Acórdão nº 52507932920218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 10-02-2022

Data de Julgamento10 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualHabeas Corpus
Número do processo52507932920218217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001645153
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Habeas Corpus (Câmara) Nº 5250793-29.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATOR: Desembargador HONORIO GONCALVES DA SILVA NETO

PACIENTE/IMPETRANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

IMPETRADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em prol de LUCAS CANDELONE DA SILVA, preso preventivamente, acusado da prática do delito de tráfico de drogas.

Alega, preliminarmente, violação de domicílio. No mérito, em síntese, constrangimento ilegal em decorrência da ausência dos requisitos da prisão preventiva. Refere que a decisão que decretou a medida não trouxe fundamento concreto apto a justificar-lhe a necessidade. Menciona condições pessoais favoráveis do paciente, apontando ser primário. Sustenta a possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas. Ao final, requer a concessão da ordem para que seja o paciente posto em liberdade.

Indeferida a liminar e dispensadas as informações, manifestou-se o Ministério Público pela denegação da ordem.

VOTO

Registro, por primeiro, que a prisão processual não produz afronta ao regramento constitucional - onde encontra recepção -, tampouco constitui cumprimento antecipado de pena, porquanto guarda estrita relação com a cautelar necessidade de recolhimento do agente, como forma de garantir a ordem pública, viabilizar o regular desenvolvimento do processo ou assegurar cumprimento de eventual condenação. E não traz qualquer ofensa ao princípio da presunção da inocência, mormente ante o disposto no art. 312 do Código de Processo Penal cuja essência - proteção da sociedade – constitui objetivo preponderante no Estado Democrático.

E a questão atinente ao envolvimento - ou não - do paciente com o crime que lhe é imputado, ventilada pelo impetrante, não é passível de exame na via estreita do habeas corpus, de sumária cognição, merecendo registro que, no caso vertente, os suficientes indícios de autoria encontram-se consubstanciados nas declarações prestadas pelos policiais responsáveis pelo flagrante e por usuário.

Anote-se, por segundo, que, tendo em seu poder o paciente a substância entorpecente, como delito de que trata o art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, é de natureza permanente, encontrava-se, sim, presente a situação de flagrância, com o que a ação policial não demandava prévia obtenção de mandado de busca, estando autorizados os agentes ao ingresso na residência, sem autorização do morador.

Nesse sentido, recente manifestação do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS COUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. NULIDADE DA PROVA. INOCORRÊNCIA. CRIME PERMANENTE (ART. 303, CPP). ALEGAÇÃO DE FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA DO DECRETO PRISIONAL. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. FUNDADO RECEIO DE REITERAÇÃO DELITIVA. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA EM RAZÃO DA PANDEMIA DA COVID-19. AGRAVANTE NÃO INTEGRA GRUPO DE RISCO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. NÃO CABIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I – A segregação cautelar deve ser considerada exceção, já que tal medida constritiva só se justifica caso demonstrada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal. II – O estado flagrancial do delito de tráfico consubstancia uma das exceções àquele direito previsto no inc. XI do art. 5º da Constituição Federal, sendo permitida a entrada em domicílio independentemente do horário ou da existência de mandado, não havendo se falar, pois, em eventual ilegalidade no fato de os policiais terem adentrado na residência do paciente, pois o mandado de busca e apreensão é dispensável em tais hipóteses. Aliás, é o que está disposto no art. 303 do Código de Processo Penal, segundo o qual, “nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência”. III – Na hipótese, o decreto prisional encontra-se devidamente fundamentado em dados concretos extraídos dos autos, para a garantia da ordem pública, notadamente em razão de o paciente ostentar registros criminais, tendo o d. juízo processante destacado a “reincidência específica do autuado”, o que revela a probabilidade de repetição de condutas tidas por delituosas e justifica a imposição da segregação cautelar ante o fundado receio de reiteração delitiva, somado à apreensão de 18,2 gramas de crack, e 11,5 gramas de maconha, circunstâncias indicativas de um maior desvalor da conduta em tese perpetrada, bem como da periculosidade concreta do agente, a revelar a indispensabilidade da imposição da prisão preventiva na hipótese. (Precedentes). IV – No que concerne à alegação de que deve ser revogada a prisão preventiva, em razão da pandemia da COVID-19, consoante destacado pelo eg. Tribunal a quo, não há nos autos comprovação de que o ora paciente possua debilidade extrema que lhe reduza a imunidade, colocando-o no grupo de risco, tampouco comprovou que a instituição em que se encontra detido não possua condições de lhe prestar a devida assistência médica, caso necessário. Concluir em sentido contrário, contudo, demandaria extenso revolvimento fático-probatório, procedimento vedado nesta via recursal. V – Não é cabível a aplicação das medidas cautelares alternativas à prisão, in casu, haja vista estarem presentes os requisitos para a decretação da prisão preventiva, consoante determina o art. 282, § 6º, do Código de Processo Penal. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC 597.421/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 06/10/2020, DJe 26/10/2020)

