Acórdão nº 70083790378 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 11-02-2021

Data de Julgamento11 Fevereiro 2021
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo70083790378
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO


ILB

Nº 70083790378 (Nº CNJ: 0017396-82.2020.8.21.7000)

2020/Crime


APELAÇÃO.
CÓDIGO PENAL. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ART. 168, § 1º., INC. II. APROPRIAÇÃO INDÉBITA MAJORADA.

Acusação de apropriação indébita, por parte da curadora, de importância em dinheiro, mediante expedição de alvarás judiciais, e coisas móveis, em razão de exercer o encargo em ação de interdição, depois julgada improcedente.


AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO DOLO.


Em situações da espécie, indispensável a demonstração, segura, do dolo do agente.
Todavia, o que ficou bem demonstrado foi a dificuldade, da curadora provisória, em administrar os desejos do então interditando, apontado como portador de esquizofrenia, pois este tinha sonhos de consumo incompatíveis com a realidade financeira. Aliás, mais adiante, ele foi considerado capaz.

APELO DEFENSIVO PROVIDO.
UNÂNIME.

Apelação Crime


Quinta Câmara Criminal

Nº 70083790378 (Nº CNJ: 0017396-82.2020.8.21.7000)


Comarca de Feliz

KAREN CRISTINA ROCHA DE SOUZA


APELANTE

MINISTERIO PUBLICO


APELADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao apelo defensivo, para absolver KAREN CRISTINA ROCHA DE SOUZA, com fundamento no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.

Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), as eminentes Senhoras Des.ª Lizete Andreis Sebben e Des.ª Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez.


Porto Alegre, 09 de fevereiro de 2021.


DES. IVAN LEOMAR BRUXEL,

Relator.


RELATÓRIO

Des. Ivan Leomar Bruxel (RELATOR)

KAREN CRISTINA ROCHA DE SOUZA, com entre 23 e 24 anos de idade na época dos fatos (DN 17/12/1992), foi denunciada e condenada por incursa no artigo 168, § 1º, inciso II, do Código Penal.

Os fatos foram assim descritos na denúncia, recebida em 18/05/2018:

?
Em data, horário e locais não suficientemente esclarecidos nos autos, mas entre novembro/2016 e agosto/2017, a denunciada KAREN CRISTINA ROCHA DE SOUZA, consciente e voluntariamente, apropriou-se, indevidamente, da quantia em dinheiro de R$ 24.493,00 (vinte e quatro mil quatrocentos e noventa e três reais), coisa alheia móvel de que tinha a posse, pertencente a SÍLVIO FELÍCIO, na qualidade de sua curadora, encargo assumido no Processo n. 146/1.13.0000183-5.
Na ocasião, a denunciada, na condição de curadora de Silvio Felício, nomeada nos autos do Processo Judicial n. 146/1.13.0000183-5, que tramitou na Vara Judicial da Comarca de Feliz/RS, retirou alvará judicial para saque, na importância de R$ 16.710,00 (dezesseis mil setecentos e dez reais), o qual deveria ser utilizado para a construção de uma casa para a vítima, bem como inúmeros alvarás judiciais destinados à obtenção de bens de consumo ao curatelado, no valor somado de R$ 7.783,00.


O valor total dos alvarás chega à importância de R$ 24.493,00 (vinte e quatro mil quatrocentos e noventa e três reais), referentes a benefício acumulado do INSS de janeiro/2014 a agosto/2016, o qual não havia sido sacado pela vítima no período referido.


A denunciada, no exercício de sua curadoria, sacou os alvarás expedidos pelo Juízo desta Comarca, e os utilizou em proveito próprio.
Ainda, a denunciada não prestou contas de nenhum dos alvarás expedidos, o que tinha o dever de fazer, a fim de comprovar que estava utilizando os valores em benefício do curatelado.

O alvará expedido, no valor de R$ 16.710,00 (dezesseis mil setecentos e dez reais), o qual deveria ser utilizado para a construção da morada de Sílvio Felício, não foi utilizado para esse propósito, e sim para a construção/ampliação/reforma da residência de Karen, como refere NILSON DA ROSA, chefe responsável pela obra.


Ademais, além de utilizar os valores dos alvarás para seu benefício, Karen, na autoridade de curadora de Sílvio Felício, contraiu diversas dívidas no nome deste, ao realizar compras em lojas locais e somente pagar a primeira parcela dos valores, colocando, dessa forma, Sílvio Felício na lista dos inadimplentes do SPC.

Outrossim, a vítima constantemente apresentava-se na Prefeitura Municipal de Feliz, bem como na Promotoria de Justiça de Feliz, solicitando alimentos.
Nas ocasiões, Sílvio relatava que sua curadora não estaria fornecendo os bens básicos para sua subsistência, esta que tinha o dever de lhe fornecer tais bens, no compromisso de ser curadora de Sílvio, e ter recebido os alvarás exatamente para esse fim.

A denunciada, em audiência nos autos do processo judicial 146/1.13.0000183-5, admitiu ter utilizado os valores pertencentes a Sílvio Felício, em benefício próprio.
?

