Acórdão nº 52482960820228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 28-02-2023

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo52482960820228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003310650
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5248296-08.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATORA: Desembargadora ANA PAULA DALBOSCO

AGRAVANTE: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL

AGRAVADO: Maria Esaír Farias Ferreira de Souza

RELATÓRIO

BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL interpõe agravo de instrumento em face da decisão que deferiu a tutela antecipatória formulada por MARIA ESAÍR FARIAS FERREIRA DE SOUZA na ação em que litigiam, cuja fundamentação transcrevo a seguir (evento 3, DESPADEC1):

Vistos.

Defiro a AJG à autora.

Tocante ao pedido de antecipação de tutela efetuado pela parte autora, consoante o preconizado no artigo 300, do Código de Processo Civil, “A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.

Pois bem. Considerando os argumentos invocados na petição inicial, entendo presentes os requisitos necessários à concessão da medida pleiteada, tendo em vista a redução dos vencimentos ocasionados pelos descontos realizados.

Da mesma forma, o caso comporta aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, um dos basilares do Estado Democrático de Direito, uma vez que a autora está encontrando dificuldades para sua subsistência, impondo-se o deferimento da medida.

Neste sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA. LIMITAÇÃO DE DESCONTO EM FOLHA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. ENTENDIMENTO DA CÂMARA PACIFICADO NO SENTIDO DE QUE É REGULAR O DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO, LIMITADO O DESCONTO A 30%. LEGISLAÇÃO FEDERAL E ESTADUAL A RESPEITO. PRECEDENTES DO STJ. APENAS QUANDO EXCEDIDA A MARGEM CONSIGNÁVEL DEVE HAVER LIMITAÇÃO. CASO EM QUE DEVE SER MANTIDA A LIMINAR. NEGO SEGUIMENTO AO RECURSO. (Agravo de Instrumento Nº 70051497204, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Otávio Augusto de Freitas Barcellos, Julgado em 22/10/2012)

Assim, estando presentes os requisitos legais e, sendo possível eventual reversão da medida, DEFIRO o pedido de tutela de urgência, para o fim de determinar que os descontos não ultrapassem o percentual de 30% dos vencimentos da parte autora, excetuados os descontos obrigatórios.

Cite-se e intimem-se.

Diligências Legais.

Em suas razões, o banco agravante busca o descabimento da limitação deferida pelo juízo a quo. Para tanto, aduz não ter ultrapassado o limite consignado no contracheque da parte autora. Sustenta que a margem limítrofe é de 70% sobre os rendimentos brutos do consumidor. Discorre acerca da impossibilidade da suspensão dos descontos. Colaciona jurisprudência. Pugna pelo provimento (evento 1, INIC1).

Transcorrido in albis o prazo para apresentar contrarrazões (Evento 11), vieram os autos conclusos para julgamento (Evento 15).

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

Eminentes colegas.

O recurso interposto atende aos pressupostos de admissibilidade, sendo próprio e tempestivo, havendo interesse e legitimidade da parte para recorrer, merecendo conhecimento.

Assim, passo à análise do mérito recursal.

CONTEXTUALIZAÇÃO

Trata-se a presente demanda de ação cominatória, na qual a parte autora busca a limitação dos descontos em sua folha de pagamento ao patamar de 30% sobre seus rendimentos líquidos. Para isso, sustenta estar superendividada, tendo contratado diversos empréstimos os quais reduzem sua subsistência mensalmente. Postula antecipação de tutela a fim de ter seu pedido revisado de antemão.

Manifestada a parte ré, sobreveio decisão proferida pelo juízo a quo, entendendo pelo deferimento da tutela.

Assim, insurge-se a instituição financeira ré em sede recursal, sob os fundamentos expostos no relatório em epígrafe.

Dito isso, passo ao exame da insurgência recursal.

URGÊNCIA E RELEVÂNCIA

Como já é por demais sabido, para a concessão da liminar pleiteada, necessário que a parte demonstre a evidência da tutela perseguida ou a urgência em sua obtenção (art. 294, CPC), exigindo-se, para a primeira, uma das hipóteses previstas no art. 311 do CPC e, para a segunda, a demonstração da probabilidade do direito invocado e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, Consta do art. 300 do CPC, aplicável à espécie:

Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Na hipótese dos autos, então, resta evidente a urgência da medida postulada, uma vez que se impugnam descontos diretamente na folha de pagamento da parte autora, reduzindo diretamente sua subsistência.

