Acórdão nº 52473004420218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo52473004420218217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001797874
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5247300-44.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Material

RELATOR: Desembargador JORGE LUIZ LOPES DO CANTO

AGRAVANTE: BRADESCO AUTO/RE COMPANHIA DE SEGUROS

ADVOGADO: José Carlos Van Cleef de Almeida Santos (OAB SP273843)

AGRAVADO: RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A.

ADVOGADO: VANESSA RIBEIRO GUAZZELLI CHEIN (OAB RS046853)

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por BRADESCO AUTO/RE COMPANHIA DE SEGUROS contra a decisão que indeferiu o pedido de inversão do ônus da prova e reconheceu a ilegitimidade passiva com relação a uma das seguradas, conforme consta nos autos de ação indenizatória regressiva, movida em face de RGE SUL DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A.

Em suas razões recursais, sustentou que é imprescindível a inversão do ônus da prova, nos termos do artigo 373, § 1º, do Código Processo Civil,e do artigo 6º, do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que, dada sua evidente hipossuficiência técnica, não dispõe de meios para analisar a rede elétrica administrada pela Concessionária agravada e, assim, identificar o motivo da transferência da descarga elétrica pela rede de transmissão, e, nem tampouco, verificar os mecanismos de proteção de rede utilizados e que eventualmente falharam, permitindo os danos ocorridos nos bens de seu segurado.

Afirmou que as disposições do Código de Defesa do Consumidor são aplicáveis ao caso, uma vez que em se tratando de demanda regressiva a seguradora se sub-roga nos direitos do segurado.

Alegou que a sub-rogração não se limita aos créditos do segurado, mas a todos os direitos do consumidor, o qual apresentava hipossuficiência em relação à agravada principalmente técnica, de forma que cabível a inversão do ônus probatório.

Ainda, discorreu acerca da legitimidade ativa com relação à segurada Jaqueline Scatolin, tendo em vista que os danos foram ocasionados na rede elétrica da unidade em que aquela reside, de sorte que a responsabilidade da concessionária independe da relação de consumo entabulada, pois se trata de seguro de dano e não de pessoa.

Discorreu sobre a verossimilhança das alegações.

Requereu a reforma da decisão agravada.

Com as contrarrazões, o recurso veio concluso para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade e objeto do recurso

Eminentes colegas. Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a decisão que indeferiu a inversão do ônus da prova postulada nos autos de ação regressiva.

Os pressupostos processuais foram atendidos, utilizado o recurso cabível, há interesse e legitimidade para recorrer, este é tempestivo, está acompanhado do devido preparo, bem como da documentação pertinente, cumpridas as formalidades legais e inexistindo fato impeditivo do direito recursal, noticiado nos autos.

Assim, verificados os pressupostos legais, conheço do recurso intentado para o exame das questões suscitadas.

Matéria discutida no recurso em análise

No presente recurso a parte autora, ora agravante, pretende a determinação de inversão do ônus da prova e o reconhecimento da legitimidade ativa quanto a todas as partes seguradas, com a consequente reforma da decisão agravada, que segue transcrita:

Vistos em saneador.

Em primeiro lugar, esclareço ser objetiva a responsabilidade das concessionárias de energia elétrica. Portanto, cumpre à parte autora comprovar apenas o prejuízo e o nexo de causalidade entre a ação (comissiva ou omissiva) e o dano, conforme dispões o art. 37, § 6°, da Constituição Federal e os arts. 14 e 22, do Código de Defesa do Consumidor.

A preliminar de excludente de responsabilidade por força maior, já que no período da interrupção coincide com o dia em que a região foi alvo de uma verdadeira catástrofe natural, é questão de mérito e será examinada na sentença.

A preliminar de carência de ação, por ausência de prévia reclamação administrativa, não merece acolhida, pois é pacífico na doutrina e jurisprudência ser desnecessário o pedido administrativo prévio para o ajuizamento da demanda indenizatória, tendo em vista a garantia constitucional de direito de ação e de acesso ao Poder Judiciário, insculpido no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal (Agravo de Instrumento, Nº 50075476420218217000, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em: 30-06-2021).

Acolho a preliminar de ilegitimidade ativa da seguradora quanto à segurada Jaqueline Scatolin, pois não comprovada a existência de relação de jurídica entre ela e a RGE.

