Acórdão nº 52519027820218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo52519027820218217000
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001690178
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5251902-78.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Evasão Escolar

RELATORA: Desembargadora LUCIA DE FATIMA CERVEIRA

AGRAVANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL em face da decisão proferida nos autos da ação civil pública que lhe move o MINISTÉRIO PÚBLICO, que assim dispôs:

"...

Nessas circunstâncias, presentes os requisitos dos arts. 300 e 497, ambos do CPC, DEFIRO os pedidos liminares para determinar que o Estado do Rio Grande do Sul, retome no prazo de 30 dias, as obras necessárias para o retorno das atividades do IEE Borges do Canto, situado em Palmeira das Missções, sob pena da fixação d emulta diária de R$ 1.000,00 (mil reais).

Determino, ainda, que a conclusão das obras deverá ocorrer no prazo máximo de 180 (cento e oitenta dias), contados do reinício, comprovando a regularidade das instalações mediante laudo técnico emitido por engenheiro elétrico com ART, sob pena de fixação de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais).

A Escola IEE Borges do Canto deverá ser mantida fechada ao uso até a conclusão das obras com emissão de laudo técnico que ateste a regularidade das instalações.

Por fim, determino que enquanto perdurar a obra, deverá ser mantido o funcionamento das atividades da escola em local adequado sem riscos à saúde dos estudantes, professores, usuários.

..."

Em suas razões, alega que a fixação da multa, ainda mais sem prazo de consolidação, é ato extremamente oneroso, e que em nada contribui para a obtenção do resultado prático do processo. Diz que a multa apenas impõe mais ônus ao Estado e obstaculiza o cumprimento da decisão, na medida que verba que poderia ser empregada na realização da obra ou em outra atividade indispensável à coletividade, mas é destinada à outra finalidade. Afirma que a Fazenda Pública não está inerte na adoção das medidas necessárias à conclusão das obras de reparos elétricos no Instituto Estadual de Educação Borges do Canto, tanto é que realizou a abertura de expediente administrativo que está em trâmite, inclusive com ordem de início de serviço assinada pelo Secretário e pela Diretora da Secretaria de Obras, conforme se percebe dos documentos anexos. Menciona que a fixação de multa diária é inadequada para a hipótese trazida aos autos, uma vez que o Estado vem adotando todas as medidas necessárias e cabíveis ao cumprimento da decisão. Refere que a materialização de decisões relevantes como a do caso em tela depende de uma pluralidade de agentes e secretarias, tornando difusa a responsabilidade pelo seu cumprimento. Alega que, devidamente comunicados os órgãos administrativos, estes se encontram em ação para o cumprimento da ordem judicial, dependendo agora, contudo, da observância das formalidades constitucionais e legais para a contratação e execução das obras, parâmetros a que os gestores igualmente se encontram submetidos. Afirma que já foi emitida a ordem de início de serviço assinada pelo Secretário e pela Diretora da Secretaria de Obras, verificando-se, também, a inexistência de prejuízo aos alunos, tendo em vista que eles estão sendo atendidos em outra instituição educacional que passou pelas reformas necessárias. Assevera que todas as medidas demonstram que o Estado vem empregando os esforços necessários à conclusão das obras, o que independe do trâmite da presente ação civil pública, sendo irrazoável a oneração por meio da imposição de multa diária, a qual, repita-se, não é medida adequada para promover a celeridade ou o cumprimento imediato da decisão, visto que o atendimento depende da obediência às formalidades constitucionais e legais para a contratação e execução das obras, em atenção aos princípios que regem à Administração Pública, em especial ao princípio da legalidade. Requer a concessão de efeito suspensivo, com o afastamento da multa diária, ou, alternativamente, caso mantida a cominação de astreintes, a redução e fixação de prazo para consolidação, em face dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Subsidiariamente, pugna pelo deferimento da reserva do valor da multa e da destinação para fins de aplicação nas obras decorrentes do cumprimento da decisão judicial nos presentes autos.

O pedido de efeito suspensivo foi indeferido.

