Acórdão nº 52540688320218217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 27-04-2022

Data de Julgamento27 Abril 2022
ÓrgãoQuinta Câmara Cível
Classe processualAgravo de Instrumento
Número do processo52540688320218217000
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002012822
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Agravo de Instrumento Nº 5254068-83.2021.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Fornecimento de medicamentos

RELATORA: Desembargadora LUSMARY FATIMA TURELLY DA SILVA

AGRAVANTE: BRADESCO SAUDE S/A

AGRAVADO: RENATA SABIO DOS SANTOS

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por BRADESCO SAUDE S/A, nos autos desta ação que lhe move RENATA SABIO DOS SANTOS, contra a decisão interlocutória referente ao Evento 3, que deferiu a tutela provisória postulada, nos seguintes termos:

R.h.

1. Defiro o benefício da AJG a parte demandante em função da sua renda mensal comprovada conforme os documentos acostados (evento 1 - DECLPOBRE4, DECL5 e DECL6).

2. Quanto ao pedido de liminar, entendo na sua concessão na espécie de tutela de urgência.

Para tanto, aponto que há comprovação de que a demandante padece da doença grave (LAUDO 15), sendo beneficiária de seguro de saúde junto a ré (documento 4 - evento 1), a qual, inclusive já cobriu tratamento da doença que lhe acomete.

De outro lado, aponto que a negativa de cobertura deriva da observação constante do documento OUT14 - evento 1, a qual, por sua origem, discute a correção do tratamento recomendado pelo médico da demandante, situação que consagra a probabilidade do direito alegado.

No ponto, fixo que a há indicação médica expressa no sentido de que seja implementado o tratamento na autora com o medicamento denominado Midostaurina, o qual, pelas condições pessoais da paciente (contraindicação de tratamento mais conservador), permite a concretização do requisito do art.300 do CPC, conforme relatórios médicos acostados (LAUDO 15 e 16 - evento 1).

No mais, em função da doença sofrida pela demandante e os efeitos que ausente do tratamento encerra, cabível a concessão da liminar, pena de perigo de dano ou resultado útil do processo.

FACE AO EXPOSTO, DEFIRO a liminar postulada para determinar que a ré forneça a demandante o medicamento na forma da prescrição acostada na inicial, bem como os custos e despesas necessárias para a sua implementação, no prazo de 72 horas, pena da incidência de multa diária que fixo em R$.5.000,00, montante limitado ao valor de R$.150.000,00, por ora.

Intime-se a demandada para o cumprimento da medida por via eletrônica (caso cadastrada como entidade no sistema) ou, caso negativo, com expedição de ofício a ser encaminhado pela demandante através do meios mais célere.

Cumpra-se a medida com urgência.

Recebo a presente, deixando de realizar audiência prévia de conciliação e/ou mediação apesar da manifestação de interesse da parte autora, eis que suspenso o envio de conciliadores/mediadores conforme ofício do Cejusc local a partir do dia 02/07/2019 (Ofício 04/2019 – Nupemec/TJRGS), o que impede a realização do ato pelo juiz na forma do disposto no art.334, § 1 º, do CPC, sem prejuízo de que, após o decurso do prazo de resposta, caso persista interesse das partes na diligência, possa o juízo designar audiência de conciliação para tal fim.

Cite-se a parte ré para, querendo, apresentar contestação no prazo de 15 dias, contados da juntada do mandado ou aviso de recebimento da carta aos autos (art. 231, I e II, do NCPC).

Não havendo contestação no prazo supra, a parte ré será considerada revel e presumidas verdadeiras as alegações de fato formuladas pela parte autora na inicial, cuja cópia deverá instruir o mandado/carta de citação.

Do mandado deverá constar que eventual interesse na realização da audiência de conciliação deverá ser informado ao juízo com a contestação.

Dil.legais.

Em razões recursais, a parte ré sustenta que o contrato pactuado entre as partes encontra-se vinculado ao Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS. Refere que a autora possui "leucemia mielóide agura pós TMO sem mutação de FLT3". Aduz o uso off label do medicamento postulado, sem comprovação de eficácia e segurança. Pontua que o exame genético realizado pela autora não detectou a mutação FLT3, o que alega afastar a indicação do fármaco na bula. Defende que se trata de uso experimental, não havendo falar em obrigatoriedade de cobertura. Cita o art. 10, I, da Lei nº 9.656/98, bem como a cláusula 5ª do instrumento contratual. Aponta a inexistência da probabilidade do direito alegado pela demandante. Assevera a irreversibilidade dos efeitos da decisão. Pondera, caso mantida a decisão agravada, a necessidade de prestação de caução idônea. Discorre acerca da regularidade do pacto celebrado. Pede a concessão de efeito suspensivo. Requer o provimento do recurso.

Recebido o recurso, foi indeferido o pedido de efeito suspensivo (Evento 6).

Sobrevieram contrarrazões (Evento 12).

Junto ao Evento 13, postulou a agravada a condenação da parte agravante nas penas por litigância de má-fé.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso deve ser conhecido, eis que preenchidos os requisitos de admissibilidade, nos termos da decisão que realizou o seu recebimento.

Consoante a redação do artigo 300, caput, do Código de Processo Civil, para a concessão de tutela de urgência, mostra-se necessária a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Inicialmente, cumpre referir que não há mais dúvida quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de seguros e de planos de saúde1. Trata-se de entendimento sumulado pelo e. STJ que, em 2010, editou a Súmula n. 469, que assim dispõe: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”. Observo que o entendimento foi mantido com a edição da Súmula n. 608 do e. STJ2, a qual cancelou a anterior, tendo a última apenas criado exceção para os casos dos planos de autogestão.

Dessa forma, tornou-se clara a identificação das seguradoras ou operadoras de planos de saúde como fornecedoras de serviço e do beneficiário (segurado) como destinatário final (consumidor), nos termos do que dispõem os artigos 2º, “caput”3, e 3º, §2º4, da legislação consumerista.

Com efeito, os contratos de seguro e planos de assistência à saúde devem se submeter às regras constantes na legislação consumerista, para evitar eventual desequilíbrio entre as partes, considerando a hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor; bem como manter a base do negócio a fim de permitir a continuidade da relação no tempo.

Destarte, estando os contratos submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor, aplica-se, dentre outras, as seguintes regras: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor” (art. 47 do CDC). E, considerar-se-ão abusivas, as que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada; sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor e as que se mostrem exageradas, como as excessivamente onerosas ao consumidor, as que restrinjam direitos ou ofendam princípios fundamentais do sistema (art. 51, incisos IV e XV e § 1º, incisos, I, II e III, do CDC).

Aliás, com relação à aplicação do CDC nos planos de saúde, a lição de Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem5:

“O reconhecimento da aplicação do Código do Consumidor implica subordinar os contratos aos direitos básicos do consumidor, previsto no art. 6º do Código. Daí porque o STJ tenha superado as discussões dogmáticas sobre a natureza do contrato, como seguro ou plano, e tem decidido impor a este importante tipo contratual de consumo de massa uma boa-fé extremamente qualificada, exigindo de todos os fornecedores (operadoras, seguradoras e outros), o cumprimento do dever de informação, cooperação e cuidado. (…) se de um lado é certo que a necessidade de manter equilíbrio econômico-atuarial do contrato, em vista da previsão de riscos e probabilidades, e a respectiva sustentabilidade econômica que lhe assegure – tema que pertence à expertise do fornecedor - também é correto determinar a estes contratos uma interpretação conforme à boa-fé e sempre a favor do consumidor.”

No mesmo sentido, a jurisprudência desta colenda Câmara (com meus grifos):

APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPETIÇÃO DE VALORES. APOSENTADORIA. RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. MANUTENÇÃO DO BENEFICIÁRIO NO PLANO. ARTIGO 31 DA LEI N.º 9.656/98. PLANO ESPECÍFICO PARA INATIVOS. POSSIBILIDADE. 1. Os contratos de planos de saúde estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos do artigo 35 da Lei 9.656/98, pois envolvem típica relação de consumo. Súmula 608 do STJ. Assim, incide, na espécie, o artigo 47 do CDC, que determina a interpretação das cláusulas contratuais de maneira mais favorável ao consumidor. 2. É possível a manutenção do titular e seus dependentes por prazo indeterminado nos contratos de plano de saúde firmado por empresa em que o titular tenha trabalhado, desde que assuma o pagamento integral das mensalidades, exegese do art. 31 da Lei nº 9.656/98. 3. Hipótese de inclusão do autor em plano específico para inativos, com manutenção das condições de cobertura, porém com diferentes critérios para estabelecimento do valor das mensalidades. Possibilidade, nos termos da RN 279 da ANS. Precedentes. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível, Nº 70083529487, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em: 27-05-2020)

APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. REALIZAÇÃO DE TRATAMENTO CONSIDERADO EXPERIMENTAL. MEDICAMENTO OFF LABEL. COBERTURA DEVIDA. 1. Os planos ou seguros de saúde estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor, enquanto relação de consumo atinente ao mercado de prestação de serviços médicos. Isto é o que se extrai da interpretação literal do art. 35 da Lei 9.656/98....

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