Acórdão nº 52420477520218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 27-01-2022

Data de Julgamento27 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualHabeas Corpus
Número do processo52420477520218217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001540765
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Habeas Corpus (Câmara) Nº 5242047-75.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Associação para a produção e tráfico e condutas afins (Lei 11.343/06, art. 35)

RELATOR: Desembargador HONORIO GONCALVES DA SILVA NETO

PACIENTE/IMPETRANTE: MAURÍCIO CARVALHO PRESTES

IMPETRADO: JUÍZO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE SANTIAGO

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em prol de MAURÍCIO CARVALHO PRESTES, preso preventivamente, acusado da prática dos delitos de tráfico de drogas e associação para o tráfico.

Preliminarmente, alega nulidades em virtude de violação de domicílio e de ausência de audiência de custódia. Alega, em síntese, constrangimento ilegal em decorrência da ausência dos requisitos da prisão preventiva. Refere que a decisão que decretou a medida não trouxe fundamento concreto apto a justificar-lhe a necessidade. Menciona condições pessoais favoráveis do paciente, apontando ser primário e ostentar residência fixa e trabalho lícito. Sustenta a possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas. Ao final, requer a concessão da ordem para que seja o paciente posto em liberdade.

Indeferida a liminar e dispensadas as informações, manifestou-se o Ministério Público pela denegação da ordem.

VOTO

Vê-se suscitar o impetrante, por primeiro, a nulidade da prisão ao argumento da não realização de audiência de custódia.

Ocorre que a prisão preventiva constitui título executivo autônomo, cujos fundamentos e requisitos de validade não incluem a prévia realização daquele ato, vinculados, por força de lei, ao que dispõem os arts. 312 e 313 do Código de Processo Penal (STJ; HC 598.525/BA)1, de modo que a conversão do flagrante em prisão preventiva torna superada a alegação de nulidade relativamente à falta de audiência de custódia (STJ; RHC 117.991/RS)2.

De salientar que tal orientação foi recentemente positivada pela Lei n.º 13.964/2019, que alterou o artigo 310 do Código de Processo Penal, para fazer constar, no § 4º, que a não realização de audiência de custódia não prejudica “a possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva”3.

Nesse sentido, confira-se trecho do voto condutor do HC 605.317/SC, de Relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, julgado no dia 19 de setembro de 2020:

Quanto à alegação de ilegalidade pela não realização de audiência de custódia, não se ignora que a alteração promovida pela Lei nº 13.964/19 ao art. 310 do Código de Processo Penal fixou o prazo máximo de 24 horas da prisão para a realização da formalidade, sob pena de tornar a segregação ilegal. Entretanto, a nova redação do § 4º do referido artigo ressalva a possibilidade de que, constatada a ilegalidade da custódia, seja imediatamente decretada nova prisão.

A previsão legal converge, portanto, em termos práticos, com o entendimento jurisprudencial pacífico nesta Corte, no sentido de que "a conversão do flagrante em prisão preventiva torna superada a alegação de nulidade relativamente à falta de audiência de custódia" (RHC 117.991/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019).

Ademais, convém atentar que a norma foi suspensa por decisão liminar proferida pelo Exmo. Min. Luiz Fux ,nos autos da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.305, do Distrito Federal, prevalecendo, portanto, por ora, entendimento jurisprudencial estabelecido.

Afigura-se evidente, pois, que a ausência de audiência de custódia constitui irregularidade que não tem o efeito de afastar a prisão preventiva imposta (STF; HC 1608.65/RS)4.

Registro, por segundo, que a prisão processual não produz afronta ao regramento constitucional - onde encontra recepção -, tampouco constitui cumprimento antecipado de pena, porquanto guarda estrita relação com a cautelar necessidade de recolhimento do agente, como forma de garantir a ordem pública, viabilizar o regular desenvolvimento do processo ou assegurar cumprimento de eventual condenação. E não traz qualquer ofensa ao princípio da presunção da inocência, mormente ante o disposto no art. 312 do Código de Processo Penal cuja essência - proteção da sociedade – constitui objetivo preponderante no Estado Democrático.

E a questão atinente ao envolvimento - ou não - do paciente com os crimes que lhe foram imputados, ventilada pelo impetrante, não é passível de exame na via estreita do habeas corpus, de sumária cognição, merecendo registro o fato de que não se colhe das peças acostadas ao writ, em um juízo a priori, elementos que indiquem serem falsas as declarações dos agentes policiais - depoimentos esses que, diversamente do sustentando, não são idênticos, embora com referências comuns. E não poderia ser diferente, pois descrevem os mesmos fatos, e logo depois de ocorridos.