Apresentadas as contrarrazões, manifesta-se o Ministério Público pelo desprovimento do recurso.

Vêm os autos para julgamento.

Observados os artigos 931 e 934 do CPC.

É o relatório.

VOTO

Em verdade, a matéria foi esgotada quando da apreciação do pedido de efeito suspensivo, razão pela qual, a fim de evitar inútil tautologia, passo à transcrição da referida decisão:

"Decido.

Sabidamente, o art. 1.019, inciso I, do CPC/15, permite ao relator atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão, nos casos em que efeitos da decisão possam causar risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso, nos termos do parágrafo único do art. 995 do mesmo diploma.

Analisando os autos, não me parece ser esta a situação presente.

In casu, a ação civil pública foi ajuizada em razão do inquérito civil nº 01136.001.153/2020, instaurado em 30/04/2018, no âmbito da Promotoria Regional de Educação de Passo Fundo, com o fito de averiguar problemas na rede elétrica e estrutural do Instituto Estadual de Educação Borges do Canto, situado no município de Palmeira das Missões/RS.

Conforme se observa dos autos, as obras a serem realizadas na escola datam do ano de 2018 e, até o momento, não foram concluídas. Houve a necessidade de transferência dos alunos para outros estabelecimentos, causando transtorno para as famílias. A Universidade de Passo Fundo fica fora do zoneamento da escola, não sendo as instalações adequadas aos alunos, já que não possui banheiros adequados para os alunos menores, pracinha, sendo que a biblioteca não dispõe de espaço para pesquisa, e não há pátio aberto.

Em que pese o Estado tenha enfrentado inúmeros problemas, inclusive em razão da Pandemia da COVID-19, o fato é que apenas cerca de 64% da obra foi concluída, havendo necessidade de refazimento de parte disso.

Ao que se observa dos autos, houve negligência do ente público, tendo em vista que a necessidade de reforma data de 2018, tendo sido a escola interditada naquele ano.

Conforme referiu o decisor de origem é inadmissível que a Administração Pública leve tanto tempo para resolver um problema que afeta toda a comunidade escolar de um educandário!

Quanto à multa, importa destacar que a imposição pelo descumprimento da obrigação fixada é medida cabível.

Com efeito, a multa tem por objetivo dar efetividade à própria decisão judicial, sendo medida coercitiva para compelir a parte ré ao cumprimento da decisão exarada.

Acerca da fixação de multa diária em caso de descumprimento de obrigação de fazer, dispõem os artigos 536 e 537 do Código de Processo Civil:


Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias à satisfação do exequente.
§ 1o Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial.

§ 2o O mandado de busca e apreensão de pessoas e coisas será cumprido por 2 (dois) oficiais de justiça, observando-se o disposto no art. 846, §§ 1o a 4o, se houver necessidade de arrombamento.

(...)


Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.
§ 1o O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:
I - se tornou insuficiente ou excessiva;
II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.

§ 2o O valor da multa será devido ao exequente.

§ 3º A decisão que fixa a multa é passível de cumprimento provisório, devendo ser depositada em juízo, permitido o levantamento do valor após o trânsito em julgado da sentença favorável à parte.
(Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016) (Vigência)
§ 4o A multa será devida desde o dia em que se configurar o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não for cumprida a decisão que a tiver cominado.

§ 5o O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional.

Aliás, o Superior Tribunal de Justiça já sedimentou o entendimento no sentido da possibilidade de aplicação de penalidade pecuniária à Fazenda Pública em face do descumprimento de obrigação de fazer, conforme Recurso Especial nº 1474665/RS, representativo de controvérsia:


PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC/1973. AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PARA O TRATAMENTO DE MOLÉSTIA. IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA (ASTREINTES) COMO MEIO DE COMPELIR O DEVEDOR A ADIMPLIR A OBRIGAÇÃO. FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. INTERETAÇÃO DO CONTEÚDO NORMATIVO INSERTO NO § 5º DO ART. 461 DO CPC/1973. DIREITO À...

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