Acórdão nº 70083870659 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo70083870659
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO


NOP

Nº 70083870659 (Nº CNJ: 0025424-39.2020.8.21.7000)

2020/Crime


apelação crime.
crimes contra o PATRIMÔNIO. FURTO QUALIFICADO CONTRA PESSOA MAIOR DE SESSENTA ANOS DE IDADE. absolvição. atipicidade. princípio da insignificância. inaplicabilidade. REFORMA.
A aplicação do princípio da insignificância alcança a proposição de descriminalizar condutas que, inobstante formalmente típicas, não atingem de modo socialmente relevante os bens protegidos pelo Ordenamento Jurídico.
Ausência dos pressupostos permissivos em concreto. Absolvição por atipicidade material da conduta reformada.

MANTERIAlidade e autoria demonstradas.
CONDENAÇÃO DECRETADA.
Comprovadas satisfatoriamente no curso da instrução processual a autoria e materialidade do delito de furto qualificado imputado à apelada.
Confissão judicial corroborada pela declaração de testemunha e imagens captadas por câmeras de monitoramento da sede bancária. Inicial presunção de inocência derruída ao longo do processo-crime.

qualificadora pelo ABUSO DE CONFIANÇA.
RECONHECIMENTO.
A verificação da qualificadora do furto pelo abuso de confiança exige demonstração de que o réu tenha traído a especial relação de fidúcia nele depositada pela vítima, originária das relações antecedentes que permitiram o fácil alcance do objeto material do crime, como ocorreu na hipótese.
Inteligência do artigo 155, §4º, inciso II, do Código Penal.

DROGADIÇÃO. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. TEORIA DA ACTIO LIBERA IN CAUSA.
Ausência de comprovação do nexo de causalidade entre a prática delitiva e a alegada dependência química que impede a aplicação das causas excludente de culpabilidade ou de minoração de pena previstas nos artigos 28 do Código Penal e 45 e 46 da Lei nº 11.343/2006.


dosimetria.
Apenamentos que totalizaram 02 anos e 08 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 15 dias-multa à razão mínima unitária, por maioria.
Inviabilidade de isenção da pecuniária cumulativa. Suspensão da exigibilidade das custas processuais.
APELO MINISTERIAL PROVIDO.

Apelação Crime


Oitava Câmara Criminal

Nº 70083870659 (Nº CNJ: 0025424-39.2020.8.21.7000)


Comarca de Barra do Ribeiro

MINISTERIO PUBLICO


APELANTE

PRISCILA GARCIA DA SILVA


APELADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em dar provimento à apelação ministerial para condenar PRISCILA GARCIA DA SILVA como incursa nas sanções do artigo 155, §4º, inciso II, combinado com os artigos 61, incisos I e II, alínea ?
h?, e 65, inciso III, ?d?, todos do Código Penal, às penas de 02 anos e 08 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e de 15 dias-multa à razão mínima unitária, suspensa a exigibilidade das custas processuais. Vencido o Desembargador Leandro Figueira Martins, que lhe dava provimento em menor extensão, nos termos do seu voto.
Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), os eminentes Senhores Des.ª Fabianne Breton Baisch e Des.
Leandro Figueira Martins.

Porto Alegre, 29 de junho de 2022.


DES.ª NAELE OCHOA PIAZZETA,

Relatora.


RELATÓRIO

Des.ª Naele Ochoa Piazzeta (RELATORA)

O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra PRISCILA GARCIA DA SILVA, nascida em 13-12-1992 (fl. 07), com 25 anos de idade, dando-a como incursa nas sanções do artigo 155, §4º, inciso II, do Código Penal, pelo fato assim narrado na peça acusatória:

[...] No dia 07 de abril de 2018, na Rua Arno Jardim Pereira, n°90, no Município de Barra do Ribeiro ?
RS, a denunciada PRISCILA GARCIA DA SILVA subtraiu, para si ou para outrem, mediante abuso de confiança aproveitando-se do fato de ser companheira do sobrinho da vítima e morar no mesmo pátio deste, o montante de R$600,00 (seiscentos reais) da vítima Onorolino Rukat Glowaski.
Por ocasião dos fatos, a denunciada aproveitou-se do fato de morar no mesmo pátio da vítima, tendo acesso à residência do mesmo e, furtou o cartão do benefício social de Onorolino, retirando o valor de R$600,00 (seiscentos reais) da conta da vítima [...]

Denúncia recebida em 13-6-2018 (fls.
28-v).

Citada pessoalmente (fls.
30-v), apresentou resposta à acusação por intermédio da Defensoria Pública (fls. 31-v).

Não havendo hipótese ensejadora de absolvição sumária, nos termos do artigo 397 do Código de Processo Penal, foi determinado o prosseguimento do feito (fl. 32).