Mais, nos termos da norma constitucional tida por violada1, a situação retratada nos autos situa-se nas exceções nela contempladas, consoante arestos emanados pelo Supremo Tribunal Federal2 e também pelo Superior Tribunal de Justiça3, pois os depoimentos prestados pelos agentes policiais na fase das indagações apontam para o fato de que somente adentraram no imóvel onde efetivada a prisão em flagrante porque, após receberem diversas denúncias da ocorrência de tráfico de drogas, dirigiram-se ao local indicado e abordaram, saindo da residência (conhecido ponto de venda de entorpecentes), o usuário Tiago que informou ter adquirido uma pedra de crack, pela quantia de vinte reais, de um indivíduo de alcunha "Índio", identificado como sendo paciente.

Realizada revista na residência, onde estavam o paciente e Djonatan, foram apreendidas vinte e três pedras de crack, pesando aproximadamente 6,72 gramas; três porções de cocaína, pesando aproximadamente 6,97 gramas; e a importância de R$84,00, fracionada em notas diversas.

Nesse contexto, recebidos os autos (5002375-60.2021.8.21.0043/RS), a autoridade inquinada de coatora homologou o flagrante e, com requerimento do Ministério Público, converteu a prisão em flagrante de LUCAS CANDELONE DA SILVA em preventiva (EVENTO 09), na forma do artigo 310, inciso II, do Código de Processo Penal, em decisão que traz adequada fundamentação, fazendo alusão às circunstâncias que envolveram a prática do crime e trazendo argumentos plausíveis para a implementação da medida, como forma de garantia da ordem pública, verbis:

Trata-se de prisão em flagrante de LUCAS CANDELONE DA SILVA, RG 4117423949, CPF 03360934032, nascido em 23/06/1995, cadastrada no eproc sob número 5002375-60.2021.8.21.0043, IPL 008779/2021-151509 como incurso no crime do art. 33 da Lei de Drogas. A autoridade policial representou pela conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva de Lucas Candelone da Silva (evento1out1, pag.29).

Intimado, o Ministério Público manifestou-se pela homologação do auto de prisão em flagrante de LUCAS CANDELONE DA SILVA e pela conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, forte nos arts. 312 e 313, inciso I, do Código de Processo Penal.

Intimada, a Defensoria Pública manifestou-se pela não homologação do flagrante e o imediato relaxamento da prisão; subsidiariamente, pela concessão da LIBERDADE PROVISÓRIA ao flagrado, com a determinação de sua imediata soltura; Ainda subsidiariamente, pela aplicação de uma das medidas alternativas do art. 319 do Código de Processo Penal em substituição à prisão cautelar.

Foi o breve relato. Passo a decidir.

Preliminarmente: Da ausência de audiência de custódia

Em que pese a exigência legal de realização de audiência de custódia, conforme a redação atual do artigo 310 do CPP, dada pela Lei 13.964/2019, tal ato se mostra inviável no plano fático neste momento, uma vez que o flagrante ocorreu no final de semana, momento em que não há expediente forense e o presídio consta com pessoal reduzido, sem possibilidade de realizar o deslocamento para o fórum ou ceder sala para realização de audiência virtual, assim como em razão das excepcionais medidas adotadas para contenção da pandemia do coronavírus.

Ainda, não se desconhece que a Resolução nº 357/2020 passou a admitir a realização por videoconferência das audiências de custódia previstas nos artigos 287 e 310, do Código de Processo Penal, quando não for possível a realização, em 24 horas, de forma presencial.

Ocorre que, conforme cediço, no Estado do Rio Grande do Sul não é possível a realização da audiência de custódia nos finais de semana por ausência de efetivo da SUSEPE e ausência de segurança nos fóruns ou de efetivo policial suficiente para realização da audiência, seja na forma física, seja na forma virtual.

Também não se desconhece as diretrizes contidas na Recomendação 68/2020 do CNJ, que acrescentou o art. 8º-A à Recomendação 62/2020, fornecendo alternativas diante da não realização...

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