Acórdão nº 52554239420228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 24-02-2023

Data de Julgamento24 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualConflito de Jurisdição
Número do processo52554239420228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003154114
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Conflito de Jurisdição (Câmara) Nº 5255423-94.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro de vulnerável CP art. 217-A

RELATOR: Desembargador IVAN LEOMAR BRUXEL

SUSCITANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

SUSCITADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se conflito negativo de competência, em que figura como suscitante o JUÍZO DO JUIZADO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DA COMARCA DE NOVO HAMBURGO e como suscitado o JUÍZO DA 2ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE NOVO HAMBURGO.

Argumenta que, ainda que o delito tenha sido praticado contra uma mulher, em ambiente familiar, este não se enquadra nos parâmetros da Lei 11.340/2006, uma vez que não há demonstração de que a violência sexual foi motivada pelo gênero.

Parecer pela procedência do conflito.

É o relatório.

VOTO

Esta a decisão que declinou da competência:

Acolho a manifestação do MP.

Redistribua-se o presente expediente e os correlatos 5025533-85.2022.8.21.0019 e 5028341-63.2022.8.21.0019 à Vara da Violência Doméstica desta Comarca, competente para processar e julgar o caso.


Documento assinado eletronicamente por RICARDO CARNEIRO DUARTE, Juiz de Direito, em 13/12/2022, às 16:13:54, conforme art. 1º, III, "b", da Lei 11.419/2006.

Estas as razões do juízo suscitante (abreviaturas ausentes no original):

Vistos.

Trata-se de ação penal em que denunciado o acusado CLOVIS A.G. pela prática, em tese, do delito de estupro de vulnerável, tendo como vítima JÚLIA V.F.S..

O Inquérito Policial indica que, entre os meses de janeiro de 2013 e janeiro de 2017, o denunciado praticou atos libidinosos diversos da conjunção carnal com a menor, nascida em 13/10/2006, menor de quatorze anos de idade.

A 2ª Vara Criminal desta Comarca declinou a competência deste e dos expedientes de n° 50283416320228210019 e 50255338520228210019 para este JVD, com base na decisão proferida pelo E. STJ (EAREsp n. 2.099.532/RJ, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em 26/10/2022, DJe de 30/11/2022).

Com a devida vênia do colega prolator da decisão, inviável o deslocamento de competência pretendido, uma vez que a hipótese concreta não se enquadra nos parâmetros da Lei 11.340/2006, em que pese tenha sido praticada contra a mulher, no ambiente familiar - já que as partes são padrasto e enteada - não há demonstração de que a violência sexual foi motivada pelo gênero, conforme exigência do art. 5º da referida legislação protetiva, mas pela tenra idade da incapaz, que possuía, a partir do que se extrai da ocorrência policial, menos de quatorze anos quando do início da prática delitiva.

Com isso, afastada a incidência da Lei 11.340/2006, afasta-se, também, a competência deste juizado especializado.

Além disso, conforme Ofício-Circular Nº 35/2018-CGJ, a recomendação é que as ações penais que tenham, como vítima ou testemunha, crianças ou adolescentes, permaneçam com a sua distribuição nas unidades judiciárias que concorram na competência criminal comum, de acordo com o Código de Organização Judiciária do Estado.

Ainda, este é o entendimento do Tribunal de Justiça do RS:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL. SUPOSTA VIOLÊNCIA DO PADRASTO CONTRA ENTEADA. JUIZADO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. COMPETÊNCIA DA VARA CRIMINAL COMUM. A controvérsia diz com crime de estupro de vulnerável, supostamente praticado pelo padrasto contra a enteada de 4 anos de idade. A competência para a apreciação e julgamento de ações penais que tenham como vítima ou testemunha, criança ou adolescente, não é dos Juizados de Violência Doméstica, tampouco do Juizado da Infância e Juventude, mas das Unidades Judiciárias com competência Criminal Comum, conforme orientação da Corregedoria-Geral da Justiça, por meio do Ofício-Circular nº 35/2018. Logo, é do juízo suscitado - Juizado Especial Criminal Adjunto à 4ª Vara Criminal de Canoas - a competência para processo e julgamento do noticiado expediente policial. CONFLITO JULGADO PROCEDENTE, EM DECISÃO MONOCRÁTICA.(Conflito de Competência, Nº 70081226300, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em: 16-04-2019)

