Acórdão nº 70082824194 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualAção Rescisória
Número do processo70082824194
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO




DDP

Nº 70082824194 (Nº CNJ: 0254328-22.2019.8.21.7000)

2019/Cível


AÇÃO RESCISÓRIA.
AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. BEM PÚBLICO. TERRA DEVOLUTA. ÔNUS DA PROVA.
Não obstante o disposto no parágrafo único do art.
191 da Constituição Federal e no art. 102 do Código Civil, consoante o entendimento jurisprudencial desta Corte, incumbe ao Estado fazer prova da natureza pública do bem, ônus do qual não se desincumbiu no caso concreto.

Hipótese em que a prova nova apontada pelo ente público é de produção unilateral e revela-se insuficiente a ensejar a rescisão da sentença, não havendo falar em atendimento ao disposto no inciso VII do art. 966 do CPC e, por conseguinte, em ofensa à norma jurídica (art. 966, V do CPC).

Ação rescisória julgada improcedente.
Unânime.
Ação Rescisória


Vigésima Câmara Cível

Nº 70082824194 (Nº CNJ: 0254328-22.2019.8.21.7000)


Comarca de Rodeio Bonito

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL


AUTOR

SANTINA GUERSE


REU

ANGELO GIORDANI NETTO


REU

MINISTERIO PUBLICO


INTERESSADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Vigésima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em julgar improcedente a ação rescisória.

Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des.
Carlos Cini Marchionatti (Presidente) e Des. Glênio José Wasserstein Hekman.

Porto Alegre, 29 de junho de 2022.


DES. DILSO DOMINGOS PEREIRA,

Relator.


RELATÓRIO

Des. Dilso Domingos Pereira (RELATOR)

Trata-se de ação rescisória interposta pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL da sentença prolatada nos autos da ação tombada sob o nº 158/1.15.0001351-7, movida por ANGELO GIORDANI NETTO e SANTINA GUERSE, cujo dispositivo segue transcrito:

Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo procedente, com resolução do mérito, o pedido formulado por ANGELO GlORDANI NETTO e SANTINA GUERSE, para declarar o domínio da autora sobre a área usucapienda descrita na inicial - terreno com área superficial de 150.000m2, localizada na Linha Giordani no município de Rodeio Bonito-RS.


Narra o Estado que os ora demandados foram autores de ação de usucapião de imóvel rural sem titulação, havendo o ente público constatado, posteriormente ao trânsito em julgado, que se tratava de terra devoluta, sendo inviável sua aquisição pela via da usucapião.
Refere que somente teve acesso aos documentos que comprovaram a natureza da área após o julgamento. Discorre sobre a existência de ofensa à norma jurídica e sobre a obtenção de prova posteriormente ao trânsito em julgado, hipóteses do art. 966, V e VII do CPC. Pugna pela concessão de tutela de urgência e, ao final, pelo julgamento de procedência da demanda.

A inicial foi recebida às fls.
145/147, sendo deferida a tutela provisória, a fim de suspender o cumprimento de sentença no processo originário.

Citados (fl. 184 e 219), os réus deixaram transcorrer in albis o prazo para a apresentação de defesa (fl. 221).


Após promoção do Ministério Público (fls.
227/229), o autor foi intimado acerca do interesse na dilação probatória (fl. 231), vindo aos autos acostar documentos e postular o julgamento da lide (fls. 243/251).

Após parecer do Ministério Público (fls.
256/261), os autos vieram-me conclusos.
É o relatório.

VOTOS

Des. Dilso Domingos Pereira (RELATOR)

Pretende o Estado seja julgada procedente a presente demanda, rescindindo-se a sentença prolatada nos autos da ação nº 158/1.15.0001351-7, que declarou o domínio dos ora demandados sobre área não titulada de 150.000m², localizada na Linha Giordani, no município de Rodeio Bonito (RS).
Em suas razões, afirma que se trata de terra devoluta, bem público insuscetível de aquisição pela via da usucapião.

Acerca da res iudicata, o ensinamento de Antonio do Passo Cabral:

A coisa julgada gira em torno do conceito de inalterabilidade, incontestabilidade, irretratabilidade ou, como comumente referido, imutabilidade da decisão.
Portanto, a coisa julgada coloca-se frente a frente com a questão da mudança: antes da res iudicata era possível examinar aquele objeto, agora não mais. (...)

A coisa julgada seria então uma situação jurídica que se forma no momento em que a sentença se converte de ?
instável? em ?estável?.
Dessa feita, transitada em julgado a decisão, reveste-se de estabilidade passando a ser, em tese, inalterável.
Contudo, o direito contempla possibilidades de afastamento do manto da coisa julgada, sendo a ação rescisória uma dessas alternativas.

Nessa senda, por ser um instrumento excepcional de superação da coisa julgada, a ação rescisória possui hipóteses de cabimento restritivas e taxativas, as quais vêm relacionadas no art. 966 do Código de Processo Civil.
Na hipótese, a pretensão exposta na inicial está ancorada nos incisos V e VII do aludido dispositivo legal, cujos teores transcreve-se:

Art. 966.
A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
[...]

V - violar manifestamente norma jurídica;

[...]

VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;

Na hipótese, contudo, como será visto, a solução dada à lide no processo originário não contradiz norma jurídica.
Da mesma forma, a suposta prova nova indicada pelo autor revela-se insuficiente a ensejar a rescisão da sentença.

Inicialmente, ressalte-se que a revelia da parte ré não induz ao julgamento de procedência da lide, tampouco exonera a parte autora de realizar prova de suas alegações, com fulcro no art. 373, I do CPC.


No mérito, terras devolutas são conceituadas pela doutrina como aquelas que não estão incorporadas ao patrimônio público ou aplicadas a uso público, sendo consideradas vagas e abandonadas.
Conforme a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello (in Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 438):
(...) Pode-se definir as terras devolutas como sendo as que, dada a origem pública da propriedade fundiária no Brasil, pertencem ao Estado ?
sem estarem aplicadas a qualquer uso público ? porque nem foram trespassadas do Poder Público aos particulares, ou se o foram caíram em comisso, nem se integraram no domínio privado por algum título reconhecido como legítimo. (...)

Sobre a aquisição do domínio, dispõe o art.
191, parágrafo único, da Constituição Federal que ?os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião?, cuja previsão é repetida pelo art. 102 do Código Civil.

Entretanto, reside controvérsia doutrinária e jurisprudencial acerca da possibilidade de usucapir terras devolutas.
Na hipótese, me inclino a autorizar a pretensão, mantendo a sentença rescindenda. No ponto, oportuno iniciar pela transcrição da art. 188, caput, da Carta Magna:
Art. 188.
A destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada...

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