Acórdão nº 52326574720228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 09-02-2023

Data de Julgamento09 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualCorreição Parcial
Número do processo52326574720228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003277990
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Correição Parcial Nº 5232657-47.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATOR: Desembargador JULIO CESAR FINGER

CORRIGENTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

CORRIGENTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

CORRIGIDO: SEGREDO DE JUSTIÇA

CORRIGIDO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de correição parcial interposta por CARLOS JAVIER e EZEQUIEL DINO, por meio do advogado Josoe Rocha Venites, contra decisão exarada pelo Juízo da Vara Criminal do Foro da Comarca de Soledade/RS, que estabeleceu caução como condição para restituição dos valores aprendidos nos autos.

Nas razões, em síntese, assevera que os corrigentes foram presos em flagrante pela prática, em tese do crime de porte ilegal de arma de fogo com a numeração suprimida e, na ocasião, tiveram apreendidos os valores de R$ 16.138,00 em poder de Ezequiel Dino, U$ 3.400 dólares e 270 Pesos Argentinos com Carlos Javier Handel. O juízo a quo deferiu a restituição dos valores, porém condicionou à prestação de caução real ou fidejussória. Refere que os corrigentes não possuem condições de prestar a caução, pois não possuem bens ou fiadores. Sendo assim, postula, liminarmente, sejam restituídos os valores com a dispensa da caução ou fiança. Ao final, o provimento integral da correição parcial, reformando-se a decisão que exigiu a caução ou fiança como condição para restituição dos valores apreendidos.

A liminar foi indeferida.

Efetuado pedido de reconsideração, foi negado.

A Procuradoria de Justiça lançou parecer, opinando pelo indeferimento da correição parcial.

É o relatório.

VOTO

No caso em apreço, entendo que a pretensão defensiva comporta deferimento.

Compulsando os autos da ação penal originária, verifica-se que Ezequiel Dino, Oscar Marques e Carlos Javier foram presos em flagrante em 04/04/2022, pela prática, em tese, do crime de porte irregular de arma de fogo com a numeração suprimida, ocasião em foram apreendidos, também, os valores de 3.400 dólares, 16.138 Reais e 270 pesos, em ocorrência assim lavrada:

Os flagrados receberam a liberdade provisória. Até o momento, não foi oferecida denúncia.

Houve pedido de restituição dos valores apreendidos, tendo sido deferido, porém com exigência de caução, real ou fidejussoria, nos seguintes termos:

"[...] Vistos etc.

1,- Com efeito. A demora na individualização formal de eventual imputação aos acusados exclui seja exarado veredito acerca da justa causa ou justo título para a manutenção da constrição dos valores que foram apreendidos pela autoridade policial na forma do CPP 6º II. Daí por que, na forma do CPC 6º ou CF 5º, LXXVIII, configura constrangimento ilegal por efeito de exigir-se a razoável duração da persecução penal e, de conseguinte , do "jus persequendi in judicio".

2,- A propósito, cumpre destacar-se, do ponto de vista dogmático e epistêmico, o seguinte. A mera imputação ou investigaão da prática de ilícito absoluto constitui frágil base empírica para a legitimidade, sob o postulado do estado constitucional de direito (CF 1º), cujo confisco de bens é proscrito por revestir-se de odiosa prática estatal arbitrária (CF 5º LIV e 150 IV), de eventual constrição de bens levada a efeito por ato administrativo de autoridade policial judiciária exarado em procedimento investigativo essencialmente inquisitorial.

3,- Não se prescinde, sob a perspectiva inafastável do processo penal democrático com o instrumento normativo de garantias processuais reservadas ao acusado enquanto titular de direitos plenamente oponíveis ao aparelho de polícia do Estado (STF, HC 188.888-MG), de convolação do "fumus boni juris" ou justa causa para a interdição do direito de propriedade (CF 5º XXII). A vedação constitucional ao confisco de bens a qualquer título exige, no tópico, base factual de altíssima cognição no sentido de o bem na posse de pessoa simplesmente acusada de ilicitude ser o seu produto ("fumus commissi delicti").

