Acórdão nº 52454210220218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 08-07-2022

Data de Julgamento08 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo52454210220218217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002360099
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5245421-02.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Bancários

RELATORA: Desembargadora MYLENE MARIA MICHEL

AGRAVANTE: BANCO DAYCOVAL S.A.

AGRAVADO: NARA INA RAMOS NASCIMENTO

RELATÓRIO

Cuida-se de agravo de instrumento interposto por BANCO DAYCOVAL S.A. contra o deferimento do pedido de tutela de urgência (limitação de descontos em folha de pagamento ao percentual de 30% da remuneração da autora/agravada, que é pensionista do exército), o qual foi veiculado na inicial da ação revisional em seu desfavor aforada por NARA INA RAMOS NASCIMENTO.

Transcrevo a decisão hostilizada; in verbis:

(...).

De acordo com o que estabelece o art. 300 do CPC, a tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, exige a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Com efeito, não obstante a existência de norma específica autorizando o desconto na hipótese dos autos, tenho, em alinhamento à jurisprudência predominante do STJ, que os incidentes sobre a folha de pagamento, bem como os em conta salário ou naquela exclusivamente destinada ao depósito de proventos, remuneração ou benefícios, devem observar o limite legal de 30% sobre a remuneração líquida, especialmente, nos casos em que está em jogo a subsistência do devedor, em respeito ao princípio da necessidade de preservação do mínimo existencial.

Nesse sentido, a propósito, colaciono o seguinte precedente:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDORA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL. EMPRÉSTIMO COM DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. ABUSIVIDADE. LIMITAÇÃO A 30 POR CENTO DA REMUNERAÇÃO. PRECEDENTES. 1. Consoante a jurisprudência sedimentada neste STJ, o desconto em folha de pagamento de prestações referentes a contrato de empréstimo pessoal de servidor com instituições financeiras não pode ultrapassar o limite de 30% (trinta por cento) da remuneração mensal do servidorPrecedente: (AgInt no RMS 44.593/GO, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 10/11/2017) 2. Agravo interno improvido. (AgInt no REsp 1672204/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/10/2018, DJe 10/10/2018).

Assim, e comprovando os documentos que instruem a petição inicial que a parte autora se encontra em situação financeira delicada, necessitando de um mínimo para a sua sobrevivência, verifica-se a presença dos requisitos autorizadores da tutela de urgência, na medida em que o contracheque - Doc. 7 do Evento 1, demonstra que os descontos decorrentes dos empréstimos tomados com as instituições financeiras demandadas superam os 30% de sua remuneração líquida (deduzidos os descontos obrigatórios a título de Previdência e Imposto sobre a Renda, acaso incidentes).

Em consequência, defiro a tutela de urgência, em caráter liminar, para limitar os descontos para o pagamento dos empréstimos objetos da lide ao patamar de 30% da remuneração liquida recebida pela autora, observada a ordem cronológica dos contratos.

Outrossim, evidenciada nos autos a incapacidade da autora para arcar com os ônus decorrentes do ajuizamento da ação, concedo-lhe a gratuidade judiciária, na forma do artigo 98 do CPC.

Diante da impossibilidade de agendamento das audiências presenciais, em decorrência dos efeitos da pandemia (COVID-19), deixo de designar audiência prévia de conciliação.

Comunique-se a decisão à fonte pagadora, mediante ofício, bem como para as providências cabíveis para o cumprimento da tutela de urgência deferida, com a observação de que a limitação imposta está restrita aos descontos decorrentes dos empréstimos objeto da lide, observada a remuneração líquida da autora, após deduzidos os descontos obrigatórios (previdência e imposto de renda).

Citem-se e intimem-se, com as advertências de praxe.