A DEFESA apelou, buscando absolvição.
Subsidiariamente, pretende redução da pena, e a substituição por restritivas de direitos, bem como a fixação de honorários ao defensor dativo.

Oferecida contrariedade.


Parecer pelo parcial provimento.


É o relatório, disponibilizado no sistema informatizado.


VOTOS

Des. Ivan Leomar Bruxel (RELATOR)

Esta a fundamentação da sentença:

?
A materialidade encontra-se consubstanciada nos documentos de folhas 05/217, bem como nos outros elementos de prova carreados ao processo.

A autoria é igualmente induvidosa, porque a própria ré admite lisamente em seu interrogatório que se acha na posse de um celular comprado com parte do dinheiro do curatelado e que se limitou a reformar uma peça de sua própria casa, sem nela colocar janelas, para o curatelado morar.


Ora, se a ré ficou com um celular comprado com parte do dinheiro do curatelado e se empregou o dinheiro desse último na reforma de sua própria casa, ao invés de fazer uma peça exclusiva para esse último, como havia sido acertado no processo em que levantou os alvarás, resta inequívoco que a ré se apropriou consciente e indevidamente do dinheiro de que tinha a posse, em função do munus da curatela que lhe foi outorgado.


Veja-se que as palavras do curatelado, da informante Sandra, da testemunha Nílson e principalmente da Assistente Social Daiane corroboram essa conclusão.


A assistente Daiane, inclusive, narra com riqueza de detalhes como se desenrolaram os fatos, deixando claro que a ré, que também recebia um salário mínimo mensal em nome de Sílvio, rejeitou o projeto feito pelo Município para a construção de uma peça exclusiva para Sílvio, preferindo reformar sua casa e vendendo ou permitindo que fossem vendidos os tijolos que já haviam sido adquiridos com aquela finalidade, além de proceder à aquisição de inúmeros bens para Sílvio em lojas da cidade, de modo parcelado, sem jamais quitar as prestações faltantes.


Por tais razões, tenho como suficientemente comprovado que a denunciada cometeu dolosamente o crime de apropriação indébita, porque, mesmo com a passagem do tempo, não restituiu a Sílvio os valores que recebera em seu nome e dos quais se apropriou em benefício próprio.


Decidindo caso similar, o TJRGS deixou pacificado o entendimento de que, em crime como o da espécie, o ?
... dolo específico, qual seja, a intenção de apoderar-se da res, se depreende do transcurso de tempo entre o recebimento dos valores, sem qualquer restituição do quantum monetário, e respectiva prestação de contas. ? (In Apelação Crime Nº 70062596416, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dálvio Leite Dias Teixeira, Julgado em 16/12/2015)

Considerando, portanto, o longo tempo transcorrido desde a data em que a ré recebeu os valores do curatelado, tem-se como demonstrado o dolo específico do tipo descrito no artigo 168 do CP, que consistiu na intenção da ré de se apoderar de dinheiro da vítima, com a inversão do título da posse.


Bem contundente, a propósito do momento em que se consuma o crime, é a seguinte ementa jurisprudencial:

?
APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA MAJORADA. 1.MANUTENÇÃO DE DECRETO CONDENATÓRIO. As provas existentes no caderno processual são suficientes para o julgamento de procedência do pedido condenatório deduzido na denúncia. Palavra da vítima em consonância com os documentos juntados. 2.TIPICIDADE DA CONDUTA. APROPRIAÇÃO INDÉBIDA MAJORADA. O dolo específico do tipo descrito no art. 168 do CP, qual seja, a intenção de apoderar-se da res, se depreende do transcurso de tempo entre a data em que a vítima repassou os valores e a data em que se viu obrigada a noticiar o fato à autoridade policial para reaver aquela quantia. Denunciada, que, deliberadamente, apoderou-se indevidamente de coisas alheias móveis que detinha posse temporária em virtude de sua profissão (advogada). A inversão do título da posse ocorreu no instante em que os montantes monetários deixaram de ser entregues em juízo, agindo a ré como se dona fosse. Realizou ato típico de domínio na ocasião em que ignorou a obrigatoriedade de repasse de valores e depositou as quantias em conta bancária pessoal. 3.ARREPENDIMENTO POSTERIOR. INOCORRÊNCIA. Ausência dos requisitos do art. 16 do CP. Reparação do dano não-voluntária. Não se cogita de voluntariedade em ato de advogado que possui a obrigação de depositar mensalmente valor repassado pelo representado e, mesmo assim, opta em dispor do dinheiro do cliente por um longo tempo, acumulando as quantias em uma conta bancária separada e somente devolvendo o montante na iminência de sofrer processo judicial. 4. DOSIMETRIA DA PENA. Basilar em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, em razão do destaque negativo dos vetores culpabilidade, personalidade, circunstâncias e conseqüências. Ausentes agravantes ou atenuantes. Por fim, reconhecida a causa de aumento do art. 168, §1º, III do CP, a reprimenda foi aumentada em 1/3, totalizando 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão. Regime aberto. Substituída por duas restritivas de direito (interdição temporária de direitos e prestação de serviços à comunidade). Pena de multa em 60 (sessenta) dias-multa, na razão de 01 (um) salário mínimo vigente à época do fato. Apelo...

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