Acórdão nº 52342201320218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 03-02-2022

Data de Julgamento03 Fevereiro 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualHabeas Corpus
Número do processo52342201320218217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001546414
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Habeas Corpus (Câmara) Nº 5234220-13.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Feminicídio (art. 121, §2º, VI e §2º-A)

RELATORA: Desembargadora GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA

PACIENTE/IMPETRANTE: JOSE ADRIANO CIZENANDE DOS SANTOS

ADVOGADO: CRISTIANO VIEIRA HEERDT (DPE)

IMPETRADO: JUÍZO DA VARA DO JÚRI E DE PRECATÓRIAS DOS PROCESSOS DO JÚRI DA COMARCA DE NOVO HAMBURGO

RELATÓRIO

A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL impetrou a presente ordem de habeas corpus em favor de JOSE ADRIANO CIZENANDE DOS SANTOS, apontando como autoridade coatora o JUÍZO DA VARA DO JÚRI E DE PRECATÓRIAS DOS PROCESSOS DO JÚRI DA COMARCA DE NOVO HAMBURGO.

Relatou a impetrante, em apertada síntese, que o paciente se encontra preso preventivamente desde 22.04.2021, pela suposta prática do delito de feminicídio.

Sustentou que o paciente está sofrendo constrangimento ilegal ante o excesso de prazo à formação da culpa. Destacou que foi designada audiência de instrução e julgamento para fevereiro de 2022, quando o paciente se encontrará segregado há aproximadamente 10 meses.

Defendeu se tratar de processo de baixa complexidade, com um só acusado e de fato único, de forma que se mostra desarrazoado o tempo transcorrido sem que findada a instrução criminal.

Alegou que a decisão segregatória carece de fundamentação, uma vez que ausentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva, quais sejam, o fumus comissi delicti e o periculum libertatis.

Asseverou que o paciente não oferece qualquer risco à ordem pública, salientando se tratar de imputação por crime passional, envolvendo somente a vítima e o réu.

Ressaltou que a prisão preventiva não pode configurar cumprimento antecipado de eventual condenação, sob pena de violação ao princípio da presunção de inocência.

Salientou se tratar de paciente primário, sendo cabível a substituição da prisão preventiva por uma ou mais das medidas cautelares diversas elencadas no artigo 319 do CPP.

Teceu considerações acerca da pandemia do novo coronavírus e da Recomendação n. º 62 do CNJ.

Requereu, liminarmente, a concessão de liberdade ao paciente, sem ou com a aplicação de medidas cautelares diversas, e, no mérito, a concessão definitiva da ordem.

O pedido liminar foi indeferido (evento 6, DESPADEC1).

O Ministério Público ofertou parecer através do douto Procurador de Justiça, Dr. Airton Zanatta, pela denegação da ordem (evento 17, PARECER1).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Desembargadores:

Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de paciente preso preventivamente pela suposta prática do delito de feminicídio.

Como se sabe, o habeas corpus é garantia constitucional fundamental (art. 5º, LXVIII, CF1), com previsão, também, no Código de Processo Penal no artigo 6472 e seguintes.

Tem por finalidade evitar ou fazer cessar a violência ou a restrição da liberdade de locomoção decorrente de ilegalidade ou abuso de poder, mediante ação autônoma, denominada, conforme a melhor doutrina, de ação constitucional.

O artigo 6483 do Código de Processo Penal, arrola as hipóteses em que o writ será passível de concessão. Em que pese a discussão doutrinária a respeito de ser esse rol taxativo ou exemplificativo, a verdade é que o mandamento do inciso I (quando não houver justa causa) poderia abarcar todas as demais situações legais.

Na hipótese em epígrafe, concluo pela denegação da ordem.

Com efeito, a decisão combatida restou assim redigida:

Vistos

A autoridade policial representou pela prisão preventiva do investigado José Adriano Cizenande dos Santos, suspeito de ter atentado contra a vida de VALÉRIA MACHADO (irmã de sua companheira), em 11 de abril de 2021, por volta das 23h30, na Rua dos Professores nº 18, Bairro Canudos nesta cidade, mediante golpes de arma branca (facão).

O Ministério Público manifestou-se favoravelmente ao deferimento da medida.

É o relatório. Decido.

A prática delitiva de homicídio descrita na representação foi comprovada pela ocorrência policial, pelos depoimentos das testemunhas, bem como pelos laudos medicos e do IML, que apontam a ocorrência e o suspeito como sendo o autor do fato.

Do Inquérito Policial, conclui-se que o réu José Adriano, irresignado com a atitude da ofendida, a qual derrubou o muro de sua casa após brigar com seu companheiro (Antoninho), foi atrás da cunhada com um "facão" e lhe desferiu golpes, causando-lhe graves ferimentos que a levaram a óbito.

