Acórdão nº 52489811520228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quinta Câmara Cível, 28-02-2023

Data de Julgamento28 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo52489811520228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003192977
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

25ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5248981-15.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Educação Básica

RELATOR: Desembargador LEO ROMI PILAU JUNIOR

AGRAVANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo réu hostilizando a decisão de seguinte conteúdo (evento 3, DESPADEC1):

Vistos.

Recebo a petição inicial.

Sem custas, conforme art. 141, §2º, do ECA.

Trata-se de Ação Civil Pública azuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, postulando o cumprimento da obrigação de fazer, consistente em disponibilizar transporte escolar gratuito e ininterrupto, a 56 alunos da Escola Estadual Técnica Encruzilhada, pertencente à rede pública estadual, em Maçambará, residentes na zona rural do Município de Maçambará e São Borja, serviço público que vem sendo descumprido, implicando prejuízo, principalmente, aos alunos carentes e do meio rural, que não dispõem de outro meio de transporte para irem à escola.

O Parquet postulou a CONCESSÃO DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA, ANTECIPADAMENTE, dispensada a formalidade do artigo 2º da Lei nº 8.437/92 face às peculiaridades do caso e por obstar o acesso à Justiça, para o fim de: (i) impor ao ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, por intermédio de ordem dirigida à Senhora Secretária de Estado da educação e à Senhora Coordenadora Regional de Educação da 35ª Coordenadoria Regional de Educação (São Borja), OBRIGAÇÃO DE FAZER, consistente em disponibilizar/fornecer, às suas expensas e gratuitamente, TRANSPORTE ESCOLAR REGULAR E ININTERRUPTO, NO PRAZO MÁXIMO DE 10 (DEZ) DIAS, durante o presente ano letivo e/ou enquanto estiverem matriculados (incluindo-se eventual período de recuperação de aulas), aos 56 alunos da Escola Estadual Técnica Encruzilhada, pertencente à rede pública estadual, em Maçambará, residentes na zona rural do Município de Maçambará e São Borja, assim como aos alunos residentes em perímetro urbano, cujas residências distam dois ou mais quilômetros da escola, de suas respectivas residências até a sede da instituição de ensino, e depois desta de volta para sua residência, de acordo com seu horário escolar, para que tenham o regular acesso à educação, sob pena de MULTA DIÁRIA, por aluno sem atendimento no serviço de transporte escolar; (ii) que seja determinada a apresentação a este Juízo de PLANO EMERGENCIAL OBJETIVANDO A RECUPERAÇÃO DOS DIAS LETIVOS, por meio de prestação de aulas ou atividades que a elas se equiparem; (iii) a homologação judicial do plano de recuperação das aulas, e comprovação nos autos da publicação do calendário com as datas previstas para as aulas e atividades de recuperação, bem como da divulgação na imprensa local desse calendário, para que TODOS possam acompanhar a sua fiel execução (transparência); e, (iv) a fixação de multa em caso de descumprimento do calendário de recuperação.

Breve relato.

Decido.

O art. 300 do CPC, ao dispor sobre a tutela de urgência, assim estabelece:

Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

§1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.

§2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.

§3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.

Nesse passo, quanto ao primeiro requisito legal, consistente na probabilidade do direito, significa que o juiz tem que se convencer de que o direito é provável para conceder tutela provisória.

Segundo Araken de Assis (Processo Civil Brasileiro. Vol. II. Parte Geral: institutos fundamentais: tomo 2. 1ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2015, pp. 413/414), quando da análise dos pressupostos materiais da liminar, o juiz avaliará se o autor deduz em juízo direito possível, comportando prognóstico menor (verossimilhança) ou maior (evidência) de êxito na respectiva postulação. Realiza o juiz o que se rotulou expressivamente de “cálculo de probabilidade da existência do direito”.

Passando ao segundo estágio, ao considerar esse hipotético direito apto a receber a tutela reclamada, impedindo seu desaparecimento ou a sua lesão, o juiz aquilatará os meios de prova que levam a esse juízo.