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. SUPOSTA PRÁTICA DE CRIMES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR E DE CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL PELO GENITOR CONTRA A FILHA ADOLESCENTE. REQUERIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA ENCAMINHADO PELA AUTORIDADE POLICIAL. DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO JUIZADO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR PARA O JUIZADO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. DESCABIMENTO. COMPETÊNCIA DA VARA CRIMINAL COMUM. A Corregedoria-Geral da Justiça, através do Ofício-Circular nº 35/2018-CGJ, firmou orientação no sentido da manutenção da competência das unidades judiciárias com competência criminal comum para julgamento das ações penais que tenham, como vítima ou testemunha, criança ou adolescente. Destarte, a competência para a apreciação e julgamento de ações penais que tenham como vítima ou testemunha, criança ou adolescente, não é dos Juizados de Violência Doméstica nem do Juizado da Infância e Juventude, mas das unidades judiciárias com competência criminal comum. Precedentes do STJ e TJRS. Competência fixada de ofício.(Conflito de competência, Nº 51006119420228217000, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em: 23-05-2022)

Diante do exposto, suscito conflito negativo de competência determinando a remessa destes autos e dos autos de n° 50283416320228210019 e 50255338520228210019 ao E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

D.L.


Documento assinado eletronicamente por ANDREA HOCH CENNE, Juíza de Direito, em 13/12/2022, às 19:6:26, conforme art. 1º, III, "b", da Lei 11.419/2006. A autenticidade do documento pode ser conferida no site https://eproc1g.tjrs.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, informando o código verificador 10030360471v3 e o código CRC aa893c8a.

E a justificativa do parecer (abreviaturas ausentes no original):

O parecer é pela procedência do conflito.

Preliminarmente, ressalto que foram distribuídos a esta 14ª Procuradoria de Justiça Criminal os conflitos de competência n. ºs 5255423- 94.2022.8.21.7000 e 5255419-57.2022.8.21.7000 oriundos dos expedientes n. º s 5028341-63.2022.8.21.0019 (ação cautelar de produção antecipada de provas criminal) e 5025533-85.2022.8.21.0019 (pedido de prisão preventiva), os quais decorreram do mesmo inquérito policial n. º 5029022-33.2022.8.21.0019/RS, em que se noticia a prática de delito de estupro de vulnerável de CLOVIS A.G. (casado com a tia da vítima) contra JÚLIA V.F.S..

Além disso, verifica-se a existência de outro conflito de competência n. 5255418-72.2022.8.21.7000 distribuído à nobre colega, Procuradora de Justiça – Dra. Maria Alice Buttini, em que além do inquérito policial referido acima n. º 5029022-33.2022.8.21.0019/RS faz menção a outro inquérito policial n. º 5025533-85.2022.8.21.0019 (o qual não se obteve o acesso pelo sistema EPROC). Desse modo, impõe-se sejam verificadas essas questões de duplicidade de ações, antes dos conflitos de competência- os quais debatem a mesma questão com as mesmas partes serem pautados para julgamento.

Vencida a preliminar, passa-se a análise do mérito.

Com efeito, verifica-se que, ao contrário do que foi considerado pelo douto Magistrado titular da 2ª Vara Criminal da Comarca de Alvorada, a situação retratada no feito não atrai a aplicação da Lei Maria da Penha.

Como sabido, a Lei Maria da Penha visa, essencialmente, a proteger as mulheres vítimas da chamada violência de gênero – ou seja, as mulheres que são violadas justamente por serem mulheres, e, por isso, serem, na visão dos agressores, pessoas hipossuficientes, vulneráveis, inferiores (física e/ou economicamente) em relação ao acusado.

Assim, sendo essa a essência da lei, não se pode concluir, de modo automático, por sua aplicação apenas porque o fato delituoso envolve violência doméstica ou familiar contra a mulher, sob pena de, com isso, banalizarem-se os seus institutos, gerando insegurança sobre o tema.

Nesse contexto, o fato de a violência sexual ser contra criança ou adolescente ocorrer no âmbito intrafamiliar é insuficiente para atrair a incidência da lei extravagante em questão, mesmo sendo a vítima menina. Nesse sentido:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIME CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. JUÍZO DA 1ª VARA CRIMINAL VERSUS JUÍZO DA 2ª VARA CRIMINAL. INCIDÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA. INOCORRÊNCIA. VULNERABILIDADE QUE NÃO DECORRE DO GÊNERO. Expediente criminal voltado à apuração de abuso sexual, supostamente cometido por padrasto contra enteada, configurando, ao que tudo indica, cenário de estupro de vulnerável. Contextualização do fato criminoso no ambiente familiar que não obrigatoriamente implica a incidência da Lei Maria da Penha. Artigo 5º da legislação especial protetiva que condiciona a sua aplicação à identificação de violência baseada no gênero. Caso concreto que torna perceptível a preponderância do cunho sexual e pedofílico-incestuoso sobre a motivação decorrente de gênero. Suposto abuso originado na satisfação da lascívia, na idade da vítima e na superioridade hierárquica intrafamiliar. Afirmação da competência da 1ª Vara Criminal da Comarca de Gravataí. CONFLITO JULGADO PROCEDENTE. UNÂNIME. (Conflito de Jurisdição, Nº 70078630365, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ícaro Carvalho de Bem...

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