Outrossim, despropositada a alegação de ausência de materialidade da infração, porquanto a regra posta no artigo 50, §1º, da Lei nº 11.343/06 é taxativa ao afirmar que "para efeito da lavratura do auto de prisão em flagrante e estabelecimento da materialidade do delito, é suficiente o laudo de constatação da natureza e quantidade da droga, firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa idônea".

E tendo sido o laudo preliminar firmado por pessoas identificadas na nomeação e no termo de compromisso5, impunha-se a comprovação da inidoneidade daquelas que procederam ao exame, do que não se ocupou a defesa.

Mais, o exame questionado destina-se, tão somente, à constatação da natureza da substância, reservando-se o exame da eficácia da droga para a produção dos efeitos que lhe são característicos ao laudo pericial definitivo.

Por outro turno, tendo em seu poder o paciente a substância entorpecente, como delito de que trata o art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, é de natureza permanente, encontrava-se, sim, presente a situação de flagrância, com o que a ação policial não demandava prévia obtenção de mandado de busca, estando autorizados os agentes ao ingresso na residência, sem autorização do morador.

Nesse sentido, recente manifestação do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. NULIDADE DA PROVA. INOCORRÊNCIA. CRIME PERMANENTE (ART. 303, CPP). ALEGAÇÃO DE FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA DO DECRETO PRISIONAL. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. FUNDADO RECEIO DE REITERAÇÃO DELITIVA. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA EM RAZÃO DA PANDEMIA DA COVID-19. AGRAVANTE NÃO INTEGRA GRUPO DE RISCO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. NÃO CABIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I – A segregação cautelar deve ser considerada exceção, já que tal medida constritiva só se justifica caso demonstrada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal. II – O estado flagrancial do delito de tráfico consubstancia uma das exceções àquele direito previsto no inc. XI do art. 5º da Constituição Federal, sendo permitida a entrada em domicílio independentemente do horário ou da existência de mandado, não havendo se falar, pois, em eventual ilegalidade no fato de os policiais terem adentrado na residência do paciente, pois o mandado de busca e apreensão é dispensável em tais hipóteses. Aliás, é o que está disposto no art. 303 do Código de Processo Penal, segundo o qual, “nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência”. III – Na hipótese, o decreto prisional encontra-se devidamente fundamentado em dados concretos extraídos dos autos, para a garantia da ordem pública, notadamente em razão de o paciente ostentar registros criminais, tendo o d. juízo processante destacado a “reincidência específica do autuado”, o que revela a probabilidade de repetição de condutas tidas por delituosas e justifica a imposição da segregação cautelar ante o fundado receio de reiteração delitiva, somado à apreensão de 18,2 gramas de crack, e 11,5 gramas de maconha, circunstâncias indicativas de um maior desvalor da conduta em tese perpetrada, bem como da periculosidade concreta do agente, a revelar a indispensabilidade da imposição da prisão preventiva na hipótese. (Precedentes). IV – No que concerne à alegação de que deve ser revogada a prisão preventiva, em razão da pandemia da COVID-19, consoante destacado pelo eg. Tribunal a quo, não há nos autos comprovação de que o ora paciente possua debilidade extrema que lhe reduza a imunidade, colocando-o no grupo de risco, tampouco comprovou que a instituição em que se encontra detido não possua condições de lhe prestar a devida assistência médica, caso necessário. Concluir em sentido contrário, contudo, demandaria extenso revolvimento fático-probatório, procedimento vedado nesta via recursal. V – Não é cabível a aplicação das medidas cautelares alternativas à prisão, in casu, haja vista estarem presentes os requisitos para a decretação da prisão preventiva, consoante determina o art. 282, § 6º, do Código de Processo Penal. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC 597.421/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 06/10/2020, DJe 26/10/2020)

Mais, nos termos da norma constitucional tida por violada6, a situação retratada nos autos situa-se nas exceções nela contempladas, consoante arestos emanados pelo Supremo Tribunal Federal7 e também pelo Superior Tribunal de Justiça8, pois os depoimentos prestados pelos agentes policiais na fase das indagações apontam para o fato de que somente adentraram no imóvel onde efetivada a prisão em flagrante porque, após monitoramento, visualizaram saindo da residência do paciente o...

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