Quanto ao segundo requisito legal, que diz respeito ao perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, nada mais é do que o perigo da demora, isto é, a tutela provisória é necessária simplesmente porque não é possível esperar, sob pena de o ilícito ocorrer, continuar ocorrendo, ocorrer novamente, não ser removido ou de dano não ser reparado ou reparável no futuro. É dizer, há urgência quando a demora pode comprometer a realização imediata ou futura do direito.

Aplicável ao caso o ECA (Lei n. 8069/90), o qual, em seu art. 1º, estabelece a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, no sentido de que o diploma tem o objetivo de tutelar seus direitos de forma ampla, à luz da vontade emanada da Constituição Federal, que, em seu art. 227, caput, determina:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Guarda ligação com a doutrina da proteção integral o princípio do melhor interesse da criança. Esse postulado traduz a ideia de que, na análise do caso concreto, o aplicador do direito - leia-se advogado, defensor público, promotor de justiça e juiz - deve buscar a solução que proporcione o maior benefício possível para a criança ou adolescente, ou seja, que dê maior concretude aos seus direitos fundamentais.

No caso concreto, verifica-se a presença dos requisitos insculpidos no art. 300 do CPC.

Conforme a inicial, as crianças e adolescentes, alunos da rede estadual de ensino, residentes em diversas localidades da zona rural de São Lourenço do Sul, encontram-se privados do acesso à educação formal, embora o ano letivo de 2022 tenha iniciado em 21 de fevereiro de 2022, porque o requerido não está fornecendo transporte escolar, ante o inexplicável atraso nas licitações para selecionar empresas, para as quais terceiriza o serviço de transporte escolar.

Dispõe o art. 6º da Constituição Federal: São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

O art. 23 da Constituição Federal, em seu inciso V acrescenta:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(…)

V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação;

Ainda, certo é que a Constituição Federal, no seu art. 205, determina que a educação é um direito de todos e um dever do Estado, devendo ser garantido o princípio de igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (art. 206, inciso I, da CF).

Além disso, prevê como dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à educação, e, nos termos do art. 208, inciso VII, tal dever deverá ser efetivado por meio da garantia de transporte escolar:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

(...)

VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, estabelece, no art. 4º, que é dever do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade a efetivação dos direitos referentes à educação. Prevê, outrossim, no art. 53, inciso I, que a criança e o adolescente têm direito à educação, sendo-lhes assegurada a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. E, ainda, no art. 54, inciso VII, determina que é dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente o atendimento no ensino fundamental, através de oferecimento de transporte.

Nesse sentido:

APELAÇÃO. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ENSINO MÉDIO. ESTUDANTE COM DEFICIÊNCIA VISUAL. ESCOLA ESTADUAL. TRANSPORTE ESCOLAR. PREPONDERÂNCIA DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO. O FORNECIMENTO DE TRANSPORTE ESCOLAR ASSEGURA A EFETIVIDADE DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DE ACESSO À EDUCAÇÃO. NO CASO A RESPONSABILIDADE PREPONDERANTE PARA FORNECIMENTO DE TRANSPORTE ESCOLAR ADEQUADO E GRATUITO À MENOR RESIDENTE NA ZONA URBANA E MATRICULADA EM ESCOLA ESTADUAL DE ENSINO MÉDIO É DO ESTADO. APELAÇÃO IMPROVIDA.(Apelação / Remessa Necessária, Nº 50074338120198210021, Vigésima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Kothe Werlang, Julgado em: 28-09-2021)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ENSINO. FORNECIMENTO DE TRANSPORTE ESCOLAR. DEVER DO ENTE PÚBLICO. HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA DA FAMÍLIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. -Não há cerceamento de defesa, no caso, no tocante à hipossuficiência da família. As informações trazidas aos autos presumem-se idôneas e não sofreram impugnação específica. -A educação, conforme preceituado...

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