Acórdão nº 52490049220218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 27-01-2022

Data de Julgamento27 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualHabeas Corpus
Número do processo52490049220218217000
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001540429
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Habeas Corpus (Câmara) Nº 5249004-92.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Homicídio qualificado (art. 121, § 2º)

RELATOR: Desembargador SYLVIO BAPTISTA NETO

PACIENTE/IMPETRANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

PACIENTE/IMPETRANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

IMPETRADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

1. Impetrou-se habeas corpus em favor de Mateus da Costa Martins, preso preventivamente e acusado da prática de delito de homicídio. Afirmou-se que não existiam motivos para a manutenção da prisão provisória do paciente, constituindo ela em constrangimento ilegal. Havia constrangimento ilegal na prisão, também, pelo excesso de prazo na formação da culpa. Pediu-se a sua liberdade.

O pedido de liminar foi negado. Em parecer escrito, a Procuradora de Justiça opinou pela denegação da ordem.

VOTO

2. Foi esta a decisão que decretou a prisão preventiva do paciente:

"Trata-se de pedido formulado pela Autoridade Policial pelo decreto de prisão preventiva de Alessandro, Gustavo, Lucas e Mateus...

"Conforme se depreende da representação, em 28.12.2020... ocorreu o homicídio de Cíntia e foram feridos Danian e Jean.

"...

"A autoria, segundo a Autoridade Policial, recai sobre os representados e está devidamente demonstrada pelas provas coligidas, consistentes em testemunhas, reconhecimento fotográfico, identificação de digitais, imagens de câmeras de segurança e dados de um aparelho celular. Vejamos:

"Extrai-se das provas coligidas que quatro pessoas, tripulando um veículo Peugeot/207SW, cor preta, estiveram no local e efetuaram disparos de arma de fogo que atingiram as vítimas. Posteriormente, o automóvel foi abandonado na Rua Jorge Simon, próximo ao nº 24, sendo recolhido pela Brigada Militar e encontrados no seu interior estojos de calibre não identificado, um aparelho celular e colhidas digitais, que, identificadas como de Alessandro, Gustavo e M.S.A., adolescente.

"Outrossim, verificou-se que uma motocicleta CG/Titan 150 foi subtraída, logo após a ação, viabilizando a fuga de dois dos executores, o que é corroborado por imagens de câmeras de segurança.

"Testemunhas informaram que a ação ocorreu em razão de disputa de facções, sendo a área dominada pelo grupo conhecido como "Tropa do ND - anti-bala". Ainda, indicaram que um dos atiradores possuía cabelos descoloridos e raspados na lateral, enquanto outro apresentava uma pele bronzeada e cabelos raspados na lateral.

"Os representados Mateus, Gustavo e Lucas foram reconhecidos fotograficamente como sendo indivíduos que estavam no interior do veículo (fls. 70/71), sendo que o último é a pessoa que teria os cabelos descoloridos.

"Some-se a isso o fato de que no veículo foram localizadas digitais identificadas como sendo de Alessandro, Gustavo e M.S.A. (fls. 102/110), adolescente, bem como um celular de propriedade de Mateus.

"A extração de dados realizada no aparelho celular localizado no interior do veículo demonstra que, no dia dos fatos, Mateus comunicou-se com indivíduos indicando a localização, bem como possui imagens no interior de um veículo Peugeot, inclusive ao lado de Gustavo (fls. 184/211).

"É inequívoco que se trata de delito violento e grave, que vitimou uma gestante, que estava caminhando em via pública, além de ter ferido outras duas pessoas.

"Em que pese não tenha restado suficientemente esclarecida, ainda, a motivação do delito, trata-se de crime de extrema gravidade, que revela alto grau de periculosidade dos agentes, sobretudo porque praticado à luz do dia e supostamente por disputa em razão do tráfico de drogas.

"Evidenciada, também, a necessidade para garantia da instrução criminal, já que se verifica a dificuldade de colheita de provas, uma vez que o fato ocorreu em local no qual predomina a denominada "lei do silêncio".

"Ainda, necessário para garantia da ordem pública, já que mesmo em período conturbado em que estamos vivenciando os representados estavam na rua, inobservando as regras de saúde pública e colocando em risco a si e aos outros, sendo possível a reiteração da conduta delitiva.

"Presentes, assim, os requisitos dos artigos 312 e 313 do CPP, por se tratar de crime doloso, punido com pena privativa de liberdade máxima superior a 04 anos, impõe-se o acolhimento do pedido e decretação da prisão preventiva de Gustavo, Lucas e Mateus."

