Acórdão nº 52424651320218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 27-01-2022

Data de Julgamento27 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualHabeas Corpus
Número do processo52424651320218217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001549128
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Habeas Corpus (Câmara) Nº 5242465-13.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATOR: Desembargador HONORIO GONCALVES DA SILVA NETO

PACIENTE/IMPETRANTE: JUNIOR MELLO

IMPETRADO: JUÍZO DA VARA CRIMINAL DA COMARCA DE ALEGRETE

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em prol de JUNIOR MELLO, preso preventivamente, acusado da prática do delito de tráfico de drogas.

Alega, em síntese, constrangimento ilegal em decorrência da ausência dos requisitos da prisão preventiva. Refere que a decisão que decretou a medida não trouxe fundamento concreto apto a justificar-lhe a necessidade. Menciona condições pessoais favoráveis do paciente, apontando ser primário e ostentar residência fixa e trabalho lícito. Sustenta a possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas. Ao final, requer a concessão da ordem para que seja o paciente posto em liberdade.

Indeferida a liminar e dispensadas as informações, manifestou-se o Ministério Público pela denegação da ordem.

VOTO

Anoto por primeiro, revelar-se anódina, no caso presente, discussão atinente à decretação de ofício da prisão cautelar, pois colhe-se que a autoridade policial representou pela conversão da prisão em flagrante em preventiva (Evento 1 - INQ1, fl. 29).

Registro, por segundo, que a prisão processual não produz afronta ao regramento constitucional - onde encontra recepção -, tampouco constitui cumprimento antecipado de pena, porquanto guarda estrita relação com a cautelar necessidade de recolhimento do agente, como forma de garantir a ordem pública, viabilizar o regular desenvolvimento do processo ou assegurar cumprimento de eventual condenação. E não traz qualquer ofensa ao princípio da presunção da inocência, mormente ante o disposto no art. 312 do Código de Processo Penal cuja essência – proteção da sociedade – constitui objetivo preponderante no Estado Democrático.

E a questão atinente ao envolvimento ou não do paciente com os crimes que lhe foram imputados não é passível de exame na via estreita do habeas corpus, de sumária cognição.

Quanto ao mais, colhe-se que agentes policiais, deslocando-se pela BR 290, avistaram o veículo GM/Montana e por ter este placas de Sapiranga/RS, local conhecido pela remessa de drogas, decidiram abordar o veículo conduzido pelo paciente. Realizada revista veicular, apreenderam 1.050 gramas de cocaína, 16.474 gramas de maconha e a importância de R$420,00.

Nesse contexto, recebidos os autos (5005170-65.2021.8.21.0002/RS), a autoridade inquinada de coatora homologou o flagrante e converteu a prisão em flagrante de JUNIOR MELLO em preventiva (EVENTO 05), na forma do artigo 310, inciso II, do Código de Processo Penal, em decisão que traz adequada fundamentação, fazendo alusão às circunstâncias que envolveram a prática do crime e trazendo argumentos plausíveis para a implementação da medida, como forma de garantia da ordem pública, verbis:

Vistos.

Trata-se de apreciar auto de prisão em flagrante, lavrado em virtude da eventual prática do delito capitulado no artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006, de JUNIOR MELLO, o qual foi apresentado às 13h45min de 30/11/2021 à autoridade policial (Evento 1).

É o relatório.

DA MOTIVAÇÃO E DA FUNDAMENTAÇÃO:

GUILHERME DE SOUZA NUCCI (in Pacote anticrime comentado: Lei 13.964, de 24.12.2019 – 1. ed. - [5. Reimpr.] - Rio de Janeiro: Forense, 2020 – pág. 84) explicita que, com a reforma introduzida pela Lei 13.964/2019, tem-se insistido em diferenciar motivação e fundamentação. Parece-nos razoável pretendendo apontar na motivação os elementos utilizados pelo juiz dentro de seus critérios racionais; atingindo a fundamentação, pretende-se apontar o alicerce da motivação calcada nas provas dos autos.

DA MOTIVAÇÃO:

A pessoa apontada como autora de um fato delituoso, por força do princípio da presunção da não-culpabilidade, deve ser presumida inocente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, razão pela qual, de regra, deverá responder o processo em liberdade, em vista do princípio da subsidiaridade da prisão (artigo 5º, incisos LVII e LXVI, da CF) [Luis Gustavo Grandinatti Castanho de Carvalho in Comentário ao artigo 5º, LXVI. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo; Saraiva/Almedina, 2013. pág. 461].

