Acórdão nº 70083822304 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Criminal, 28-04-2022

Data de Julgamento28 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo70083822304
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO


SMAB

Nº 70083822304 (Nº CNJ: 0020589-08.2020.8.21.7000)

2020/Crime


APELAÇÃO.
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. AMEAÇA. NULIDADE POR USO INDEVIDO DE ALGEMAS. HIPÓTESES NÃO VERIFICADAS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. PENA.

1. A declaração de nulidade inerente à inobservância do enunciado da Súmula Vinculante n.º 11 do Supremo Tribunal Federal, em razão da manutenção do uso das algemas em audiência, depende de oportuna manifestação da defesa. Ausente qualquer registro de inconformidade na ata da audiência em relação ao uso das algemas, resta obstado o reconhecimento da nulidade. Ademais, ao ser interrogado o réu se encontrava em ambiente prisional, tendo permanecido algemado em razão das regras atinentes ao funcionamento interno do sistema carcerário. Preliminar rejeitada.

2. O relato da vítima como meio probatório revela-se de especial importância, principalmente porque o depoimento da ofendida mostrou-se coerente e consistente em ambas as fases de ausculta, sem contradições que lhe retirem verossimilhança. Prova suficiente para a condenação.

3. Para o reconhecimento do delito de ameaça, é necessário que haja o efetivo temor da vítima, diante de uma promessa de mal injusto e grave. Caso concreto em que se verifica claramente que a vítima se sentiu atemorizada pela ameaça proferida pelo réu, a se concluir pela tipicidade da conduta. Tratando-se de crime formal, instantâneo, em que comprovado o temor da vítima pelas atitudes do acusado, mostra-se configurada a infração tal como exposto na denúncia. Irrelevante se o agente pretende ou não concretizar as ameaças, bastando que seja provocado o temor na vítima. Tipicidade verificada.

4. Embriaguez e entorpecimento por influência de drogas que, em sendo fortuitas e incompletas, não excluem o dolo e tampouco a culpabilidade. Juízo condenatório confirmado.
5. Pena-base redimensionada ao mínimo legal, em face do afastamento do tisne conferido às vetoriais culpabilidade e conduta social.

6. A utilização de outras condenações para elevar a pena-base ou agravar a pena do réu não constitui bis in idem, pois o parâmetro a ser considerado não é o fato que enseja essa condenação, mas sim a reiteração de atos ilícitos, após condenação transitada em julgado pelo primeiro, o que recomenda maior rigor no trato penal. Sequer há falar em inconstitucionalidade da reincidência, pois o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou acerca da matéria (RE n.º 453000).

7. Manutenção da incidência da agravante tipificada no artigo 61, inciso II, alínea f, do Código Penal, pois ausente bis in idem.
8. Fixação do regime inicial aberto para o cumprimento da pena, tendo em vista que embora reincidente o réu, a imposição do regime semiaberto implicaria negar-lhe o direito à progressão de regime, por absoluta impossibilidade fática.

APELO PARCIALMENTE PROVIDO.

Apelação Crime


Terceira Câmara Criminal

Nº 70083822304 (Nº CNJ: 0020589-08.2020.8.21.7000)


Comarca de Montenegro

M.A.S.

.
.
APELANTE

M.P.

..
APELADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em rejeitar a preliminar de nulidade e, quanto ao mérito, dar parcial provimento ao apelo defensivo, ao efeito de redimensionar a pena aplicada ao réu para 01 mês e 20 dias de detenção, em regime inicial aberto.

Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des.
Rinez da Trindade (Presidente e Revisor) e Des. Luciano André Losekann.

Porto Alegre, 22 de abril de 2022.


DES. SÉRGIO MIGUEL ACHUTTI BLATTES,

Relator.


RELATÓRIO

Des. Sérgio Miguel Achutti Blattes (RELATOR)

Na comarca de Montenegro, perante a Vara Criminal, o Ministério Público ofereceu denúncia contra M.A.S., dando-o como incurso nas sanções do artigo 147, caput, do Código Penal, combinado com o art. 7º, inciso II, da Lei nº 11.340/2006, pela prática do seguinte fato delituoso:
?
No dia 07 de abril de 2018, por volta das 11 horas, no Município de Montenegro/RS, o denunciado M.A.S. ameaçou M.S.V., sua irmã, por palavras, de causar-lhe mal injusto e grave, dizendo-lhe que iria matá-la, que daria tiros e facadas nela e no filho dela.
À ocasião, o denunciado ameaçou a vítima, dizendo-lhe que iria matá-la e que daria tiros e facadas na vítima e no filho dela.
?
A denúncia foi recebida no dia 22.08.2018 (fls.
20-20v).
Citado (fl. 23), o acusado apresentou resposta à acusação por intermédio da Defensoria Pública (fl. 24).

Durante a instrução, procedeu-se à oitiva da vítima e de uma testemunha, bem como interrogado o réu (fls.
42 e 52).
Encerrada a instrução, o Ministério Público e a defesa apresentaram alegações finais escritas (fls.
56-58 e 59-62v).
Após, foram atualizados os antecedentes criminais do acusado (fls.
69-65v).
Sobreveio sentença julgando procedente a pretensão acusatória, ao efeito de condenar o réu como incurso nas sanções do artigo 147, caput, c/c o artigo 7º, inciso II, da Lei nº 11.340/06 e com o artigo 61, incisos I e II, alínea ?
f?, todos do Código Penal, impondo-lhe a pena de 02 meses de detenção (basilar fixada em 01 mês e 20 dias, aumentada em 20 dias por força das agravantes da reincidência e da violência doméstica contra a mulher, definitivada nesse patamar diante da ausência de outras causas modificadoras), em regime inicial semiaberto (fls. 66- 70).
Concedido o direito de recorrer em liberdade
Sentença publicada em 23.08.2019 (fl. 70v).

