Acórdão nº 52490810420218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo52490810420218217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001810020
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5249081-04.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Recuperação judicial e Falência

RELATOR: Desembargador JORGE LUIZ LOPES DO CANTO

AGRAVANTE: BANCO BRADESCO S.A.

AGRAVADO: AUTO POSTO EXPEDICIONARIO LTDA

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto BANCO BRADESCO S/A contra a decisão proferida nos autos da recuperação judicial de AUTO POSTO EXPEDICIONÁRIO LTDA. e OUTROS, que homologou, com ressalvas, o plano de recuperação judicial apresentado e aprovado pela Assembleia Geral de credores, nos seguintes termos:

Isso posto, com arrimo no artigo 58 da Lei nº 11.101/2005, CONCEDO a recuperação judicial às empresas FLAVIA P. SCHNEIDER EIRELI, CLOVIS SCHNEIDER, TRANSPORTES RODOVIARIOS SCHNEIDER LTDA., COMERCIAL DE COMBUSTÍVEIS SULINA LTDA., AUTO POSTO EXPEDICIONARIO LTDA. e V. R. SCHNEIDER & CIA LTDA., HOMOLOGANDO os planos de recuperação apresentados na assembleia geral de credores, sem prejuízo de resolução de pedidos ou demandas ainda pendentes de decisão.

Encaminhem-se os autos à Contadoria para apuração das custas devidas pelas recuperandas, intimando-as para pronto pagamento.

Devem as recuperandas esclarecer se efetuaram o pagamento dos honorários fixados ao Administrador Judicial.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Nas razões recursais a parte agravante sustentou a ilegalidade da Cláusula 6.12, do plano de recuperação judicial, conforme constou na Ata da Assembleia Geral de Credores realizada na data de 10/11/2021, sob o argumento de que esta impõe sacrifício excessivo aos credores quirografários.

Apresentadas as contrarrazões.

Intimado, o Ministério Público exarou parecer opinando pelo conhecimento e desprovimento do recurso, vindo os autos à conclusão.

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade e objeto do recurso

Eminentes colegas, o recurso intentado objetiva a reforma da decisão de primeiro grau que homologou o plano de recuperação de empresa, com ressalvas, nos autos de pedido de recuperação judicial.

Os pressupostos processuais foram atendidos, utilizado o recurso cabível, há interesse e legitimidade para recorrer, é tempestivo, está devidamente preparado, inexistindo fato impeditivo do direito recursal noticiado nos autos.

Assim, verificados os pressupostos legais, conheço do recurso intentado para o exame das questões suscitadas.

Matéria discutida no recurso em análise

Preambularmente, cumpre destacar que o princípio da preservação da empresa, insculpido no art. 47 da Lei 11.101/2005, dispõe que a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação daquela, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Acerca do tema em discussão ensina Fazzio Júnior1, uma vez mais com clareza e precisão, o que segue:

O princípio da conservação da empresa parte da constatação de que a empresa representa “um valor objetivo de organização que deve ser preservado, pois toda a crise da empresa, causa um prejuízo à comunidade” (LOBO, 1996:6).

O objetivo econômico da preservação da empresa deve preponderar, em regra, sobre o objetivo jurídico da satisfação do título executivo, se este for considerado apenas como a realização de pretensão singular. O regime jurídico de insolvência não deve ficar preso ao maniqueísmo privado que se revela no embate entre a pretensão dos credores e o interesse do devedor. A empresa não é mero elemento da propriedade privada.

Resumindo o caráter insatisfatório das normas concursais ortodoxas, valem as palavras de Fernández-Rio (1982: 150), ao comentar que, na crise econômica de uma empresa, sobre o próprio devedor, sofrem os credores e sofre a sociedade.

A Lei nº 11.101/05 define que, com a aprovação do plano pela assembleia de credores, fica estabelecido que os credores sujeitos ao plano recuperatório acordaram com os termos apresentados para recuperação da empresa, a fim de serem satisfeitos os créditos sujeitos a reorganização, de sorte a possibilitar o soerguimento daquela frente a crise econômico-financeira.

Ademais, a prevalência da vontade dos credores quando da aprovação do plano de recuperação é indiscutível, de sorte que não cabe ao Poder Judiciário dispor e estabelecer regramentos quanto às questões de mérito do plano recuperatório.

No que tange à prevalência das decisões da Assembleia Geral de Credores quanto à apreciação do Plano de Recuperação Judicial, é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a seguir transcrita:

DIREITO EMPRESARIAL. PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. APROVAÇÃO EM ASSEMBLEIA. CONTROLE DE LEGALIDADE. VIABILIDADE ECONÔMICO-FINANCEIRA. CONTROLE JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. Cumpridas as exigências legais, o juiz deve conceder a recuperação judicial do devedor cujo plano tenha sido aprovado em assembleia (art.58, caput, da Lei n. 11.101/2005), não lhe sendo dado se imiscuir no aspecto da viabilidade econômica da empresa, uma vez que tal questão é de exclusiva apreciação assemblear. 2. O magistrado deve exercer o controle de legalidade do plano de recuperação - no que se insere o repúdio à fraude e ao abuso de direito -, mas não o controle de sua viabilidade econômica. Nesse sentido, Enunciados n. 44 e 46 da I Jornada de Direito Comercial CJF/STJ. 3. Recurso especial não provido. (REsp 1359311/SP[1], Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 09/09/2014, DJe 30/09/2014).