É que a prisão de qualquer pessoa, salvo nos casos de transgressão militar ou propriamente militar, somente é cabível em flagrante delito independentemente de ordem judicial ou por ordem escrita, motivada e fundamentada de autoridade judiciária competente indicando a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada (artigo 5º, inciso LXI, da CF e artigo 315 do CPP com redação dada pela Lei 13.964/2019), sendo que não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia (§ 2º do artigo 313 do CPP com redação dada pela Lei 13.964/2019).

Em que pese os termos referidos do § 2º do artigo 313 do CPP com redação dada pela Lei 13.964/2019 e os termos do caput do artigo 283 do CPP com redação dada pela Lei 13.964/2019 [ninguém poderá ser preso em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado], a ordem escrita e fundamentada de autoridade competente (reserva de jurisdição) pode decorrer:

(1) de sentença penal condenatória transitada em julgado justificando a aplicação de uma pena criminal,

(2) da aplicação de uma prisão cautelar processual, sendo que, neste caso, pode decorrer da decretação:

(2.1.) da prisão temporária ou

(2.2.) da prisão preventiva [Luis Gustavo Grandinatti Castanho de Carvalho in Comentário ao artigo 5º, LXI. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo; Saraiva/Almedina, 2013. pág. 454], pois a imposição de prisão cautelar em sentença penal condenatória ou em decisão de pronúncia se justificam se reconhecidos presentes os pressupostos, os requisitos e os fundamentos para decretação da prisão preventiva (§ 1º do artigo 387, § 3º do artigo 413, primeira parte da alínea “e” do inciso I do artigo 492, todos do CPP);

(3) de execução provisória das penas no caso de condenação pelo Tribunal do Júri a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão (segunda parte da alínea “e” do inciso I do artigo 492 do CPP com redação dada pela Lei 13.964/2019), pois neste caso a apelação não terá efeito suspensivo (§ 4º do artigo 492 do CPP com redação dada pela Lei 13.964/2019), salvo se o Juiz Presidente, excepcionalmente, deixar de autorizar a execução provisória das penas, se houver questão substancial cuja resolução pelo tribunal ao qual competir o julgamento possa plausivelmente levar à revisão da condenação (§ 3º do artigo 492 do CPP com redação dada pela Lei 13.964/2019) ou for atribuído efeito suspensivo pelo tribunal (§ 4º do artigo 492 do CPP com redação dada pela Lei 13.964/2019).

Acrescento, ademais, que, nos termos do Enunciado 14 do I Fórum Nacional de Juízes Criminais, o réu condenado pelo Tribunal do Juri deve ser imediatamente recolhido ao sistema prisional a fim de que seja iniciada a execução da pena em homenagem aos princípios da soberania dos veredictos e da efetividade processual, sendo que, nos termos do Enunciado 21, a condenação pelo tribunal do júri em razão do crime doloso contra a vida deve ser executada imediatamente, como decorrência natural da competência soberana do júri conferida pelo artigo 5º, inciso XXXVIII, “d”, da CF. Na jurisprudência, outrossim, é possível lembrar do seguinte julgado:

Direito Constitucional e Penal. Habeas Corpus. Duplo Homicídio, ambos qualificados. Condenação pelo Tribunal do Júri. Soberania dos veredictos. Início do cumprimento da pena. Possibilidade. 1. A Constituição Federal prevê a competência do Tribunal do Júri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida (art. 5º, inciso XXXVIII, d). Prevê, ademais, a soberania dos veredictos (art. 5º, inciso XXXVIII, c), a significar que os tribunais não podem substituir a decisão proferida pelo júri popular. 2. Diante disso, não viola o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade a execução da condenação pelo Tribunal do Júri, independentemente do julgamento da apelação ou de qualquer outro recurso. Essa decisão está em consonância com a lógica do precedente firmado em repercussão geral no ARE 964.246-RG, Rel. Min. Teori Zavascki, já que, também no caso de decisão do Júri, o Tribunal não poderá reapreciar os fatos e provas, na medida em que a responsabilidade penal do réu já foi assentada soberanamente pelo Júri. 3. Caso haja fortes indícios de nulidade ou de condenação manifestamente contrária à prova dos autos, hipóteses incomuns, o Tribunal poderá suspender a execução da decisão até o julgamento do recurso. 4. Habeas corpus não conhecido, ante a inadequação da via eleita. Não concessão da ordem de ofício. Tese de julgamento: “A prisão de réu condenado por decisão do Tribunal do Júri, ainda que sujeita a recurso, não viola o princípio constitucional da presunção de inocência ou não-culpabilidade.” (HC 118770, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 07/03/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-082 DIVULG 20-04-2017 PUBLIC 24-04-2017)

Na prisão em flagrante delito, inicialmente, deverá...

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