Acórdão nº 70080014855 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 29-01-2021

Data de Julgamento29 Janeiro 2021
ÓrgãoOitava Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo70080014855
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO


FBB

Nº 70080014855 (Nº CNJ: 0366697-90.2018.8.21.7000)

2018/Crime


APELAÇÕES-CRIME.
EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO QUALIFICADA. OCULTAÇÃO DE CADÁVER. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. CONCURSO MATERIAL.

1. PRELIMINARES. VINCULAÇÃO A DESEMBARGADOR DIVERSO E ILICITUDE DA PROVA. NÃO CONHECIMENTO. Hipótese em que as preliminares de prevenção e vinculação de outro Desembargador deste Tribunal de Justiça, em face do julgamento do habeas corpus nº 70072911878, suscitada pela defesa do réu Eloir e de nulidade da ação penal por ilicitude da prova alegada pela defesa do réu André, porque ouvido o acusado como testemunha compromissada perante a autoridade policial, não devem ser conhecidas no presente recurso, porquanto já equacionadas as questões por esta Corte quando do julgamento do habeas corpus nº 70075093138, no dia 18.10.2017. Preliminares não conhecidas.

2. ILICITUDE DA PROVA. CAPTAÇÃO AMBIENTAL DE CONVERSAS TELEFÔNICAS. NULIDADE INOCORRENTE. Gravações ambientais de contatos mantidos pela vítima com o réu André que consistem em prova lícita e apta a integrar o conjunto probatório, independente da ciência do agente, ausente qualquer situação de violação da privacidade ou intimidade do acusado, os diálogos versando exclusivamente acerca da ação criminosa. Jurisprudência pacífica das Cortes Superiores quanto à licitude das gravações de conversas por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro e, consequentemente, sua validade como meio de prova. Defesa que teve livre acesso aos diálogos gravados, em atendimento aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. Nulidade inocorrente. Preliminar rejeitada.

3. TESE DEFENSIVA. NÃO ENFRENTAMENTO. NULIDADE INOCORRENTE. Não padece de nulidade a sentença que indica de forma suficiente, as razões que embasaram o convencimento pelo édito condenatório, não se cogitando de ofensa ao art. 93, IX da CF. Hipótese na qual o magistrado singular, ao afirmar, depois do exame da prova produzida, que suficientemente comprovado que os réus aderiram à consecução do crime de extorsão mediante sequestro na forma qualificada, ainda que negando a atuação no arrebatamento e morte da vítima, porquanto praticaram a extorsão do ofendido, excluiu a tese da defesa de Régis no sentido de que ele estava em Santa Catarina quando do sequestro e morte do jovem. O sentenciante não está compelido a rebater cada uma das alegações da defesa se, pelo teor da decisão prolatada, resta claro, e não implicitamente, que adotou posicionamento contrário. Precedentes do E. STJ e deste Órgão Fracionário. Nulidade inocorrente. Preliminar rejeitada.

4. MÉRITO. APELOS DAS DEFESAS DE ANDRÉ E RÉGIS. CRIME DE EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO (1º FATO). ÉDITO CONDENATÓRIO. MANUTENÇÃO. Prova amplamente incriminatória. Firmes e convincentes narrativas da vítima, detalhando como, no dia 21.11.2016, ao procurar o filho em seu local de trabalho, constatou o desaparecimento do jovem e, após diversas tentativas de telefonar para o rapaz, foi atendido por pessoa não identificada, exigindo o pagamento de R$ 1.000.000,00 pelo resgate do sequestrado, os contatos tendo prosseguido, posteriormente, sem que, contudo, fossem enviadas provas de vida de seu filho, sendo que, passados alguns dias, o réu André contatou o ofendido, informando que havia sido procurado pelos sequestradores para intermediar o pagamento do resgate e, agindo em conluio com o corréu Régis, passou a pressioná-lo, inclusive após a localização do corpo de seu filho, para que realizasse o pagamento, marcando encontro em uma estrada a fim de concretizar o resgate. A palavra da vítima é prova que assume especial relevo probatório, porque não se acredita que incrimine outrem, somente a fim de prejudicá-lo, indemonstrada qualquer razão para falsa inculpação. Relatos vitimários corroborados pelas contundentes declarações dos Delegados e demais Policiais Civis judicialmente inquiridos, que atuaram na intensa investigação policial efetivada, confirmando que após o réu André estabelecer contato pessoalmente com a vítima, que passou a gravar as conversas, foi agendada uma data para a realização da entrega do dinheiro e resgate do sequestrado, oportunidade em que o segundo agente, posteriormente identificado como o denunciado Régis, conduzindo uma Mercedes, passou pela viatura discreta e se aproximou da traseira do veículo conduzido pelo corréu André, onde permaneceu por cerca de 500m, empreendendo fuga, na sequência, em alta velocidade, ação que culminou na descoberta do conluio entre os agentes, que apresentaram contradições em seus relatos prestados perante a autoridade policial. A palavra dos agentes de segurança pública tem valor probante igual ao de qualquer outra testemunha e, como tal, pode e deve ser considerada para efeito probatório, não havendo qualquer indicação concreta de que tivessem interesse em prejudicar os inculpados. Incriminados que, interrogados na primeira fase da persecução penal, alegaram que haviam sido compelidos, por indivíduos ligados ao sequestro do filho da vítima, a intermediar as tratativas para o resgate, negando, todavia, qualquer envolvimento com a ação criminosa, e, em juízo, admitiram a extorsão da vítima, afirmando que após ouvirem comentários acerca da morte do jovem, tiveram a ideia de se aproveitar da situação para obter vantagem pecuniária em desfavor do lesado. Tese defensiva que, além de inverossímil, foi contrariada pela prova colacionada aos autos, em especial o laudo pericial de voz, que atestou a compatibilidade da voz do increpado André com a do agente que conversou com a vítima na mesma data em que executado o sequestro de seu filho (grau +2 em uma escala de -4 a +4), confirmando, ainda, que, ao contrário dos codenunciados, ?André demonstrou nível de escolaridade compatível?, sendo que ?o disfarce foi muito eficaz em sua fala?, justificando o fato de o resultado não ter alcançado a escala máxima (+4). Afirmação dos acusados no sentido de que não se encontravam no palco dos acontecimentos por ocasião do sequestro e morte do filho do ofendido que não infirmam a comprovação da materialidade e autoria delitiva, porquanto a ausência de maiores esclarecimentos acerca dos referidos eventos, cuja apuração inclusive foi dificultada pelo avançado estado de decomposição em que encontrado o corpo do jovem, de forma alguma afasta a caracterização do tipo penal ou inviabiliza a condenação dos increpados, incontroverso que executaram a extorsão do ofendido, atuando mediante concertada divisão de tarefas e em conluio com pelo menos um agente não identificado, aderindo à prática criminosa na íntegra, incluindo todos os seus previsíveis resultados, como a morte do vitimado. Prova segura à condenação, que vai mantida.

5. COOPERAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA. ART. 29, § 2º DO CP. NÃO RECONHECIMENTO. DEFESA DO RÉU ANDRÉ. Acusado que atuou ativamente na consecução do crime de extorsão mediante sequestro, conduzindo as negociações com a vítima desde os primórdios do iter criminis, no mesmo dia em que arrebatado o seu filho, o que se prolongou inclusive bem depois de encontrado o corpo. Ainda que o dolo, inicialmente, tenha sido de obtenção de vantagem pecuniária (preço do resgate), a morte, naquelas condições, era resultado absolutamente previsível e desdobramento inclusive aceito pelo increpado (dolo eventual). Coautoria evidenciada. Cooperação dolosamente distinta não configurada.

6. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. ART. 29, § 1º DO CP. NÃO RECONHECIMENTO. Configurada a coautoria, não se há de falar em participação de menor importância. Conduta do denunciado, que possuía o pleno domínio dos fatos, que se mostrou altamente relevante ao desfecho pretendido, porque protagonizou a ação durante todo o seu desenrolar, mediante concertada divisão de tarefas com seus comparsas. Inviabilidade de se reconhecer a minorante da participação de menor importância.

7. RECURSO MINISTERIAL. CRIME DE OCULTAÇÃO DE CADÁVER (2º FATO). ÉDITO ABSOLUTÓRIO. REFORMA. RÉUS RÉGIS E ANDRÉ. Prova amplamente incriminatória também quanto ao delito de ocultação de cadáver, o corpo da vítima tendo sido deixado em local ermo, em área de terrenos desocupados, dentro de uma vala, encoberto com uma lona preta e sob um pedaço de eucalipto, dificultando sua localização, ocorrida somente uma semana depois do sequestro, quando o cadáver já se encontrava em adiantado estado de putrefação. Acusados que concorreram para a prática do crime de extorsão mediante sequestro e, portanto, detinham plena ciência acerca das circunstâncias da morte do lesado, sendo de seu único interesse o retardo na descoberta do corpo da vítima, a fim de concluir exitosamente as tratativas atinentes ao pagamento do resgate. Incidência do art. 29, caput do CP. Prova segura à condenação. Absolvição reformada. Réus condenados também como incursos nas sanções do art. 211 do CP.

8. CRIMES DE EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO (1º FATO) E OCULTAÇÃO DE CADÁVER (2º FATO). RÉU ELOIR. ÉDITO ABSOLUTÓRIO. MANUTENÇÃO. Em que pese a verossimilhança da tese acusatória, demonstrada a materialidade, não há nos autos prova segura e escorreita de que o acusado Eloir tenha praticado as condutas descritas na denúncia, ônus probatório que cabia ao Ministério Público. Prova incriminatória que se limita ao fato de o réu estar na companhia dos corréus Régis e André em um bar, horas antes do momento aprazado para a realização do resgate, bem como de ter referido para uma testemunha que acreditava que o sequestrado estivesse morto, e de a localização em que encontrado o cadáver ser próxima à residência de uma namorada do increpado. Meros indícios de autoria que serviram à deflagração da ação penal, mas que não se confirmaram na fase judicializada, sendo insuficientes a subsidiar, por si só, o decreto condenatório. Acusado que, em ambas as fases de ausculta, negou a autoria delitiva. Acervo probatório que não revela a segurança necessária à emissão de juízo condenatório. Princípio...

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