Intimadas as partes (MP à fl.74v, réu à fl. 100 - edital), a defesa interpôs recurso de apelação (fl. 77).

Em suas razões (fls.
77v-84v), suscita a preliminar de nulidade por afronta à Súmula Vinculante nº 11 do Supremo Tribunal Federal. No mérito, pugna pela absolvição do réu, diante da insuficiência de provas a ensejar uma condenação criminal, bem ainda por atipicidade da conduta, ante a ausência de lesão ao bem jurídico tutelado, diante da dúvida a respeito da seriedade das palavras proferidas pelo réu, em razão de seu estado de embriaguez e influência de entorpecentes quando do fato descrito na denúncia. Subsidiariamente, pleiteia o redimensionamento da pena-base ao mínimo legal e o afastamento das agravantes da reincidência e da violência doméstica. Prequestiona a matéria.

Apresentadas as contrarrazões (fls.
86-90), subiram os autos.
Nesta instância, emite parecer a douta Procuradoria de Justiça, manifestando-se pelo desprovimento do recurso (fls.
105-108v).
É o relatório.

VOTOS

Des. Sérgio Miguel Achutti Blattes (RELATOR)

Eminentes colegas:

A defesa de M.A.S. interpõe recurso de apelação pois inconformada com a sentença que o condenou pela prática do crime de ameaça, em contexto de violência doméstica.


Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do apelo.


Em preliminar, a Defesa sustenta a nulidade do feito pelo uso de algemas no réu, sem justificativa idônea, durante a audiência destinada ao seu interrogatório, o que faz sem razão.


Com efeito, destaco que a nulidade pelo uso indevido de algemas, fora das hipóteses mencionadas na Súmula Vinculante nº 11 do Supremo Tribunal Federal, possui natureza relativa, dependendo, para sua declaração, de manifestação oportuna e demonstração de prejuízo causado ao réu.


Ressalto, por oportuno, que o próprio Supremo Tribunal Federal tem relativizado a incidência da Súmula Vinculante n.º 11, consoante recente julgado, cuja ementa destaco, in verbis:

E M E N T A: RECLAMAÇÃO ?
ALEGADO DESRESPEITO AO ENUNCIADO CONSTANTE DA SÚMULA VINCULANTE Nº 11/STF ? NÃO CONFIGURAÇÃO ? ATO RECLAMADO PROFERIDO EM CONFORMIDADE COM O ENUNCIADO SUMULAR (QUE PERMITE, EXCEPCIONALMENTE, O USO DE ALGEMAS, DESDE QUE JUSTIFICADA SUA NECESSIDADE) ? PRECEDENTES ? AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO EM MOMENTO PROCEDIMENTALMENTE OPORTUNO ? ADVOGADO CONSTITUÍDO QUE, EMBORA PRESENTE À AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO, JAMAIS QUESTIONOU O USO DE ALGEMAS, NEM SUSCITOU A SUPOSTA NULIDADE NO RECURSO DE APELAÇÃO INTEOSTO CONTRA A SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA ? CONSEQUENTE PRECLUSÃO DA FACULDADE PROCESSUAL DE IMPUGNAR OS FUNDAMENTOS DO ATO RECLAMADO ? INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE QUALQUER PREJUÍZO PARA O RÉU ? ?PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF? ? PRECEDENTES ? RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. (Rcl 16292 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 15/03/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 25-04-2016 PUBLIC 26-04-2016)
No caso concreto, observo que o réu estava acompanhado por defensor público, mas este não consignou nenhuma reclamação quanto ao fato de o réu permanecer algemado.
Além disso, ao ser interrogado o réu se encontrava em ambiente prisional, tendo permanecido algemado em razão das regras atinentes ao funcionamento interno do sistema carcerário. Por fim, a defesa técnica, nas razões recursais, se limitou a alegar genericamente a nulidade, sem contextualizá-la com o caso dos autos.

Rejeito, pois, a preliminar de nulidade.


De modo a introduzir o mérito, transcrevo a análise da prova procedida pelo magistrado de origem:

A materialidade do delito de ameaça está demonstrada no boletim de ocorrência (fls.
07-8) e termo de declarações (fl. 09), bem como demais provas produzidas durante a instrução.
Quanto à autoria, o réu Márcio Antônio Severo relata que a acusação não é verdadeira.
Acha que o motivo da irmã lhe acusar de ameaça é em razão do problema de relacionamento. Não conversa com a irmã. Referiu que já teve preso no semiaberto. Não teve discussão no dia narrado na denúncia. Negou o uso de drogas.
A vítima Marília Severo Vianna relatou que não é a primeira vez que vem depor por causa das ameaças do seu irmão.
Referiu que seu irmão sempre lhe ameaça, não sabe o motivo. Ele não aceita não como resposta, ainda mais quando está alcoolizado e sob o efeito de drogas. O acusado acha que a deponente, os irmãos e os pais têm obrigação de sustentá-lo a vida inteira, tanto seu vício quanto outras coisas que precisa. Ele não aceita a negativa. Ele sempre usa uma...

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