Sustenta o agravante, em síntese: a) o soldo da parte agravada é de R$ 1.950,53; o percentual de descontos permitidos para militar é de 70% (Medida Provisória n.° 2.215/01), ou seja, R$ 1.365,37, sendo que o total de empréstimos consignados contratados junto aos bancos réus alcança a monta de R$ 725,43, restando, ainda, R$ 639,94 de margem para consignação; b) além disso, o desconto promovido pelo Banco Daycoval é de apenas R$ 274,00, valor mensal bem inferior aos 70% permitidos pela legislação dos militares, e muito abaixo dos 30% requeridos pela agravada, não havendo que se falar em limitação relativamente ao recorrente; c) a consignação em folha não é simples cláusula acessória, mas constitui a própria essência do contrato, uma vez que, minimizando o risco, faz com que menor seja a taxa de juros utilizada; d) vale ressaltar, ainda, que na oportunidade da contratação junto ao Daycoval, a fonte pagadora autorizou a averbação do contrato, demonstrando que a parcela contratada estava adequada ao percentual admitido para a contratação realizada; e) inexistente qualquer abuso por parte da instituição financeira recorrente ao contratar com a agravada, tendo esta o devido e prévio conhecimento de todas as condições pactuadas.

Pugna pela atribuição do efeito suspensivo ao agravo e, ao final, pelo seu provimento, ao escopo de reformar a decisão que concedeu a antecipação de tutela mediante o restabelecimento dos descontos em folha das parcelas do empréstimo, na forma em que pactuado pelas partes; alternativamente, requer seja determinado que a parte agravada se abstenha de contratar novos empréstimos com qualquer instituição financeira até o final da ação.

Recebi o agravo de instrumento somente no efeito devolutivo, determinando a intimação da parte agravada para, querendo apresentar contrarrazões.

Manifestou-se a agravada, propugnando a manutenção da interlocutória hostilizada.

VOTO

Satisfeitos os requisitos de admissibilidade.

Eminentes Colegas.

Já adianto que o voto é pela manutenção da decisão agravada.

Como ponderado por ocasião do exame do pedido de suspensão dos efeitos da interlocutória, a decisão é consonante com o entendimento desta Câmara e da moderna jurisprudência do c. STJ, de que descontos em folha de pagamento (ou sobre proventos de aposentandoria), à vista da natureza alimentar de tal verba, devem obedecer ao patamar máximo de 30% da renda auferida pelo consumidor, de modo a assegurar ao mesmo um mínimo existencial, que permita fazer frente aos gastos indispensáveis para sua própria mantença. É a efetivação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, aos auspícios do princípio da dignidade da pessoa humana.

De modo que não prepondera, no caso, o disposto na MP n.º 2.215-10/2001, no sentido de ser possível a realização de descontos em até 70% dos vencimentos brutos de militar/pensionista do Exército Brasileiro.

Com efeito, faz-se necessário preservar o salário/pensão, o qual, por seu caráter alimentar, assenta-se nos princípios constitucionais que asseguram uma existência digna e a própria defesa do consumidor, consagrados no art. 170 da Constituição Federal. Aplica-se os princípios da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana, para limitar o desconto a 30% do salário/vencimento bruto.

Não se discute aqui a licitude da cláusula contratual que estabele o desconto em folha, mas a possibilidade de limitação da eficácia da estipulação, adequando-se a previsão legal ao percentual de 30% da remuneração do autor (pensionista do exército). Esta Câmara, com base no princípio da razoabilidade e em face do caráter alimentar da pensão/proventos de aposentadoria (exege-se do art. 170 da Constituição Federal), e amparada na jurisprudência do c. STJ e de outros órgãos fracionários deste TJRS, passou a considerar que tal limitação (em 30%) é possível, ainda que, como já ressalatado, a Medida Provisória nº 2.215-10/2001 disponha que a margem consignável dos militares ou pensionistas do exército seja de 70% da remuneração bruta (englobando, portanto, os descontos obrigatórios).

É que, com fulcro no referido princípio e na mencionada natureza ou caráter alimentar dos vencimentos, adota-se em tais casos os parâmetros da Lei Federal nº 10.820/2003, até mesmo com vistas à adequação à jurisprudência consolidada pelo c. STJ em tal questão.

Ilustrativamente (grifei):

BANCÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. LIMITE DE 30% (TRINTA POR CENTO) DA REMUNERAÇÃO. PRECEDENTES. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. DECISÃO MANTIDA. 1. A jurisprudência desta...

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