A esse respeito, é oportuno trazer à baila a lição de Scalzilli, Spinelli e Tellechea2, a seguir:

As regras de votação do plano de recuperação judicial são (...): havendo voto favorável da maioria dos credores em cada uma das classes do art. 41, na forma do art. 45, o plano estará aprovado, não sendo facultado ao juiz apreciar o mérito da decisão tomada, inclusive no que pertine à viabilidade econômico-financeira da empresa recuperanda.

Por outro lado, de acordo com os arts. 56, § 4º e 73, IV, rejeitado o plano pela assembleia, o juiz deve decretar a falência do devedor (salvo a hipótese de cram down abaixo examinada). Vale destacar que essa regra já foi mitigada pela jurisprudência na recuperação judicial da Parmalat, caso em que o TJSP, em atenção ao princípio da preservação da empresa, autorizou o devedor a apresentar plano alternativo para ser novamente submetido à assembleia.

Ainda, leciona o insigne professor Fábio Ulhoa Coelho3, acerca da prevalência das decisões da Assembleia Geral de Credores, o que segue colacionado:

O procedimento da recuperação judicial, no direito brasileiro, visa criar um ambiente favorável à negociação entre o devedor em crise e seus credores. O ato do procedimento judicial em que privilegiadamente se percebe o objetivo da ambientação favorável ao acordo é, sem dúvida, a assembleia dos credores. Por esta razão, a deliberação assemblear não pode ser alterada ou questionada pelo Judiciário, a não ser em casos excepcionais como a hipótese do art. 58, § 1º, ou a demonstração de abuso de direito de credor em condições formais de rejeitar, sem fundamentos, o plano articulado pelo devedor.

Por outro lado, o Magistrado está autorizado a proceder o controle de legalidade do plano de recuperação judicial, mesmo que aprovado pela assembleia geral. O Magistrado detém tal poder, pois nem mesmo a decisão assemblear pode se sobrepor aos termos da lei.

A decisão agravada foi proferida nos seguintes termos:

Vistos.

1 - Das objeções ao Plano de Recuperação Judicial (PRJ) apresentadas pelo credor Bradesco

Realizada a Assembleia Geral de Credores na data de 10/11/2021 (Evento 50), houve a aprovação, pelos credores, do PRJ apresentado pelas empresas recuperandas; todavia, foram feitas duas ressalvas pelo Banco Bradesco (evento 250, ATA2, pg. 5), que devem ser analisadas.

Pois bem.

Primeiramente cumpre referir que, no processo de Recuperação Judicial, é dever das partes fiscalizar o plano de recuperação judicial, devendo o juiz analisar e controlar o processo para que o PRJ não prossiga em desconformidade com a Lei.

No entanto, no que diz com as irregularidades apontadas pelo credor, compartilho do entendimento do Ministério Público no sentido de que não são suficientes ao ponto de causar nulidade da assembleia geral de credores, devendo haver ressalvas ao plano de recuperação judicial aprovado quando da sua homologação.

A fim de evitar desnecessária tautologia, adoto o parecer do Ministério Público como razões de decidir:

Ainda que a fase de objeções ao Plano de Recuperação Judicial já tenha sido superada (ela se dá antes da Assembleia Geral de Credores, nos termos do art. 55 da Lei nº 11.101/2005), é viável a discussão do que resultou aprovado na Assembleia Geral de Credores, como salienta Gladston Mamede:

“Em oposição, se os credores aprovaram o plano de recuperação judicial, desde que nele não haja ilegalidade, como o tratamento prejudicial a determinado credor ou classe de credores, sem a respectiva anuência, caracterizando transação judicial, o juiz não poderá recusá-la, por igual motivo.”1

Posição esta reforçada por Fábio Ulhôa Coelho:

“Pela lei brasileira, os juízes, em tese, não poderim deixar de homologar os planos aprovados pela Assembleia dos Credores, quando alcançado o quórum qualificado da lei. Ma, como a aprovação de planos inconsistentes levará à desmoralização do instituto, entendo que, sendo o instrumento aprovado um blá-blá-blá inconsistente, o juiz poderá deixar de homologá-lo e incumbir o administrador judicial, por exemplo, de procurar construir com o devedor e os credores mais interessados um plano alternativo.”2

Nos dizeres de Ronaldo Vasconcelos:

“Como cediço, o plano de...

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