Acórdão nº 52487680920228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Criminal, 31-01-2023

Data de Julgamento31 Janeiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualHabeas Corpus
Número do processo52487680920228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003241047
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Habeas Corpus (Câmara) Nº 5248768-09.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Crime de Descumprimento de Medida Protetiva de Urgência

RELATOR: Juiz de Direito PAULO AUGUSTO OLIVEIRA IRION

RELATÓRIO

rata-se de Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado por NIRVANA BRESCOVIT SCHNEIDER em favor de C.O.S, contra ato do Juizado da Violência Doméstica da Comarca de São Leopoldo/RS, ora apontado como autoridade coatora.

Aduz a impetrante que o paciente não sabia que a vítima estava residindo na casa de seus genitores e que, em momento algum, a decisão que concedeu medidas protetivas de urgência postuladas pela ofendida determinou a proibição de o paciente passar na rua dos pais desta. Desta feita, não teria descumprido determinação judicial.

Elencando tais razões, requer a concessão da ordem de Habeas Corpus, em sede liminar, a fim de que C.O.S seja colocado em liberdade, com a expedição de alvará de soltura, sem prejuízo da substituição da Prisão Preventiva por medidas cautelares alternativas.

O Impetrante não juntou documentos para a apreciação do feito.

Em 07 de dezembro de 2022 foi indeferida a liminar vindicada (evento 5, DESPADEC1).

O Ministério Público exarou parecer, neste grau de jurisdição, pela denegação da ordem (evento 13, PARECER1).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Ao receber a ação constitucional, em sede de cognição sumária, proferi a seguinte decisão (evento 5, DESPADEC1):

Consigno, inicialmente, que adoto entendimento de que para o deferimento da medida liminar, em sede de Habeas Corpus, devem estar presentes, de maneira induvidosa, todos os elementos necessários para se constatar, em uma análise de cognição sumária, a existência de inequívoco constrangimento ilegal suportado pelo paciente, sendo, por conseguinte, uma medida de exceção.

Transcrevo, por oportuno, a decisão que decretou a Prisão Preventiva, proferida em 28 de outubro de 2022, a qual se encontra devidamente fundamentada, atendendo ao disposto no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, e ao artigo 315 do Código de Processo Penal, in verbis (evento 6, DESPADEC1):

Vistos.

Trata-se de representação da Autoridade Policial pela prisão preventiva de CLEITON OLIVEIRA DA SILVA, em razão do descumprimento das medidas protetivas fixadas. Narrou que o acusado teve medidas protetivas fixadas em seu desfavor no dia 12/10/2022 e as descumpriu no dia 26/10/2022(evento 1, DEPOIM_TESTEMUNHA4).

O Ministério Público se manifestou pelo deferimento da representação(evento 4, PROMOÇÃO1).

Decido.

Analisando detidamente os autos, tenho que o pedido merece acolhimento, ante a perigosa conduta do representado. Senão vejamos:

A ofendida narrou, através da ocorrência policial n.º 011603/2022-100917, a qual gerou a MPU 50230200520228210033, o seguinte:

"Que estava com seus amigos Edinara e Nicolas em uma lancheria Bier, que fica na esquina do posto de gasolina Campina. Afirma que os donos da lanchonete lhe disseram que Cleiton la buscar uma arma. A declarante afirma saber que Cleiton tinha uma arma e que sabia inclusive que era uma pistola 380, pois Cleiton tinha costume de dizer que andava armado, porém disse que nunca viu arma. Que ao saber que Cleiton tinha ido buscar a arma, chutou e derrubou a motocicleta dele, danificando-a e foi embora junto com Nicolas e Edinara. Que Edinara o olhar pela sacada do segundo andar, viu que o ex-namorado da declarante estava dentro do carro em frente ao prédio e que ele estava segurando uma arma de fogo com o braço para fora do carro. Que então a declarante olhou pela sacada, confirmou que ele estava armado e desceu até a rua para falar com ele. Que saiu pelo portão, e percebeu que Cleiton havia saído do banco do motorista e ido para o banco traseiro do veículo. Que foi em direção a Cleiton Oliveira e disse: "quer me matar, me mata". Que Cleiton saiu pela porta traseira, lhe agrediu com uma coronhada no rosto (não tem lesão aparente). Nesse momento a declarante deu as costas para Cleiton e foi em direção a entrada do apartamento. Que enquanto a declarante estava subindo a escada, que é de frente com o portão, ouviu um disparo de arma de fogo, porém não correu, continuou subindo a escada normalmente e ligou para a Brigada Militar. Quando entrou em seu apartamento, sua amiga Edinara lhe contou, que quando a declarante deu as costas para Cleiton, ele de dentro do carro, mirou nas costas da declarante e tentou disparar duas vezes, porém a arma teria falhado (sabe que ele tentou disparar porque Edinara teria ouvido dois barulhos). Edinara também teria dito que viu Cleiton ciclar a arma e depois atirar para cima. Que acompanhavam Cleiton dentro do carro, uma mulher chamada Jéssica, que conhece apenas de vista, mas não sabe onde ela mora e um homem com tatuagem no pescoço, mas não viu nenhuma característica. A vítima deseja medidas protetivas de urgência contra Cleiton e disse que retornará para casa na companhia de seu pai. E como nada mais houvesse a constar, mandou a Autoridade encerrar o presente que após lido e achado conforme vai devidamente assinado."(processo 5023020-05.2022.8.21.0033/RS, evento 20, DOC10).

