Acórdão nº 52521183920218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 25-05-2022

Data de Julgamento25 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo52521183920218217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002048065
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5252118-39.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Consulta

RELATORA: Desembargadora LAURA LOUZADA JACCOTTET

AGRAVANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

AGRAVADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE, nos autos da ação ajuizada por MIGUEL PAIVA PASSOS, menor impúbere, representado por sua genitora NARA SIMONE KLEMBERG PAIVA PASSOS, em desfavor do ente municipal e do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, da decisão que deferiu o pedido de tutela de urgência.

Em suas razões, aduziu a aplicação do Tema 793 do Supremo Tribunal Federal, pois a rede pública não ofereceria tratamento de musicoterapia e terapia comportamental com método ABA/ TEACCH, o que atrairia a competência da União e o deslocamento do processo para a Justiça Federal. Colacionou julgados. No mérito, alegou que incumbiria à parte autora a demonstração da imprescindibilidade dos procedimentos pleiteados, visto que se demandariam utilização contínua e teriam alto custo. Apontou que inexistiria razão para fornecimento do tratamento requerido quando o SUS disponibilizaria opções efetivas e eficazes para o diagnóstico da parte autora. Acrescentou a impossibilidade da ordem cronológica dos atendimentos via rede pública. Nesses termos, liminarmente, pediu a atribuição de efeito suspensivo ao recurso e, no mérito, o provimento do recurso.

Foi indeferido o pedido de efeito suspensivo e, de ofício, determinado fosse oportunizado à parte autora, na origem, emendar a petição inicial.

Foram apresentadas contrarrazões.

O Parquet manifestou-se pelo improvimento do recurso.

Após, vieram os autos conclusos.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, visto que preenchidos os pressupostos de admissibilidade, e passo à sua analise.

Não havendo nos autos qualquer alteração no cenário constatado na decisão que indeferiu o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso, peço vênia para me apropriar dela, adotando-a como razões de decidir nesta oportunidade.

MIGUEL PAIVA PASSOS, nascido em 22/04/2015, representado por sua genitora, NARA SIMONE KLEMBERG PAIVA PASSOS, ajuizou ação em face do MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE e do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL narrando ter sido diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista grave (CID10 F84.0) e retardo do desenvolvimento fisiológico normal (CID10 R52), pelo que necessitaria de tratamento multidisciplinar em fonoaudiologia, terapia ocupacional de integração sensorial, 2 vezes por semana cada, psicologia, psicopedagogia, musicoterapia, 1 vez por semana cada, e terapia comportamental com método ABA/TEACCH, 20 horas semanais/5 vezes por semana.

O juízo de origem assim se manifestou:

[...].

Portanto, demonstrada a probabilidade do direito e o perigo de dano, defiro a tutela antecipatória de urgência para determinar que os requeridos forneçam à criança, enquanto ela necessitar, os atendimentos de FONOAUDIOLOGIA, TERAPIA OCUPACIONAL DE INTEGRAÇÃO SENSORIAL, 2 vezes por semana cada, PSICOLOGIA, PSICOPEDAGOGIA, MUSICOTERAPIA, 1 vez por semana cada e TERAPIA COMPORTAMENTAL COM MÉTODO ABA/TEACCH, 20 Horas Semanais/ 5 Vezes Por Semana, no prazo de 10 dias, sob pena de bloqueio.

Importante registrar que o Município informou na petição juntada no evento 10 que "Não há disponível na rede pública terapia ocupacional de integração sensorial, terapia comportamental com método ABA/TEACCH, musicoterapia e psicopedagogia", ou seja, fornece os tratamentos de fonoaudiologia e psicologia.

Logo, deverá a parte autora juntar 03 orçamentos dos tratamentos deferidos, devendo conter CNPJ/CPF dos prestadores de serviço e o valor de cada sessão e o total mensal. Prazo: 05 dias.

Transcorrido o prazo, a parte autora deverá informar se obteve êxito ou não na dispensação dos tratamentos, inclusive aqueles disponibilizados pela rede pública, quais sejam, fonoaudiologia e psicologia.

Intimem-se, também, o réu por meio de seus procuradores via sistema eletrônico, com urgência.

Inconformado, o ente público interpôs o presente recurso.

Pois bem.

Nos termos do art. 196 da Constituição Federal, a saúde é direito de todos e dever do Estado, sendo assegurado o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde.

