Acórdão nº 52333246720218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 27-04-2022

Data de Julgamento27 Abril 2022
ÓrgãoOitava Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Número do processo52333246720218217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002021596
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Execução Penal Nº 5233324-67.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Roubo majorado (art. 157, § 2º)

RELATORA: Desembargadora FABIANNE BRETON BAISCH

AGRAVANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ingressou com agravo em execução contra a decisão proferida pela MMª. Juíza de Direito da VEC da Comarca de Caxias do Sul/RS, que afastou as faltas graves imputadas ao reeducando SIDNEI DE JESUS MONTEIRO (fuga e cometimento de novo fato definido como crime doloso), sem a realização de audiência de justificação (evento 3 - OUTINSTPROC2: fls. 52/53).

Sustentou o agravante, em síntese, que a prática de novo delito no curso da execução caracteriza falta grave, independentemente do resultado do processo criminal, mostrando-se inadmissível o condicionamento do reconhecimento da falta à existência de sentença condenatória. Invocou a Súmula nº. 526 do STJ e colacionou precedentes jurisprudenciais. Da mesma forma, a conduta do preso que, estando em prisão domiciliar, não se apresenta para assinar o livro-ponto, permanecendo fora do sistema prisional sem qualquer fiscalização, caracteriza fuga, razão pela qual necessária sua apuração. Nessa moldura, é impositiva a designação de audiência de justificação, para apuração das faltas graves, antes da deliberação judicial sobre elas. Requereu o provimento do recurso, ao fim de desconstituir a decisão agravada, para que outra seja proferida, após a designação e realização de audiência de justificação (evento 3 - AGRAVO1).

A defesa contra-arrazoou o agravo pugnando pela manutenção da decisão vergastada (evento 3 - OUTINSTPROC2: fls. 94/107).

O decisum foi mantido pela magistrada singular (evento 3 - OUTINSTPROC2: fl. 116).

Remetidos os autos a esta Corte, o ilustre Procurador de Justiça, Dr. Fábio Costa Pereira, manifestou-se pelo provimento do agravo (evento 10).

Vieram conclusos.

É o relatório.

VOTO

Pelo que se depreende dos autos, o reeducando cumpre pena total de 14 anos e 5 meses de reclusão, e multa, tendo iniciado o cumprimento da reprimenda em 03.04.2014, segundo dados constantes do relatório da situação processual executória (evento 3 - OUTINSTPROC2: fls. 55/60).

Conforme se extrai do caderno recursal e da decisão atacada, o apenado encontrava-se cumprindo a reprimenda em regime semiaberto, em prisão domiciliar, quando, em 04.04.2017, deixou de comparecer para assinatura do livro-ponto, passando à condição de foragido, sendo recapturado em 14.07.2020, preso em flagrante pelo crime de furto qualificado majorado pelo repouso noturno, pelo qual está sendo processado (processo nº. 50189100320208210010 - autos físicos nº. 010/2.20.0005527-8), já recebida a denúncia.

Em 29.07.2021, a magistrada a quo, dispensando a realização de audiência de justificação, decidiu pelo não reconhecimento da prática de faltas graves (evento 3 - OUTINSTPROC2: fls. 52/53), com o que não se conforma o Ministério Público, buscando a desconstituição da decisão agravada, para que outra seja proferida, após a designação de audiência de justificação.

FALTAS GRAVES. FUGA. COMETIMENTO DE DELITO DOLOSO.

Não há dúvidas de que comete falta grave – fuga - o preso que, durante a execução da pena privativa de liberdade, após a concessão do benefício de prisão domiciliar, deixa de se apresentar para assinatura do livro-ponto, ficando em plena liberdade, sem qualquer vigilância, alheio ao cumprimento da pena à que condenado e desvinculado do sistema prisional, quando deveria estar à disposição.

Na espécie, segundo consta, o apenado ficou fora do controle estatal, no período de 04.04.2017 (data do não comparecimento para assinatura do livro-ponto) até ser recapturado em 14.07.2020, preso em flagrante pela prática, em tese, de crime doloso.

Tal conduta caracteriza a fuga, prevista no art. 50, II da LEP.

Da mesma forma, nos termos do art. 52 da LEP “A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave (...)”.

