Acórdão nº 52590492420228217000 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 17-02-2023

Data de Julgamento17 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualHabeas Corpus
Número do processo52590492420228217000
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003266755
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Habeas Corpus (Câmara) Nº 5259049-24.2022.8.21.7000/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes Previstos no Estatuto da criança e do adolescente

RELATORA: Desembargadora FABIANNE BRETON BAISCH

PACIENTE/IMPETRANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

IMPETRADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

As Drªs. EDUARDA VAZ CORRAL e CYNDEL DAMASCENO DE BORBA, advogadas, impetraram, em favor de FELIPE BUENO GUTERRES, as presentes ordens de habeas corpus, com pedido liminar, apontando como autoridade coatora a MMª. Juíza de Direito da Vara Judicial da Comarca de Piratini/RS.

Nos autos do writ 5259049-24.2022.8.21.7000/RS, impetrado em 18.12.2022, a defensora constituída alegou, em síntese, que o paciente está sofrendo coação ilegal, porque teve a prisão preventiva decretada em 19.10.2022, quando recebida denúncia em seu desfavor pela prática, em tese, de delitos previstos nos artigos 132, 287, 329, e 163, parágrafo único, III, todos do CP, no art. 244-B do ECA e no art. 40 da LCP, apesar de ausentes os requisitos legais para tanto – art. 312 do CPP - a gravidade abstrata das condutas não se prestando a tanto. Além disso, a decisão hostilizada carece de contemporaneidade, porquanto decretada mais de 1 mês após a prisão em flagrante pela prática de tais fatos, bem como da respectiva concessão de liberdade provisória, o paciente não tendo descumprido as medidas cautelares que haviam sido impostas, tampouco envolvendo-se em novos delitos. Invocou o princípio da presunção de inocência. Ressaltou as condições subjetivas favoráveis do paciente – primariedade e residência fixa -, destacando que encontra-se segregado em regime mais severo do que aquele que lhe seria imposto em caso de eventual condenação, sendo que a maioria dos crimes imputados são de menor potencial ofensivo, punidos com penas de detenção. Destacou a suficiência da imposição de medias cautelares alternativas previstas no art. 319 do CPP. Requereu, liminarmente, a concessão da ordem, com imediata expedição de alvará de soltura, ou, alternativamente, a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas (Evento 1).

A liminar foi indeferida (Evento 6).

Requisitadas as informações de praxe, prestou-as a autoridade apontada como coatora (Evento 11).

O ilustre Procurador de Justiça, Dr. Aureo Rogério Gil Braga, opinou pela denegação da ordem (Evento 14).

nos autos do Habeas Corpus nº 5264103-68.2022.8.21.7000/RS, impetrado em 28.12.2022, a defensora constituída, igualmente sustentou a ausência dos pressupostos para a decretação da prisão preventiva, sobretudo, em razão de sua máxima excepcionalidade, inobservada a Recomendação nº 62 do E. CNJ, além da afronta aos princípios da presunção de inocência e do duplo grau de jurisdição. Argumentou que os fatos imputados não ocorreram da forma exposta na exordial acusatória, salientando que o paciente possui condições pessoais favoráveis, mostrando-se cabível a aplicação das medidas cautelares alternativas. Requereu, liminarmente, a concessão da ordem, confirmando-se-á ao final (Evento 1).

A liminar foi indeferida (Evento 7).

O ilustre Procurador de Justiça, Dr. Aureo Rogério Gil Braga, manifestou-se pela denegação da ordem (Evento 14).

Vieram conclusos.

É o relatório.

VOTO

Ab initio, como relatado, registro que passarei ao julgamento conjunto dos dois Habeas Corpus, ambos impetrados em favor de FELIPE BUENO GUTERRES (autos nº 5259049-24.2022.8.21.7000/RS e nº 5264103-68.2022.8.21.7000/RS), porque dizem respeito ao mesmo processo-crime à que responde o paciente (Ação Penal nº 5001370-35.2022.8.21.0118/RS) e as alegações vertidas são semelhantes, o segundo writ inovando no tocante à arguição de excepcionalidade da medida constritiva, frente ao disposto na Resolução nº 62 do E. CNJ, bem como em relação à proposição de exame da prova.

Quando da análise do pedido liminar no HC nº 5259049-24.2022.8.21.7000/RS, assim me manifestei, fundamentos que agrego ao presente, como razões de decidir:

"(...)

Vistos.

A impetrante ingressou com o presente HABEAS CORPUS, em favor de FELIPE BUENO GUTERRES, buscando a soltura, pugnando pela concessão da liminar, sustentando a ausência de justa causa para a segregação cautelar, postulando, como alternativa, a substituição da prisão pelas medidas cautelares alternativas previstas no art. 319 do CPP.