Compete ao Poder Público, independentemente da esfera institucional a que pertença, a responsabilidade de cuidar do sistema de saúde posto à disposição da população, o que permite ao cidadão direcionar a busca por seus direitos a qualquer dos entes públicos. Dessa forma, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios detêm competência comum, em matéria administrativa, para cuidar da saúde e assistência pública, consoante dispõe o art. 23, inciso II, da Constituição Federal, inexistindo ordem na busca dos serviços e ações.

No que tange ao funcionamento do SUS, vale destacar que há responsabilidade solidária dos entes federativos, detendo, todos, legitimidade passiva para figurar no polo passivo de ações que versem sobre os serviços e ações de saúde. Os entes públicos possuem o dever de fornecer os meios indispensáveis à promoção da saúde, direito social assegurado pela Constituição Federal, não se podendo isentar da obrigação que lhe cabe.

Nessa moldura, o entendimento dantes adotado por este Órgão Fracionário frente ao julgamento do Tema 793 do Supremo Tribunal Federal mantinha a interpretação da responsabilidade solidária entre os entes federativos em litisconsórcio passivo facultativo, considerando-se desnecessária a inclusão da União nos casos em que o medicamento não constasse das listas do SUS.

Todavia, dia após dia estão surgindo novos julgamentos monocráticos da Corte Suprema, demonstrando que não houve tão simplesmente a reafirmação da responsabilidade solidária como até então empregada, mas espécie híbrida, na medida em que se exige a presença obrigatória da União nas ações em que seja requerido tratamento/medicamento que não faça parte das listas do SUS. Em outros termos, caracterizado o litisconsórcio passivo necessário, em tal hipótese.

A tese, em realidade, permanece com o mesmo enunciado: "Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro”.

Entretanto, houve inegável atualização quanto à interpretação dada à tese e, por consectário, mudança de posicionamento do Supremo Tribunal Federal quanto à matéria, havida por ocasião do julgamento dos Embargos Declaratórios no referido Tema 793.

O chamado "desenvolvimento da tese da solidariedade" deu-se do seguinte modo, segundo o relator, Ministro Edson Fachin:

[...].

3) Quanto ao desenvolvimento da tese da solidariedade enuncia-se o seguinte:

I) A obrigação a que se relaciona a reconhecida responsabilidade solidária é a decorrente da competência material comum prevista no artigo 23, II, CF, de prestar saúde, em sentido lato, ou seja: de promover, em seu âmbito de atuação, as ações sanitárias que lhe forem destinadas, por meio de critérios de hierarquização e descentralização (arts. 196 e ss.CF);

II) Afirmar que “o polo passivo pode ser composto por qualquer um deles (entes), isoladamente ou conjuntamente” significa que o usuário, nos termos da Constituição (arts. 196e ss.) e da legislação pertinente (sobretudo a lei orgânica do SUS n. 8.080/90) tem direito a uma prestação solidária, nada obstante cada ente tenha o dever de responder por prestações específicas;

III) Ainda que as normas de regência (Lei 8.080/90 e alterações, Decreto 7.508/11, e as pactuações realizadas na Comissão Intergestores Tripartite) imputem expressamente a determinado ente a responsabilidade principal (de financiar a aquisição) pela prestação pleiteada, é lícito à parte incluir outro ente no polo passivo, como responsável pela obrigação, para ampliar sua garantia, como decorrência da adoção da tese da solidariedade pelo dever geral de prestar saúde;

IV) Se o ente legalmente responsável pelo financiamento da obrigação principal não compuser o polo passivo da relação jurídico processual, compete a autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro, sem prejuízo do redirecionamento em caso de descumprimento;

V) Se a pretensão veicular pedido de tratamento, procedimento, material ou medicamento não incluído nas políticas públicas (em todas as suas hipóteses), a União necessariamente comporá o polo passivo, considerando que o Ministério da Saúde detém competência para a incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos, procedimentos, bem como constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica (art. 19-Q, Lei 8.080/90), de modo que recai sobre ela o dever de indicar o motivo da não padronização e eventualmente iniciar o procedimento de análise de inclusão, nos termos da fundamentação;

VI) A dispensa judicial de medicamentos, materiais, procedimentos e tratamentos pressupõe ausência ou ineficácia da prestação administrativa e a comprovada necessidade, observando, para tanto, os parâmetros definidos no artigo 28 do Decreto Federal n. 7.508/11. Grifei.

Com efeito, denota-se, de plano, que não se está diante de hipótese de reconhecimento de ilegitimidade passiva do ente público, porquanto mesmo que a responsabilidade pela dispensação, à vista da forma como regrada a repartição das obrigações entre os entes...

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