Quanto à evidência da medida, tenho que parcialmente demonstrada pelos motivos a seguir expostos.

LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS.

No mérito, no que toca à possibilidade de limitar os descontos realizados na folha de pagamento da parte autora, importante salientar de início que, inobstante a licitude da cláusula que prevê os descontos, acaso excedidos os limites legais, entendia-se pela limitação da sua eficácia, em respeito ao princípio da dignidade humana.

Tal limitação tinha como finalidade evitar o endividamento desenfreado e garantir o mínimo existencial ao consumidor, assegurando a sua própria subsistência e a da sua família, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana.

O conceito desse mínimo existencial abarca não somente o mínimo vital para a sobrevivência, mas também o que for necessário para preservar uma vida digna, como preleciona Ingo Sarlet:

Nessa direção, cumpre-nos insistir em que o conteúdo do mínimo existencial ultrapassa a noção de um mínimo meramente vital ou de sobrevivência, para resguardar não só a vida humana em si, mas uma vida saudável e com certa qualidade. Não se pode negligenciar que o princípio da dignidade da pessoa humana também implica uma dimensão sociocultural que não pode ser desconsiderada, mas que lhe constitui elemento nuclear a ser respeitado e promovido, razão pela qual determinadas prestações em termos de direitos culturais (notadamente, embora não de modo exclusivo, no caso da educação fundamental) deverão integrar o conteúdo do mínimo existencial. Dessarte o conteúdo do mínimo existencial deve compreender o conjunto de garantias materiais para uma vida condigna, no sentido de algo que o Estado não pode subtrair ao indivíduo (dimensão negativa) e, ao mesmo tempo, algo que cumpre ao Estado assegurar, mediante prestações de natureza material (dimensão positiva)1. Grifou-se.

Justamente por isso, a despeito da previsão contida no art. 15 do Decreto Estadual nº 43.574/052, ao menos com relação aos descontos em folha de pagamento, tinha-se que estes deveriam obedecer ao patamar máximo de 30% sobre a remuneração líquida do consumidor (subtraídos apenas os descontos obrigatórios), mesmo servidor público estadual.

Nesse sentido, o informativo nº 0459, do Superior Tribunal de Justiça:

Informativo nº 0459
Período: 6 a 10 de dezembro de 2010.

TERCEIRA TURMA

EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTO. FOLHA. LIMITAÇÃO.

Trata-se de REsp em que a controvérsia cinge-se à limitação dos descontos em folha ao percentual de 30% dos vencimentos da recorrente a título de empréstimo consignado. A Turma entendeu que, ante a natureza alimentar do salário e em respeito ao princípio da razoabilidade, os empréstimos com desconto em folha de pagamento (consignação facultativa/voluntária) devem limitar-se a 30% dos vencimentos do trabalhador. Ressaltou-se que, no caso, o acórdão recorrido consignou que o percentual comprometido dos vencimentos da recorrente, pela mencionada linha de crédito, é próximo de 50%. Assim, deu-se provimento ao recurso. Precedentes citados: RMS 21.380-MT, DJ 15/10/2007, e AgRg no REsp 959.612-MG, DJe 3/5/2010. REsp 1.186.965-RS, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 7/12/2010.

Contudo, com a recente edição da lei nº 14.431/20223, alterou-se o § 1º do art. 1°, bem como o art 6º contido na lei n° 10.820/20034 que dispõe sobre a autorização para descontos de prestações em folha de pagamento.

Estas alterações na redação da lei permitiu que os servidores, pensionistas e demais empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho autorizem a consignação de até 40% dos seus rendimentos líquidos, sendo 5% deste total reservado apenas para descontos advindos de cartão de crédito consignado.

Não obstante a questionável constitucionalidade desta legislação, em razão da óbvia diminuição da proteção da preservação do mínimo existencial, em confronto com o princípio da vedação do retrocesso social, deve-se, por ora, aguardar o julgamento definitivo da ADI nº 7.223 pelo Supremo Tribunal Federal - guardião da Constituição Federal - que irá se debruçar sobre estes fundamentos e examinar eventual declaração de inconstitucionalidade.

Colaciona-se, portanto, a lei vigente com sua redação devidamente alterada:

Art. 1o Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos.

§ 1º O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento, cartão de crédito ou arrendamento mercantil, até o limite de 40% (quarenta por cento), sendo 35% (trinta e cinco por cento) destinados exclusivamente a empréstimos, financiamentos e...

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