4,- O processo penal democrático constitui a salvaguarda do indivíduo frente a potestade do Estado-acusação. Neste sentido, convém trazer à baila as lições judiciosas daquele que, a meu ver, é o maior jurista vivo brasileiro, então decano e hoje aposentado da Suprema Corte, Min. Celso De Mello constante no voto referente ao HC 188.888-MG, in verbis:

“(..) O exame do sistema acusatório, no contexto do processo penal democrático, tal como instituído pela nossa Carta Política, permite nele identificar, em seu conteúdo material, alguns elementos essenciais à sua própria configuração, entre os quais destacam-se, sem prejuízo de outras prerrogativas fundamentais, os seguintes:

(a) separação entre as funções de investigar, de acusar e de julgar,

(b) monopólio constitucional do poder de agir outorgado ao Ministério Público em sede de infrações delituosas perseguíveis mediante ação penal de iniciativa pública,

(c) condição daquele que sofre persecução penal, em juízo ou fora dele, de sujeito de direitos e de titular de garantias plenamente oponíveis ao poder do Estado,

(d) direito à observância da paridade de armas, que impõe a necessária igualdade de tratamento entre o órgão da acusação estatal e aquele contra quem se promovem atos de persecução penal,

(e) direito de ser julgado por seu juiz natural, que deve ser imparcial e independente,

(f) impossibilidade, como regra geral, de atuação “ex officio” dos magistrados e Tribunais, especialmente em tema de privação e/ou de restrição da liberdade do investigado, acusado ou processado,

(g) direito de ser constitucionalmente presumido inocente,

(h) direito à observância do devido processo legal,

(i) direito ao contraditório e à plenitude de defesa,

(j) direito à publicidade do processo e dos atos processuais,

(k) direito de não ser investigado, acusado ou julgado com base em provas originariamente ilícitas ou afetadas pelo vício da ilicitude por derivação,

(l) direito de ser permanentemente assistido por Advogado, mesmo na fase pré -processual da investigação penal (Lei nº 8.906/94, art. 7º, XXI, na redação dada pela Lei nº 13.245/2016), e

(m) direito do réu ao conhecimento prévio e pormenorizado da acusação penal contra ele deduzida. Enfatize-se, nesse contexto, que a reforma introduzida pela Lei nº 13.964/2019 (“Lei Anticrime”) modificou a disciplina referente às medidas de índole cautelar, notadamente aquelas de caráter pessoal, estabelecendo um modelo mais consentâneo com as novas exigências definidas pelo moderno processo penal de perfil democrático e assim preservando, em consequência, de modo mais expressivo, as características essenciais inerentes à estrutura acusatória do processo penal brasileiro. perpetrados por agentes estatais no curso da “persecutio criminis”.

'É por isso que o tema da preservação e do reconhecimento dos direitos fundamentais daqueles que sofrem persecução penal por parte do Estado deve compor, por tratar-se de questão impregnada do mais alto relevo, a agenda permanente desta Corte Suprema, incumbida, por efeito de sua destinação institucional, de velar pela supremacia da Constituição e de zelar pelo respeito aos direitos básicos que encontram fundamento legitimador no próprio estatuto constitucional e nas leis da República.

'De outro lado, mostra-se relevante ter sempre presente a antiga advertência, que ainda guarda permanente atualidade, de JOÃO MENDES DE ALMEIDA JÚNIOR, ilustre Professor das Arcadas e eminente Juiz deste Supremo Tribunal Federal (“O Processo Criminal Brasileiro”, vol. I/10-14 e 212-222, 4ª ed., 1959, Freitas Bastos), no sentido de que a persecução penal, que se rege por estritos padrões normativos, traduz atividade necessariamente subordinada a limitações de ordem jurídica, tanto de natureza legal quanto de ordem constitucional, que restringem o poder do Estado, a significar, desse modo, tal como enfatiza aquele Mestre da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, que o processo penal só pode ser concebido – e assim deve ser visto – como instrumento de salvaguarda da liberdade jurídica do réu.

'É por essa razão que o processo penal condenatório não constitui nem pode converter-se em instrumento de arbítrio do Estado.

'Ao contrário, ele representa poderoso meio de contenção e de delimitação dos poderes de que dispõem os órgãos incumbidos da persecução penal.

'Não exagero ao ressaltar a decisiva importância do processo penal no contexto das liberdades públicas, pois – insista-se – o Estado, ao delinear um círculo de proteção em torno da pessoa do réu, faz do processo penal um instrumento destinado a inibir a opressão judicial e a neutralizar o abuso de poder perpetrado por agentes e autoridades estatais.

'Daí a corretíssima observação do eminente e saudoso Professor ROGÉRIO LAURIA TUCCI (“Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro”, p. 33/35, item n. 1.4, 2ª ed., 2004, RT), no sentido de que o processo penal há de ser analisado em sua precípua condição de ...

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