Acórdão nº 52372392720218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 03-02-2022

Data de Julgamento03 Fevereiro 2022
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualHabeas Corpus
Número do processo52372392720218217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001559209
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Habeas Corpus (Câmara) Nº 5237239-27.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes da Lei de licitações(Lei 8.666/93)

RELATOR: Desembargador ROGERIO GESTA LEAL

PACIENTE/IMPETRANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

IMPETRADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus impetrado por procurador constituído, em favor de Ronaldo Pinheiro Prates, apontada como autoridade coatora o Juízo da 5ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca de Porto Alegre/RS.

O impetrante refere que o paciente responde ação penal pela suposta prática de associação criminosa, falsidade ideológica e fraude ao caráter competitivo de procedimento licitatório. Que, na origem, foi apresentada exceção de incompetência porque um dos corréus, que contribuiu para o crime de associação criminosa, é funcionário público federal por equiparação, por ser dono de lotérica. Que a exceção, no entanto, foi julgada improcedente. Defende, assim, a incompetência absoluta da Justiça Estadual para processar e julgar o feito. Pugna, ao fim, pela concessão da ordem de habeas corpus para o efeito de declarar a incompetência absoluta do Juízo da 5ª Vara Criminal de Porto Alegre, com a determinação de declinação do processo para Justiça Federal competente (subseção judiciária de Porto Alegre/RS), anulando-se ainda todos os atos praticados pelo juízo incompetente. Alternativamente, seja concedida a ordem para determinar a admissão, o recebimento e posterior processamento da apelação manejada contra a exceção de incompetência.

Sobreveio parecer da Procuradoria de Justiça, de lavra da Dra. Ana Lúcia Cardozo da Silva, opinando pela denegação da ordem (ev. 10).

VOTO

O presente habeas corpus foi impetrado para o efeito de definição da competência - Estadual ou Federal - para apreciação e julgamento da Ação Penal nº 50621694120218210001, após a exceção de incompetência interposta em favor do paciente ter sido julgada improcedente.

Como bem destacado na inicial, adoto o entendimento de que o habeas corpus é via adequada para impugnar decisões que rejeitam exceções de incompetência, tendo em vista não possuírem força de definitiva, admitindo revisão a qualquer tempo, bem assim por inexistir recurso específico para tanto1.

Feitas tais considerações iniciais, passo à análise do mérito.

O paciente Ronaldo Pinheiro Prates e outros réus foram denunciados pela suposta prática dos delitos de associação criminosa, fraude ao caráter competitivo de procedimento licitatório e falsidade ideológica, fatos apurados no bojo da operação "Union". A ação penal encontra-se tramitando perante o Juízo da 5ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca de Porto Alegre/RS.

Em seguimento, a parte apresentou exceção de incompetência de Juízo, tombada sob o nº 51081664720218210001, sustentando que um dos corréus, Fideles Brock Netto, envolvido no delito de associação criminosa, detém condição de funcionário público federal por equiparação, em razão de ser dono de lotérica - circunstância que, ao entender da defesa, atrairia a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito.

A exceção, contudo, foi julgada improcedente, por entender o Juízo, em suma, pela inexistência de indícios mínimos de que os delitos apontados tenham atingido o interesse da União, consoante exigência do art. 109, inc. IV, da CF. A decisão foi assim fundamentada (ev. 9 - grifos originais):

Na ação penal n° 50621694120218210001, o órgão ministerial ofereceu denúncia imputando aos acusados, dentre eles o ora excipiente e o corréu FIDELES BROCK NETTO, o cometimento dos delitos de associação criminosa, fraude ao caráter competitivo de procedimento licitatório e falsidade ideológica (processo 5062169-41.2021.8.21.0001/RS, evento 1, DOC1).

Embora FIDELES seja proprietário de agência lotérica, não há qualquer indicação de que os delitos a ele imputados tenham atingido bens ou interesse da Caixa Econômica Federal e, portanto, da União, única hipótese em que sua condição de proprietário da lotérica teria relevância para o deslocamento da competência para a Justiça Federal, nos termos do artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal.

Segundo o que consta, o acusado, em tese, utilizaria a lotérica para a realização de movimentações financeiras para outros integrantes da suposta associação criminosa, situação que não afeta o patrimônio da União, a qual não possui interesse no deslinde do feito.

Nesse sentido:

HABEAS COUS. CONCUSSÃO. PACIENTE QUE É SERVIDOR DE EX-TERRITÓRIO (AMAPÁ). COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO A BENS, PATRIMÔNIOS E INTERESSES DA UNIÃO. 1. Ainda que se reconheça a qualidade de funcionário público federal, tal circunstância, por si só, não conduz à competência da Justiça Federal para o julgamento do feito. Isso porque não há, no caso, ofensa a bens, patrimônios ou interesses da União, a não ser de modo reflexo. 2. "A 3ª Seção desta Corte reafirmou o posicionamento pela competência da Justiça Estadual para a apuração dos delitos de concussão, entendendo, em síntese, que não se cuida de crime afeto à Justiça Federal, porquanto o delito objeto da investigação envolve obtenção de vantagem indevida por parte do agente, em prejuízo do respectivo paciente, sem nenhuma violação aos interesses da Autarquia Previdenciária." (Conflito de Competência nº 26.424/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, DJ de 26.8.02). 3. Na hipótese, o paciente é acusado de, juntamente com outro policial civil, ter exigido de particular vantagem indevida a fim de que não o prendesse por usar carteira de habilitação falsificada. Ordem denegada. (HC 41.985/AP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 22/09/2009, DJe 13/10/2009). (grifei)

AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL. CRIME DE ROUBO EM ESTABELECIMENTO CREDENCIADO COMO CORRESPONDENTE BANCÁRIO. EMPRESA PRIVADA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA A BENS, SERVIÇOS OU INTERESSES DA UNIÃO, DE SUAS AUTARQUIAS OU EMPRESAS PÚBLICAS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. No caso, trata-se de roubo praticado contra empresa privada permissionária de serviços bancários da Caixa Econômica Federal. Em se tratando de empresa privada permissionária de serviços bancários da CEF, como é o exemplo de casas lotéricas, juridicamente análogo à presente hipótese, é assente o entendimento de que a simples existência de contrato de permissão dos serviços não pressupõe a lesão a bens, serviços ou interesses da empresa pública, diante de roubo perpetrado contra o particular contratante (CC 120.634/PB, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (Desembargador convocado do TJ/RS, DJe 21/03/2012). Agravo regimental desprovido. (AgRg no CC 137.550/SP, Rel. Ministro ERICSON MARANHO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/04/2015, DJe 15/04/2015). (grifei)

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. FALSIFICAÇÃO DE GUIA DE RECOLHIMENTO DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO DIRETO À CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF. LESÃO MERAMENTE...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT