Acórdão nº 52554187220228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 24-02-2023

Data de Julgamento24 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualConflito de Jurisdição
Número do processo52554187220228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003167873
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Conflito de Jurisdição (Câmara) Nº 5255418-72.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro de vulnerável CP art. 217-A

RELATOR: Desembargador IVAN LEOMAR BRUXEL

SUSCITANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

SUSCITADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se conflito negativo de competência, em que figura como suscitante o JUÍZO DO JUIZADO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DA COMARCA DE NOVO HAMBURGO e como suscitado o JUÍZO DA 2ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE NOVO HAMBURGO.

Argumenta que, ainda que o delito tenha sido praticado contra uma mulher, em ambiente familiar, este não se enquadra nos parâmetros da Lei 11.340/2006, uma vez que não há demonstração de que a violência sexual foi motivada pelo gênero.

Parecer pela procedência do conflito.

É o relatório.

VOTO

Estas as razões do juízo suscitante (abreviaturas ausentes no original):

Vistos.

Trata-se de ação penal em que denunciado o acusado CLOVIS A.G. pela prática, em tese, do delito de estupro de vulnerável, tendo como vítima JÚLIA V.F.S..

O Inquérito Policial indica que, entre os meses de janeiro de 2013 e janeiro de 2017, o denunciado praticou atos libidinosos diversos da conjunção carnal com a menor, nascida em 13/10/2006, menor de quatorze anos de idade.

A 2ª Vara Criminal desta Comarca declinou a competência deste e dos expedientes de n° 50283416320228210019 e 50255338520228210019 para este JVD, com base na decisão proferida pelo E. STJ (EAREsp n. 2.099.532/RJ, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em 26/10/2022, DJe de 30/11/2022).

Com a devida vênia do colega prolator da decisão, inviável o deslocamento de competência pretendido, uma vez que a hipótese concreta não se enquadra nos parâmetros da Lei 11.340/2006, em que pese tenha sido praticada contra a mulher, no ambiente familiar - já que as partes são padrasto e enteada - não há demonstração de que a violência sexual foi motivada pelo gênero, conforme exigência do art. 5º da referida legislação protetiva, mas pela tenra idade da incapaz, que possuía, a partir do que se extrai da ocorrência policial, menos de quatorze anos quando do início da prática delitiva.

Com isso, afastada a incidência da Lei 11.340/2006, afasta-se, também, a competência deste juizado especializado.

Além disso, conforme Ofício-Circular Nº 35/2018-CGJ, a recomendação é que as ações penais que tenham, como vítima ou testemunha, crianças ou adolescentes, permaneçam com a sua distribuição nas unidades judiciárias que concorram na competência criminal comum, de acordo com o Código de Organização Judiciária do Estado.

Ainda, este é o entendimento do Tribunal de Justiça do RS:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL. SUPOSTA VIOLÊNCIA DO PADRASTO CONTRA ENTEADA. JUIZADO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. COMPETÊNCIA DA VARA CRIMINAL COMUM. A controvérsia diz com crime de estupro de vulnerável, supostamente praticado pelo padrasto contra a enteada de 4 anos de idade. A competência para a apreciação e julgamento de ações penais que tenham como vítima ou testemunha, criança ou adolescente, não é dos Juizados de Violência Doméstica, tampouco do Juizado da Infância e Juventude, mas das Unidades Judiciárias com competência Criminal Comum, conforme orientação da Corregedoria-Geral da Justiça, por meio do Ofício-Circular nº 35/2018. Logo, é do juízo suscitado - Juizado Especial Criminal Adjunto à 4ª Vara Criminal de Canoas - a competência para processo e julgamento do noticiado expediente policial. CONFLITO JULGADO PROCEDENTE, EM DECISÃO MONOCRÁTICA.(Conflito de Competência, Nº 70081226300, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em: 16-04-2019)

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. SUPOSTA PRÁTICA DE CRIMES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR E DE CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL PELO GENITOR CONTRA A FILHA ADOLESCENTE. REQUERIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA ENCAMINHADO PELA AUTORIDADE POLICIAL. DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO JUIZADO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR PARA O JUIZADO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. DESCABIMENTO. COMPETÊNCIA DA VARA CRIMINAL COMUM. A Corregedoria-Geral da Justiça, através do Ofício-Circular nº 35/2018-CGJ, firmou orientação no sentido da manutenção da competência das unidades judiciárias com competência criminal comum para julgamento das ações penais que tenham, como vítima ou testemunha, criança ou adolescente. Destarte, a competência para a apreciação e julgamento de ações penais que tenham como vítima ou testemunha, criança ou adolescente, não é dos Juizados de Violência Doméstica nem do Juizado da Infância e Juventude, mas das unidades judiciárias com competência criminal comum. Precedentes do STJ e TJRS. Competência fixada de ofício.(Conflito de competência, Nº 51006119420228217000, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em: 23-05-2022)

Diante do exposto, suscito conflito negativo de competência determinando a remessa destes autos e dos autos de n° 50283416320228210019 e 50255338520228210019 ao E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

D.L.


Documento assinado eletronicamente por ANDREA HOCH CENNE, Juíza de Direito, em 13/12/2022, às 19:6:26, conforme art. 1º, III, "b", da Lei 11.419/2006. A autenticidade do documento pode ser conferida no site https://eproc1g.tjrs.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, informando o código verificador 10030360471v3 e o código CRC aa893c8a.

E a justificativa do parecer:

No entender deste órgão, assiste razão ao suscitante, uma vez que a situação retratada no feito não atrai a aplicação da Lei Maria da Penha.

Com efeito, a Lei Maria da Penha tem por objetivo a proteção de mulheres em face da violência de gênero, i.e., a violência que lhes é praticada pelo só fato de serem mulheres, em razão de sua percebida inferioridade (não apenas) física frente ao agressor.

Sendo assim, não se depreende que, sempre que se estiver diante de um fato delituoso praticado no âmbito doméstico e/ou familiar contra vítima do sexo feminino, tal contexto atrairá, ipso facto, a aplicação da lei em comento.

In casu, considerando que se trata, na origem, de investigação relativa ao crime de estupro de vulnerável, não obstante o fato de a vítima ser menina e de o crime ter sido praticado, em tese, no âmbito familiar, não há de se falar em aplicação da Lei Maria da Penha, visto...

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