O simples cometimento de um delito doloso, pelo apenado, independentemente do resultado da ação penal a que venha a responder, caracteriza a falta grave, submetendo-o a todas as sanções judiciais cabíveis, como transferência para regime mais rigoroso, alteração da data-base e perda da remição, não havendo necessidade de trânsito em julgado de eventual sentença condenatória.

Também não configura ofensa ao princípio da presunção da inocência, insculpido no art. 5º, inciso LVII da CF, inaplicável em sede de execução penal, às finalidades pretendidas.

Esse o entendimento do E. Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal:

HABEAS COUS. PROCESSO PENAL E DIREITO PENAL. SUBSTITUTIVO DE RECURSO CONSTITUCIONAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. EXECUÇÃO PENAL. FALTA GRAVE. PRÁTICA DE NOVO CRIME. ART. 118, I, DA LEI 7.210/1984. REGRESSÃO DE REGIME. 1. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário. Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional. 2. O art. 118, I, da Lei 7.210/1984 prevê a regressão de regime se o apenado “praticar fato definido como crime doloso ou falta grave”. 3. Para caracterização do fato, não exige a lei o trânsito em julgado da condenação criminal em relação ao crime praticado. Precedentes. 4. Habeas corpus extinto sem resolução de mérito.” (HC 110881, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 20/11/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-154 DIVULG 07-08-2013 PUBLIC 08-08-2013)

De salientar que o E. STF, mais recentemente, reconheceu a repercussão geral no RE n. 776.823/RS, Tema 758 e, em decisão publicada em 08.01.2021, assim decidiu:

"O Tribunal, por unanimidade, apreciando o tema 758 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário para determinar ao Juízo de origem que dê início à apuração da prática de falta grave, com observância das diretrizes fixadas na seguinte tese: 'O reconhecimento de falta grave consistente na prática de fato definido como crime doloso no curso da execução penal dispensa o trânsito em julgado da condenação criminal no juízo do conhecimento, desde que a apuração do ilícito disciplinar ocorra com observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, podendo a instrução em sede executiva ser suprida por sentença criminal condenatória que verse sobre a materialidade, a autoria e as circunstâncias do crime correspondente à falta grave', nos termos do voto do Relator."

Logo, a Suprema Corte manteve o entendimento da desnecessidade do trânsito em julgado da sentença condenatória para o reconhecimento de falta grave em sede de execução penal.

E o E. STJ inclusive cristalizou o mesmo entendimento, através da Súmula 526: “O reconhecimento de falta grave decorrente do cometimento de fato definido como crime doloso no cumprimento da pena prescinde do trânsito em julgado de sentença penal condenatória no processo penal instaurado para apuração do fato.”

Como visto, à possibilidade de reconhecimento da falta não se exige prolação de sentença condenatória, nem o trânsito em julgado dela, muito menos está atrelada à prisão cautelar do processo originado.

Pois bem.

Tais infrações antes destacadas remetem à aplicação do art. 118, I da LEP, que sujeita o infrator à regressão do regime de cumprimento da pena, bem assim à alteração da data-base para benefícios (art. 112 da LEP e Súmula nº 534 do E. STJ) e à perda do tempo remido (art. 127 da LEP).

No entanto, o comando legal contido no § 2° do artigo 118 do diploma citado exige que o segregado seja ouvido previamente na hipótese prevista no inciso I, ou seja, prática de falta grave, ou de fato definido como crime doloso, que é o caso dos autos.

E a imprescindibilidade da audiência prévia do reeducando decorre não só da interpretação literal da lei, que assim o preceitua, como medida indispensável, mas, alargando o espectro da dicção da norma, releva o aspecto teleológico dela, também de natureza pedagógica, a atender a finalidade precípua do sistema penal de recuperação e ressocialização do condenado, indicando esta necessidade, especialmente, em cumprimento às garantias constitucionais.

E o processamento da questão trazida nesta sede, como visto, demonstra o descumprimento daquele preceito.

Sendo assim, imperativa a designação e realização de audiência de justificação prevista na LEP, para que o preso apresente suas razões para os atos de indisciplina, no caso, a fuga e o cometimento de novo fato definido como...

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