. Esta gravidade e o tipo de atividade criminosa, que pratica o acusado-indiciado, impendem, pela reiteração que ocorreria, de aplicar outras medidas cautelares que não à prisão.

3. Seguindo com o voto, já afirmo que estou denegando a ordem. E esta foi a decisão que decretou a prisão preventiva do paciente:

"No caso em comento, há prova de existência do crime (auto de apreensão de objetos) e indícios suficientes de autoria, consoante acima exposto, sendo encontrado em poder direto do flagrado expressiva quantidade de drogas, além de armas de fogo, balança de precisão, dinheiro e telefones celulares.

"A quantidade de droga apreendida é expressiva (83g de cocaína e 247g de maconha), o que afasta de plano a alegada destinação para consumo referida pela defesa. Além disso, apreendidas duas armas de fogo, uma delas encontrada na cintura do autuado, e outra no porta malas do veículo. (grifei)

"Ademais, houve a apreensão de petrechos...

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