3. Inicio o voto, dizendo que, no momento, tem-se como situação factual a prisão preventiva do paciente pela acusação da prática de crime de homicídio.

Antes de adentrar no mérito, chamo à atenção sobre qual o exame da prova que se faz a respeito da existência de um fato criminoso na ação do paciente ou de ser ele autor do delito.

É evidente que, em todo habeas corpus, necessariamente tem-se que examinar alguma prova, para determinar se há o constrangimento ilegal. Contudo, existe um limite neste exame. A regra, já pacificada nas Cortes brasileiras, é a não admissão, na via estrita do writ, de discussão de prova, quando ela é controvertida. E cito exemplos:

“Habeas corpus. Necessidade de exame de prova. Inviabilidade. Pedido indeferido.” (HC 82.493, Primeira Turma do STF, Relatora Ellen Gracie, DJ 11.04.2003).

“O exame aprofundado de provas não e possível nos estreitos limites do habeas corpus. HC indeferido.” (HC 70.815, Segunda Turma do STF, Relator Carlos Velloso, DJ 30.9.1994).

“Assim, inviável a inversão do decidido nesta via estreita, em que vedado o exame aprofundado dos elementos de convicção. Writ não conhecido.” (HC 197.458, Sexta Turma do STJ, Relatora Maria Thereza de Assis Moura, DJe 7.4.2014).

“O habeas corpus não é o instrumento adequado à discussão aprofundada a respeito de provas e fatos. Precedentes. Recurso ordinário a que se nega provimento.” (RHC 41.781, Quinta Turma do STJ, Relator Marco Aurélio Bellizze, DJe 10.2.2014).

Portanto, devemos nos ater apenas na questão da necessidade ou não da prisão provisória do paciente. Outras alegações a respeito de qualquer outra situação que não a necessidade da detenção - ausência de prova do crime ou da autoria, redução da pena final, substituição da pena privativa de liberdade etc. - são especulativas e desimportam para a configuração de um eventual constrangimento ilegal da prisão preventiva. Não podem, e nem devem ser analisadas no presente habeas corpus.

Por fim, o princípio da presunção de inocência, (CF, artigo 5º, LVII), não impede a adoção de medidas cautelares contra a liberdade do acusado ou indiciado, ocorrida através da preventiva.

Esta presunção está ligada ao Direito Penal, impedindo que sanções da sentença condenatória, ainda não transitada em julgado, sejam aplicadas. Não alcança a prisão provisória, instituto de Direito Processual Penal, que tem vinculação, repetindo, com a cautela, com a necessidade do recolhimento antecipado do agente, para garantir a ordem pública ou regular desenvolvimento do processo ou assegurar cumprimento de eventual condenação.

4. Sobre o requerimento de liberdade, venho afirmando em votos similares a este que a decisão sobre a prisão provisória de réu ou indiciado é um ato que se insere na órbita de convencimento pessoal do juiz.

Estando ela, decisão, fundamentada em motivos sérios e adequados à situação em foco, não se deve perquirir se houve uma injusta apreciação da prova ou da pessoa do detido. Da sua conveniência (prisão) quem melhor pode decidir é o magistrado, porque tem contato direto com os fatos imputados ao paciente, com ele e com o ambiente social onde os atos foram praticados.

Na hipótese, entendo que é caso de manutenção da prisão preventiva do paciente, destacando, entre as garantias mencionadas em lei, a da ordem pública, aplicável aqui.

Sobre o conceito da ordem pública, aquela que motiva a prisão provisória do paciente, tem-se como a necessidade de se manter a ordem na sociedade, que, como regra, é abalada pela prática de um delito que, se for grave como o destes autos, tem uma repercussão negativa e traumática na vida de muitas pessoas, propiciando que elas um forte sentimento de impunidade e de insegurança.

Lição que se colhe, por exemplo, de julgamento feito pelo Supremo Tribunal Federal:

“O conceito jurídico de ordem pública não se confunde com incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 144 da CF/88). Sem embargo, ordem pública se constitui em bem jurídico que pode resultar mais ou menos fragilizado pelo modo personalizado com que se dá a concreta violação da integridade das pessoas ou do patrimônio de terceiros, tanto quanto da saúde pública (nas hipóteses de tráfico de entorpecentes e drogas afins). Daí sua categorização jurídico-positiva, não como descrição do delito nem cominação de pena, porém como pressuposto de prisão cautelar; ou seja, como imperiosa necessidade de acautelar o meio social contra fatores de perturbação ou de insegurança que já se localizam na gravidade...

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