Acórdão nº 70082359142 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 29-01-2021

Data de Julgamento29 Janeiro 2021
ÓrgãoOitava Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo70082359142
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO


FBB

Nº 70082359142 (Nº CNJ: 0207823-70.2019.8.21.7000)

2019/Crime


APELAÇÃO-CRIME.
Estupro. Prevalecimento das relações domésticas e familiares.

1. PRELIMINARES. PROVA PERICIAL. DISPENSABILIDADE. NULIDADE INOCORRENTE. Dispensabilidade da prova técnica para comprovação dos delitos que atentam contra a dignidade sexual, quando presentes fortes elementos probatórios a demonstrar a ocorrência dos fatos criminosos e sua autoria. Inteligência do art. 167 do CPP. Precedentes do E. STJ. Caso concreto em que houve a confecção de auto de exame de corpo de delito, mais de 30 dias após o fato, atestado resultado negativo para a existência de vestígios de violência sexual. Impugnação defensiva ao laudo pericial, atribuída à vítima demora proposital e planejada na elaboração do exame, como meio de inviabilizar a produção de eventual prova que pudesse beneficiar o réu. Tese que se relaciona ao valor probatório da prova técnica, e não à sua validade, tratando-se de questão de mérito. Inexistência de ilegalidade na não submissão a exame pericial da prova documental carreada aos autos, consistente em reprodução de mensagens trocadas entre o acusado e a vítima. Pedido de realização de perícia sequer deduzido pela defesa no juízo a quo. Medida, ademais, que não se mostrava necessária, as impugnações ao conteúdo feitas pela defesa dizendo respeito à valoração da prova, quando da análise do mérito da questão. Magistrada singular que, ao deixar de determinar, de ofício, a realização de perícia na prova documental, agiu no exercício de seu poder discricionário de apreciar livremente as provas produzidas nos autos para formar sua convicção acerca dos fatos. Princípio do livre convencimento motivado. Art. 155 do CPP. Nulidade inocorrente. JUNTADA DE DECLARAÇÃO DE TESTEMUNHA NÃO ARROLADA. VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO INOCORRENTE. Hipótese na qual, em audiência de instrução, a vítima apresentou declaração escrita, redigida por pessoa não arrolada como testemunha, contendo relato dos momentos subsequentes ao abuso sexual, determinada a juntada, a pedido, valorada como elemento corroborativo da palavra da vítima. Prova produzida oportunamente, na audiência de instrução, oportunizada vista à defesa, portanto garantido o contraditório. Circunstância de se tratar de prova escrita, e não de depoimento judicial, que reflete na valoração do elemento probatório, não o maculando. Ausência, ademais, de prejuízo quanto à valoração probatória relativa, aliás, do documento, como elemento de reforço à palavra da vítima, a condenação não advindo da aludida prova documental. Entendimento do E. STF que vai no sentido de que, mesmo que se tratasse de nulidade absoluta, seria imprescindível a demonstração do prejuízo. Inteligência do art. 563 do CPP. Princípio do pas de nullité sans grief.
2. ÉDITO CONDENATÓRIO. MANUTENÇÃO. Prova amplamente incriminatória, firmada nas narrativas coerentes e convincentes da vítima, prestadas nas duas fases de ausculta, detalhando o ataque sexual sofrido, quando o imputado, seu ex-companheiro, inconformado com o término da relação, mediante violência e grave ameaça exercida com uma faca, obrigou-a à prática de sexo oral e conjunção carnal. Relato vitimário linear, firme e repleto de contextualizações, que permitem compreender não apenas toda a ação delitiva - a ofendida logrando minudenciar a dinâmica do abuso, esmiuçando as características do local onde ocorreu o ataque sexual, as roupas que ela e o réu vestiam e as agressões verbais proferidas pelo indigitado - como também o contexto que permeia o fato, esclarecendo que manteve um longo relacionamento com o indigitado, encerrado 2015, sendo que, nas semanas anteriores ao estupro, o casal havia se reaproximado, tendo entrado novamente em conflito nas vésperas do episódio. Após a violência sexual, o acusado passou a efetuar telefonemas e enviar mensagens, dizendo-se arrependido e pedindo para conversar. Nas semanas subsequentes, emocionalmente abatida, constrangida e atemorizada, viajou para perto de sua família e mudou-se de residência, sem relatar a ocorrência do estupro de que fora alvo, limitando-se a reportar a amigos e familiares que havia sido agredida pelo acusado, revelando o abuso passados mais de 20 dias, quando questionada sobre o motivo do seu estado emocional. Ausência de indícios de falsa inculpação, tampouco de indução da vítima, sendo incontestável, do comportamento da ofendida em audiência, o sofrimento e o abalo psicológico por ela vivenciados. Relevância probatória da palavra da vitima. Hipótese na qual o relato vitimário, além de concatenado e sem distorções, foi corroborado pelos registros de mensagens carreadas aos autos, algumas enviadas pelo réu logo após o estupro, outras meses depois, nas quais, em vários trechos, a ofendida traz à tona o ataque sexual sofrido, enfatizando a dor provocada pelo agir do acusado, ao que ele confirma a violência praticada. Elementos probatórios aptos a serem valorados como reforço do contundente relato vitimário, a impugnação deduzida pela defesa, no sentido de que a reprodução das conversas foi adulterada pela ofendida, resultando isolada nos autos, ausente qualquer prova a ampará-la. Narrativa, ademais, corroborada pelos documentos comprobatórios de que a ofendida foi diagnosticada com estado de stress pós-traumático (CID 10F43.1) e transtorno depressivo recorrente (CID 10F33.1), bem como da contratação de serviço de segurança particular e instalação de botão de pânico em sua residência, ressaindo inconteste o abalo decorrente da ação abusiva praticada pelo indigitado. Fragilidade da tese de falsa imputação suscitada pelo increpado, no sentido de que ocorrera apenas um confronto entre o casal, com agressões físicas e verbais recíprocas, a ex-companheira, em seguida, inventando a acusação de estupro para prejudicá-lo. Versão derruída pelo robusto acervo probatório angariado. Condenação mantida.
PRELIMINARES REJEITADAS.
APELO IMPROVIDO.
Apelação Crime