O paciente foi preso em flagrante no dia 17/09/2022, pela prática, em tese, dos delitos previstos nos artigos 132, 287, 329, 163, parágrafo único, III, todos do Código Penal, art. 244-B do ECA e art. 40 da LCP, cujo auto foi homologado e concedida a liberdade provisória ao paciente, mediante compromisso de "comparecimento a todos os atos do processo e de não mudar de residência sem prévia comunicação ao Juízo, cumulada com as seguintes medidas cautelares diversas da prisão, sob pena de decretação da prisão preventiva: - recolhimento domiciliar a partir das 21 horas; - proibição de acesso ou frequência a eventos públicos com aglomeração de pessoas, mormente as celebrações referentes ao dia 20 de setembro" (inquérito 50012205420228210118: evento 20).

Oferecida a denúncia, o Ministério Público deu o paciente como incurso nas sanções dos artigos 132, caput (1º fato); art. 287 (2º fato); art. 329, caput, c/c art. 61, II, “d” (3º fato), todos do CP; 244-B do ECA (4º fato); art. 163, parágrafo único, III, c/c art. 14, II (5º fato); art. 163, parágrafo único, III, todos do CP (6º fato); e art. 40 da Lei das Contravenções Penais (7º fato); todos os fatos combinados com os arts. 29, caput, e 69, caput, ambos do CP, requerendo, ainda, a decretação da prisão preventiva do paciente.

A denúncia foi recebida em 19.10.2022, ocasião em que decretada a prisão preventiva do paciente, com fulcro no art. 312, c/c art. 313, I, ambos do CPP.

A necessidade da custódia provisória foi devidamente fundamentada, conforme se depreende do conteúdo da decisão encartada aos autos originários, na garantia da ordem pública, requisito constante do art. 312 do CPP.

Ao dispor sobre o jus libertatis do paciente, a autoridade apontada coatora, em relação ao fumus comissi delicti, destacou a presença da materialidade e de indícios suficientes de autoria, e, quanto ao periculum libertatis, o risco à ordem pública, enfatizando a probabilidade concreta de reiteração delitiva (autos originários - evento 3 ) :

"(...)

Análise do pedido de prisão preventiva de Felipe Bueno Guterres:

No oferecimento da denúncia, o Ministério Público requer seja decretada a prisão preventiva do denunciado Felipe Bueno Guterres. Nesse contexto, a exordial narra os fatos delituosos cometidos pelos acusados no evento da Semana Farroupilha ocorrido na cidade, bem como detalha a reação hostil dos mesmos em face dos agentes da Brigada Militar e da Delegacia de Polícia. Não obstante, os indivíduos depredaram a Delegacia de Polícia no momento da lavratura do Auto de Prisão em Flagrante.

Na ocasião, Emerson e Lucas tiveram a prisão em flagrante convertida em prisão preventiva, em face de o primeiro ostentar condenações anteriores e o segundo estar descumprindo medida cautelar do artigo 319 CPP deferida em outro processo. Todavia, Felipe teve a liberdade provisória concedida por, ainda, não ter contra si uma decisão judicial transitada em julgado, embora detenha uma extensa ficha criminal.

Diante dos fatos, em relação à Felipe, o Parquet argumenta:

Donde a liberdade do denunciado FELIPE BUENO GUTERRES, neste momento e frente a todo esse contexto, constitui um verdadeiro deboche, além de um elemento potencializador do descrédito e da desconfiança do 'cidadão comum' na eficiência do aparato judiciário (como um todo: Poder Judiciário, Ministério Público, Polícia Civil e Brigada Militar) na proteção do cidadão.

Passo, então, a examinar a hipótese dos autos.

No processo penal, a prisão provisória é a exceção, devendo ser decretada desde que existam pressupostos cautelares (art. 5º, LXVI, da CF/88 c/c art. 310, parágrafo único, e art. 312 do CPP).

E, segundo o art. 312 do CPP, são fundamentos para a manutenção da prisão cautelar:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Logo, a prisão provisória só pode ser decretada quando, a par dos pressupostos (prova da existência do crime e indício suficiente de autoria – fumus comissi delicti), esteja presente o periculum libertatis, não sendo cabível, outrossim, a imposição de medidas cautelares alternativas menos graves, sejam típicas (art. 319 do CPP) ou atípicas.

E o perigo que enseja a tutela cautelar, por sua vez, decorre de uma situação concreta gerada pelo imputado, quando, por elementos empíricos, se pode depreender que a colocação do autuado em liberdade importa em risco à ordem pública, à ordem econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal.

Daí porque o mero recurso a expressões sem densidade jurídica e fundamentação concreta para manutenção prisão cautelar, tais como (i.) credibilidade da Justiça, (ii.) clamor público ou (iii.) gravidade do delito, é insuficiente para justificar a segregação cautelar, pois acaba sendo violado o próprio sistema constitucional que assegura a presunção de inocência e o devido processo legal, na esteira dos arts. 315, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Penal.

E a garantia da ordem pública, por sua vez, conforme a interpretação que vem sendo feita pelo Supremo Tribunal Federal, consiste na necessidade de acautelar o meio social quando a permanência do acusado em liberdade, pela sua elevada periculosidade, importar em intranquilidade social diante do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT