Acórdão nº 52397023920218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Cível, 23-06-2022

Data de Julgamento23 Junho 2022
ÓrgãoTerceira Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo52397023920218217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002247028
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5239702-39.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Poluição

RELATOR: Desembargador EDUARDO DELGADO

AGRAVANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

AGRAVADO: ANTONIO IGLECIAS MATTOS

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL contra decisão (evento 3, DESPADEC1), proferida nos autos da presente ação civil pública, ajuizada em face de ANTONIO IGLECIAS MATTOS.

Os termos da decisão hostilizada:

"(...)

Vistos.

Trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público em face de Antonio Iglecias Mattos, tendo em vista a instauração de inquérito civil que apurou a prática de maus tratos a animais.

Segundo o relato, policiais militares integrantes da PATRAM, acompanhados de médicas veterinárias, foram até a propriedade do requerido, ocasião em que foi constatada a situação de maus-tratos a cães, pois havia 79 (setenta e nove) animais, sendo que vários deles estavam em condições inadequadas de higiene e saúde, razão pela qual o requerido foi autuado em flagrante pelo crime de maus tratos a animais.

Ainda, de acordo com o parquet, dos 79 animais apreendidos, 05 foram encaminhados para o Hospital Escola, e 09 foram doados para a ONG Alma de Galgo, no entanto, apesar de já ter sida determinada a doação dos animais nos autos do IP n.º 5000213-75.2021.8.21.0081, até o presente momento não foi possível realizar o transporte dos animais, visto que nem a PATRAM e tampouco a Secretaria Municipal de Meio Ambiente dispõem de meio de transporte para o grande número de animais.

Assim, em sede de tutela de urgência, requereu o Ministério Público:

a) seja o demandado proibido de receber, adotar, adquirir outros animais, até que seja comprovada a construção de instalações adequadas, de acordo com parecer emitido por profissional habilitado;

b) seja determinado o efetivo transporte dos animais da raça Greyhound, popularmente conhecidos como “galgo”, que ainda se encontram com o demandado, já apreendidos e destinados no feito criminal correlato, às suas custas, para a ONG “Alma de Galgo”; e

c) seja determinada a proibição de manter criadouro irregular de cães, sem registro nos órgãos competentes e sem supervisão profissional de médico veterinário;

É o relato.

Decido.

A Constituição Federal assegura o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado no seu artigo 225, e, mais especificamente, no § 1º, inciso VII, deste dispositivo, é assegurada a proteção à fauna e à flora, verbis:

"§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

[...]

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade".

Além disso, o artigo 32, §1º-A da Lei nº 9.605/98, recentemente incluído pela Lei nº 14.064/2020, a "Lei Sansão", qualifica especialmente o crime de maus tratos a cães, nos seguintes termos:

"Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda".

No caso concreto, o réu foi preso em flagrante pela prática do suposto delito, de modo que presentes os requisitos do art. 300 do CPC, mormente porque continua na posse dos animais.

Assim, DEFIRO a tutela de urgência ao efeito de DETERMINAR ao réu que se abstenha de receber, adotar, adquirir outros animais, até que seja comprovada a construção de instalações adequadas, de acordo com parecer previamente emitido por profissional habilitado, sob pena de multa no valor de R$1.000,00 por ocasião de descumprimento; e se abstenha de manter criadouro irregular de cães, sem registro nos órgãos competentes e sem supervisão profissional de médico veterinário; sob pena de multa no valor de R$1.000,00, por ocasião de descumprimento.

Ainda, autorizo o transporte dos animais que ainda se encontram com o demandado para a ONG “Alma de Galgo”, o que deverá ser providenciado pelo Ministério Público, que poderá pleitear o ressarcimento de eventuais despesas do requerido.

Cite-se e intime-se.

Intime-se o MP.

Com a resposta, abra-se vista ao Ministério Público.

Diligências legais.

(...)"

Nas razões, o agravante sustenta a falta de responsabilidade do Ministério Público para o cumprimento da decisão agravada, notadamente o transporte para a ONG Alma de Galgo, dos animais aparentemente submetidos aos maus-tratos, tendo em vista a ausência de previsão orçamentária e recursos para tal custeio; bem como a obrigação do recorrido.

Requer a reforma da decisão hostilizada, para fins da atribuição responsabilidade do transporte dos animais ao agravado.

Frustrada a intimação do agravado por Correio e mandado judicial -evento 10, AR1 evento 23, CARTDEVOL1-; e, decretada a revelia no evento 23 da origem; o despacho no sentido da contagem do prazo para contrarrazões, a contar da publicação do ato no órgão oficial - evento 25, DESPADEC1.

Nesta sede, o parecer do Ministério Público, da lavra do i. Procurador de Justiça, Dr. Ricardo Alberton do Amaral, no sentido do provimento do recurso (evento 29, PARECER1).

Os autos vieram conclusos.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Desembargadores.

A matéria devolvida reside na falta de responsabilidade do Ministério Público para o cumprimento da decisão agravada, notadamente o transporte dos animais para a ONG Alma de Galgo, aparentemente submetidos aos maus tratos, tendo em vista a ausência de previsão orçamentária para tal custeio; bem como na obrigação do agravado.

No mérito, para a concessão da tutela de urgência, os pressupostos da probabilidade do direito e do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo – arts. 300 do CPC de 2015, e 12 da Lei Federal nº 7.347/19851.

No ponto, a lição de Joel Dias Figueira Junior, em referência à Piero Calamandrei2:

“(...)

Nada obstante, PIERO CALAMANDREI, preocupado com a questão da verdade e verossimilhança no processo civil, foi incisivo ao advertir, em estudo assim intitulado: “Todo o sistema probatório civil é preordenação não apenas a consentir, mas também a impor ao juiz de contentar-se, ao julgar os fatos, com o substitutivo da verdade, que é a verossimilhança. Ao juiz não é permitido, como inversamente acontece com o historiador, ficar na incerteza a respeito dos fatos a decidir; ele deve a qualquer custo (esta é a sua função) resolver a controvérsia com base em alguma certeza jurídica. Para obter-se esse resultado, ele é constrito com extrema ratio a contentar-se com aquela que alguns denominam de verdade formal, obtida com o artifício das provas legais ou com o mecanismo automático da repartição do ônus da prova. Mas também quando, no sistema das provas livres, parece que a liberdade de apreciação seja o melhor e adequado instrumento para o conseguimento da chamada verdade substancial, a valoração porquanto livre traduz em cada caso um juízo de probabilidade e de verossimilhança, não de verdade absoluta.

(...)”.

(grifei)

De igual forma, José Joaquim Calmon de Passos3:

“(...)

Prova inequívoca, destarte, é prova capaz de legitimar a conclusão. É prova inequívoca a certeza, como a dúvida, como a probabilidade. O inequívoco vincula-se ao convencimento do magistrado, que deve estar seguro (e nisso a inequivocidade) de que a prova dos autos lhe permite afirmar a certeza, a dúvida ou a probabilidade dos fatos que elege para sua decisão.

(...)

Assim, entendemos que prova inequívoca é aquela que possibilita uma fundamentação convincente do magistrado. Ela será convincente porque apoiada em prova inequívoca, isto é, prova que não permite equívoco, engano, dúvida razoável, segundo demonstrado na fundamentação do julgado.

(...)”.

(grifei)

E a jurisprudência deste TJRS:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MUNICÍPIO DE RIO GRANDE. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E URBANÍSTICA. LEI 13.465/17 – REURB. REQUERIMENTO DE INSTAURAÇÃO PELA DEFENSORIA PÚBLICA. EFICÁCIA PARALISANTE. REQUISITOS DA TUTELA DE URGÊNCIA PREENCHIDOS. 1. A teor do artigo 300 do CPC em vigor, a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. 2. Incumbe ao Município promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (artigos 30, VIII, e 182 da Constituição Federal). 3. O art. 32, §único, da Lei nº 13.465/2017 impõe ao Município o dever de, indeferido o requerimento de REURB por um dos legitimados, indicar, na sua decisão, as medidas a serem adotadas, com vistas à reformulação e à reavaliação do requerimento. 4. A resposta do Município no Ofício nº 067/2021, em resposta ao requerimento da Defensoria Pública de instauração do procedimento de REURB-S, objeto da presente ação, além de não deduzir a motivação do ato, traz dúvida inclusive quanto à configuração da negativa alegada pelo Município agravante, constituindo-se praticamente uma confissão de sua inércia, sequer tangenciando o dever de informar as medidas a serem adotadas pelo legitimado para reformulação e reavaliação do requerimento. 5. A situação atrai a incidência da eficácia paralisante do art. 31, §8º, da Lei nº...

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