Oitava Câmara Criminal

Nº 70082359142 (Nº CNJ: 0207823-70.2019.8.21.7000)


Comarca de Arroio Grande

V.S.O.

.
.
APELANTE

M.P.

..
APELADO

M.J.G.S.

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.
APELADO/ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam as Magistradas integrantes da Oitava Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em REJEITAR AS PRELIMINARES E, NO MÉRITO, NEGARAM PROVIMENTO AO APELO.


Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), as eminentes Senhoras Des.ª Isabel de Borba Lucas e Dra.
Carla Fernanda de Cesero Haass.

Porto Alegre, 29 de janeiro de 2021.


DES.ª FABIANNE BRETON BAISCH,

Presidente e Relatora.


RELATÓRIO

Des.ª Fabianne Breton Baisch (PRESIDENTE E RELATORA)
Adoto, de início, o relatório constante na sentença de fls.
221/228, prolatada em 31.01.2019 (fl. 228 ? não há data de publicação registrada nos autos), que passo a transcrever:

?
(...)

O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul ofereceu denúncia contra V. S. O., brasileiro, solteiro, serviços gerais, natural de Herval-RS, nascido em 01/12/1990, filho de V. R. O. e de M. L. S., (...) dando-o como incurso nas sanções do art. 213, caput, do Código Penal1, combinado com o art. 7° inciso III, da lei 11.340/06, pela suposta prática do seguinte fato delituoso, verbis:

?
No dia 08 de março de 2017, por volta das 20h20min, na Rua (..), nesta Cidade, o denunciado, V. S. O., prevalecendo-se das relações íntimas de afeto, constrangeu sua ex-companheira M. J. G. S., mediante grave ameça exercida com uma faca, a com ele praticar ato libidinoso e manter conjunção carnal.

Na ocasião, o denunciado ingressou na residência da vítima pela porta dos fundos, que estava aberta, e com ela começou a discutir, motivado por ciúmes, desferindo-lhe tapas na cabeça e no ombro e afirmando \'vou te mostrar como se come uma vagabunda\'.


Ato contínuo, o denunciado arrastou a vítima para uma peça existente nos fundos da residência e dirigiu-se até a cozinha, onde se armou com uma faca.
Em seguida, sob a ameça de ser esfaqueada, o réu obrigou a vítima a praticar nele sexo oral e, em seguida, com ela praticou conjunção carnal.\"

A denúncia foi recebida em 1º de dezembro de 2017 (fl. 142).


Citados (fl. 148), os réus apresentaram resposta à acusação através de defensor particular (fls.
149/156).

Verificada a ausência das hipóteses de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento (fl. 158).


A vítima constituiu procurador como assistente à acusação (fl. 21).


Durante a instrução, foram inquiridas as testemunhas de defesa, ouvidas por precatória (fl. 185), e ouvida a vítima.
Após, foram inquiridas as testemunhas de defesa, e, por fim, houve o interrogatório dos réus (fl. 187).

Foi declarada encerrada a instrução e concedido prazo para apresentação de memoriais escritos (fl. 200).


(...)
Com vistas, o Ministério Público apresentou memoriais escritos requerendo a condenação do acusado na exata forma descrita na denúncia (fls.
202/209).

Da mesma forma, a assistente à acusação requereu a condenação do acusado (fls.
213/2015).

A Defesa, por sua vez, em razões finais, preliminarmente, impugnou as mensagens acostadas aos autos pela vítima, por entender tratar-se de prova unilateral.
No mérito, requereu a absolvição do réu por ausência de provas da autoria e materialidade do delito (fls. 217/220).

(...)? ?sic?

No ato sentencial, a magistrada singular JULGOU PROCEDENTE A DENÚNCIA, para CONDENAR V.S.O. como incurso nas sanções do art. 213, caput, c/c art. 7º, III da Lei 11.340/06, à pena de 7 ANOS DE RECLUSÃO (pena-base de 6 anos, aumentada em 1 ano pela agravante do art. 61, II, ?
f? do CP), no regime inicial FECHADO. Concedido ao réu o direito de apelar em liberdade. Custas pelo condenado, suspensa a exigibilidade, deferida a AJG.
Inconformada, a defesa apelou do decisum (fls.
234/235), desejo idêntico ao manifestado pelo réu quanto pessoalmente intimado (fls. 249/250)...

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