A Lei 11.340/2006 inseriu no ordenamento jurídico a possibilidade de segregação cautelar, ainda que em crimes cuja pena máxima cominada não atinja quatro anos, conforme requisito previsto no art. 313, inciso I, do Código de Processo Penal, hipótese na qual se enquadra este caso concreto.

Isso porque o objeto de referida lei consiste na prevenção dos crimes de violência doméstica, que geralmente ocorrem no seio familiar, sem a presença de testemunhas. Dessa forma, a palavra da ofendida tem relevante valor probatório, quando coerente com os demais indícios dos autos.

Na hipótese em tela, o violento comportamento do acusado justifica a decretação da prisão preventiva, em especial para segurança e proteção da vítima.

Veja-se que ele efetuou um disparo para cima com a nítida intenção de intimidar a vítima, bem como tentou efetuar disparos contra a vítima, disparos esses que falharam, segundo relato das testemunhas que presenciaram o fato.

Nunca é demais salientar que a situação narrada, se amolda ao delito de tentativa de feminicídio, tanto é verdade que tramita na 1ª Vara Criminal desta Comarca, pedido de prisão preventiva formulado pela Autoridade Policial, em razão da gravidade do delito.

Não bastasse a gravidade do delito, conforme já mencionado, o que, por si só, recomendaria a segregação cautelar do representado, a fim de evitar um mal maior à vítima, ele descumpriu as medidas protetivas impostas, das quais restou ciente em 08/10/2022(processo 5023020-05.2022.8.21.0033/RS, evento 50, DOC1), ao passar mais de uma vez de motocicleta em frente a casa da vítima, demonstrando total desprezo pela reprimenda estatal em seu agir em desconformidade com a lei.

Neste sentido:

Ementa: HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR ALTERNATIVA IMPOSTA PELO JUÍZO DE ORIGEM. MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA DEMONSTRADOS. NECESSIDADE DA PRISÃO JUSTIFICADA. PERICULUM LIBERTATIS COMPROVADO. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. APLICAÇÃO DA LEI PENAL. INVIABILIDADE DE APLICAÇÃO DE NOVAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. MANUTENÇÃO DA SEGREGAÇÃO. 1. Paciente segregada em 15/02/2022, em razão do descumprimento de medida cautelar alternativa anteriormente fixada pelo juízo de origem. (...). Materialidade delitiva, indícios suficientes de autoria e perigo gerado pelo estado de liberdade da paciente que se encontram minimamente consubstanciados no caderno processual.2. Necessidade da prisão justificada(...). (Habeas Corpus Criminal, n.º 50375150820228217000, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luciano Andre Analose, Julgado em: 25-03-2022) (...) grifei e suprimi

Assim, a liberdade de Cleiton representa, agora, risco à integridade psicofísica da ofendida, pois a qualquer momento ele poderá voltar a procurá-la e reiterar os atos de violência praticados, alcançando um mal maior, motivo pelo qual reconheço o periculum libertatis exigido para a decretação da prisão preventiva (art. 312, caput, do CPP).

Ao mais, a prisão preventiva objetiva ainda assegurar a execução das medidas protetivas, que foram concedidas à vítima, que permanecem em vigor até o mês de fevereiro de 2023 e foram desrespeitadas pelo agressor, o que se enquadra na hipótese, também, nos termos do art. 313, inciso III, do CPP.

Adianto que a imunidade eleitoral, consoante se extrai da própria legislação, tem como finalidade de garantir a tranquilidade do pleito eleitoral. Todavia, o direito de votar não se sobrepõe ao direito de incolumidade física e psíquica das mulheres em situação de violência doméstica, presente risco de vida, como...

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