Segundo relatos, o suspeito e a vítima, com seus respectivos companheiros, estavam reunidos na casa de José Adriano, ingerindo bebida alcólica, quando a ofendida e Antoninho começaram a brigar, oportunidade em que Valéria teria ido para o pátio e derrubado o muro da residência do suspeito, o qual, por não aceitar o dado ocorrido em sua propriedade, pegou um "facão" e foi atrás da ofendida, lhe golpeando e voltado para a casa, sem prestar socorro ou preocupado com o que poderia ocorrer.

Além disso, conforme referido pela filha da vítima, ao ser indagado o porque de ter agredido sua mãe, ele confirmou o que teria feito e que se fosse preciso, faria novamente quando ela saísse do hospital. Desta feita, os fatos narrados possuem natureza gravíssima e ganham especial relevância diante dos elementos colhidos até o presente momento, visto o descontrole do suspeito por motivo frívolo, agindo de maneira a acabar com uma vida, demonstra que, acaso solto, pode fazer outras vítimas e colocar em risco a sociedade, inclusive as testemunhas do fato, visto o desrespeito com a vida alheia e a periculosidade apresentada.

Outrossim, não foge aos olhos do Poder Judiciário que conforme se depreende dos próprios autos, é possível verificar que o José Adriano possui outras passagens pelo crime (furtos), demonstrando que possui inclinação para a prática delitiva.

A prisão preventiva deve ser decretada, então, para assegurar a ordem pública e a instrução criminal, pelo que DECRETO a prisão preventiva de JOSE ADRIANO CIZENANDE DOS SANTOS.

Expeçam-se mandados de prisão, com validade para 22/04/2041.

Tramitação em segredo de justiça, até a efetivação da medida.

D.L.

Como se pode verificar, decisão segregatória do paciente, de lavra da Dra. Angela Roberta Paps Dumerque, Juíza de Direito, encontra-se devidamente motivada, em observância ao disposto no artigo 93, inciso IX, da CF/88, razão pela qual não há falar em ausência de fundamentação.

E, no caso, tenho que se encontram presentes os requisitos do artigo 312 do CPP, para a decretação da prisão cautelar, quais sejam, o fumus comissi delicti e o periculum libertatis.

Conforme se extrai da análise dos documentos presentes nos autos da ação penal de origem e dos processos relacionados, o paciente supostamente matou a vítima por motivo fútil, mediante recurso que dificultou sua defesa e com menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Na hipótese, consta que a vítima, cunhada do paciente, juntamente com seu companheiro, encontravam-se na residência do paciente José Adriano, quando, em certo momento, a vítima e seu companheiro passaram a discutir, tendo a vítima supostamente o agredido.

Em sequência, a vítima teria ido ao pátio da residência do paciente, de onde teria arremessado duas pedras contra seu companheiro.

Ato contínuo, a ofendida teria derrubado o muro do imóvel, momento em que o paciente teria ido em sua direção em posse de um facão e desferiu diversos golpes contra ela, atingido-a nos braços, punhos e na face.

Diante de tais fatos, foi acionado o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), que deslocou a vítima até estabelecimento hospitalar, onde esta permaneceu em coma até o momento em que foi a óbito.

Há de ser ressaltado o teor das declarações prestadas pela companheira do ora paciente, que também estava no local dos fatos, que informou que ao indagar o acusado, este teria dito que "somente deu um susto" na vítima. Após a comunicação de que a ofendida estava em coma, a companheira do acusado o teria expulsado de casa.

A filha da vítima, por sua vez, informou que ao indagar o acusado acerca do motivo pelo qual teria agredido sua mãe, este teria afirmado que "bateu nela e que bateria de novo caso ela saísse (do hospital)".

Desta feita, o relato dos fatos, por si só, já se presta a evidenciar a necessidade de manutenção da custódia cautelar a fim de garantir a ordem pública e a conveniência da instrução criminal.

Com efeito, o modus operandi aplicado pelo paciente, que demonstrou extrema frieza ao supostamente desferir golpes de facão contra pessoa de seu seio familiar, por motivo deveras fútil, evidencia, a priori, seu descontrole emocional e o risco concreto que seu estado de liberdade oferece.

Não obstante, entendo que em liberdade o paciente apresenta claro potencial de inibir a efetiva colaboração das testemunhas dos fatos com o processo. Ora, se motivado por danos patrimoniais, o paciente supostamente ceifou a vida da vítima, quem dirá o que poderá fazer no intuito de ver-se livre de eventual condenação criminal.

Portanto, tenho por preenchidos os requisitos expressos nos artigos 312 e 313, ambos do Código de Processo Penal. Logo, perfeitamente cabível e justificada a necessidade da prisão preventiva do paciente como forma de acautelar a ordem pública e a conveniência da instrução criminal.

Impende ressaltar que a prisão preventiva não implica em ofensa ao princípio constitucional da presunção de não culpabilidade, porque possui natureza cautelar e foi recepcionada pela Constituição Federal, como observa artigo 5º, incisos LXI e LXVI, tampouco configurando...

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