A aplicação do Código de Defesa do Consumidor no caso concreto deriva da condição da demandante de vítima indireta de pretenso acidente de consumo, autorizando a sua incidência por aplicação do disposto no art.17 do CDC. Outrossim, cabível a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º do Diploma Consumerista.

Todavia, a inversão do ônus da prova não exime a parte autora de comprovar minimamente os fatos constitutivos de seu direito, à luz do disposto no art. 373, I, do CPC.

Assim, cabe à seguradora comprovar o dano e o nexo de causalidade para obrigar a concessionária de energia elétrica ao pagamento da indenização.

Cabe à concessionária demonstrar que prestou adequadamente o serviço, sem que houvesse falhas a si imputáveis, ou seja, provar a ausência de defeito ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, nos termos do artigo 14, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor.

A demandada postulou a realização de perícia nos bens segurados, bem como a devolução dos bens salvados.

A seguradora, por sua vez, informou que os bens dos segurados foram consertados ou substituídos por novos, não restando qualquer resquício deles.

Assim, prejudicado o pedido de perícia.

Intimem-se e, após, nada sendo requerido, voltem conclusos para sentença.

Preliminarmente, releva ponderar que a relação originária existente entre o segurado e a concessionária de serviços públicos amolda-se perfeitamente ao conceito de relação de consumo, consoante destacado no precedente do egrégio Superior Tribunal de Justiça que segue:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AOS ARTS. 489 E 1.022 DO CPC/2015 NÃO DEMONSTRADA. INTERRUPÇÃO INDEVIDA DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. DEMORA NO RESTABELECIMENTO DO SERVIÇO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. QUESTÃO DECIDIDA COM FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS. AUSÊNCIA DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SÚMULA 126/STJ. FALTA DE IMPUGNAÇÃO DE FUNDAMENTO AUTÔNOMO E DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULAS 283 E 284 DO STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO.
1. Não se configura a alegada ofensa ao artigo 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou, de maneira amplamente fundamentada, a controvérsia.
2. Cuida-se de inconformismo contra acórdão do Tribunal de origem, que reformou a sentença que condenou a empresa concessionária à indenização por danos morais, devido à interrupção no fornecimento de energia elétrica por período demasiadamente longo.
3. O Tribunal local, ao tratar da responsabilidade civil no caso, embasou-se no Código de Defesa do Consumidor, art. 14, e na Constituição Federal de 1988, art. 37, § 6º.
4. Todavia, os recorrentes esquivaram-se de rebater os fundamentos utilizados pelo Tribunal de origem no sentido de firmar seu convencimento, restringindo-se a apontar que o art. 186 do Código Civil teria sido violado, sendo que o acórdão recorrido consignou expressamente que a relação é de consumo.
5. Conforme entendimento pacificado no STJ, "a relação entre concessionária de serviço público e o usuário final, para o fornecimento de serviços públicos essenciais, tais como água e energia, é consumerista, sendo cabível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor" (AgRg no AREsp 354.991/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 11/9/2013).
6. Em se tratando de matéria relacionada a danos oriundos de produtos ou serviços de consumo, é afastada a aplicação do Código Civil, tendo em vista o regime especial do Código de Defesa do Consumidor. Só excepcionalmente aplica-se o Código Civil, ainda assim quando não contrarie o sistema e a principiologia do CDC.
7. Aplica-se, na espécie, o teor da Súmula 126 deste colendo Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual "é inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário".
8. Incide ainda, por analogia, os óbices das Súmulas 284 e 283 do STF, ante a deficiência na motivação e a ausência de impugnação de fundamento autônomo.
9. Fica prejudicada análise da divergência jurisprudencial quando a tese sustentada já foi afastada no exame do Recurso Especial pela alínea "a" do permissivo constitucional.
10. Recurso Especial conhecido parcialmente, somente em relação à preliminar de violação dos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015, e, nessa extensão, não provido.
(REsp 1831314/RS, Rel.
Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/11/2019, DJe 19/12/2019) (grifos nossos)

Ainda, cumpre salientar que o contrato de seguro foi firmado entre o segurado, vítima dos danos causados pela demandada, e a seguradora postulante, buscando esta se ver ressarcida dos valores despendidos com aquele, bem como se sub-rogando nos direitos deste para o exercício da pretensão de restituição do valor satisfeito ao mesmo.

O Código Civil prevê expressamente que:

Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano.

Ademais, a lei civil adverte que a sub-rogação, nos termos do art. 349, transfere ao novo credor...

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