Durante a instrução, foram colhidas as declarações de uma testemunha e interrogada a ré (CD, fl. 41).


Atualizados os antecedentes criminais (fls.
42-v).

Apresentados memoriais pelo Ministério Público (fls.
43-46v) e pela defesa (fls. 47-52v).

Sobreveio sentença (fls.
58-60), publicada em 21-11-2019 (fl. 60v), julgando improcedente o pedido da inicial e absolvendo a acusada da imputação da prática do crime previsto no artigo 155, §4º, II, do Código Penal, pela incidência do princípio da insignificância, com base no art. 386, III, do Código de Processo Penal.

Intimada da sentença por edital (fls.
97 e 101v).

O Ministério Público interpôs apelação (fl. 61), em cujas razões sustenta a inaplicabilidade da aplicação do postulado da insignificância em concreto, ao que pleiteia a condenação da acusada nos termos da denúncia (fls.
63-71).
Recebida (fl. 62) e contrariada a inconformidade (fls.
72-77v), vieram os autos a esta Corte, manifestando-se o ilustre Procurador de Justiça, Roberto Divino Rolim Neumann, pelo provimento do recurso ministerial (fls. 104-108).

Esta Câmara Criminal adotou o procedimento informatizado utilizado pelo TJRS, tendo sido atendido o disposto no art. 609 do Código de Processo Penal, bem como o art. 207, II, do RITJERGS.


Conclusos para julgamento.

Breve relatório.
VOTOS

Des.ª Naele Ochoa Piazzeta (RELATORA)

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em desfavor de PRISCILA GARCIA DA SILVA no qual se insurge da absolvição pela prática do crime de furto qualificado pelo abuso de confiança pela aplicação do princípio da insignificância.


Postula o afastamento da causa de atipicidade reconhecida na sentença, com a condenação da ré nas sanções do artigo 155, §4°, inciso II, do Código Penal.


Colhe êxito.

O mencionado postulado propõe-se a afastar a tipicidade material de condutas que, inobstante formalmente típicas, não atingem de modo socialmente relevante os bens protegidos pelo Ordenamento Jurídico.


Trata-se de regra interpretativa auxiliar que, em sua essência, admite restrição da redação literal de tipos penais a formas socialmente admissíveis, excluindo-se da subsequente apreciação judicial a eventual ocorrência de danos considerados de menor importância.


Para os casos em que a lesão seja manifestamente irrelevante, não haveria justificativa à persecução penal e à imposição de reprimendas ao autor da conduta, manifesta a atipicidade de seu comportamento.

A proposta de reconhecer a atipicidade material de perturbações jurídicas mínimas ou leves deve ser compreendida não apenas a partir do viés econômico, mas igualmente em razão do grau de violação da ordem social que venham a ocasionar.

Este é o entendimento de Cezar Roberto Bitencourt
, para quem a tipicidade penal exige ofensa de significativa gravidade a bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer afronta a interesses resguardados pelo Ordenamento Jurídico seria suficiente para configurar o injusto.


Por consequência, a aplicação do postulado em questão não pode derivar de interpretações subjetivas por parte do julgador.
Necessário que este faça juízo casuístico e que envolva critérios que permeiem a proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir, a extensão da lesão produzida à vítima e a drasticidade da intervenção estatal a ser aplicada.

Em suma, a análise fática deverá ser feita à luz de vetores que envolvam a valoração sócio-econômica média existente na sociedade e, ao mesmo tempo, a garantia do postulado da segurança jurídica
.


A partir do julgamento do Habeas Corpus nº 84.412, o Supremo Tribunal Federal
passou a exigir a presença concomitante de quatro requisitos: a mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a manifesta inexpressividade da lesão jurídica provocada ao ofendido.


No caso sob julgamento, as mencionadas condicionantes não se fizeram presentes, razão pela qual a reforma da decisão absolutória é a medida que se impõe.

Conforme consta da denúncia, aproveitando-se do fato de ser companheira do sobrinho da vítima e de morar no pátio de sua propriedade, a acusada subtraiu o cartão ?
do benefício social? do ofendido, utilizando-o para sacar a quantia de R$ 600,00 (seiscentos reais), valor equivalente a 62% do salário mínimo vigente à época do fato
e que de forma alguma pode ser considerado ínfimo e justificar a incidência do princípio em questão, tendo em vista que, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a importância do bem arrebatado não poderá ultrapassar o patamar máximo de 10% do salário mínimo
.


Mas não é só.

Manifesto o desvalor da própria ação delitiva ora em questão, pois conforme se verá quando da análise probatória, a inculpada aproveitou-se do acesso que tinha à residência da vítima, pessoa idosa que contava com 79 anos de idade à época (nascida em 10-3-1939, fl. 04) e que necessitava de cuidados em razão de doença, e subtraiu seu cartão, efetuando o saque da referida quantia.


Igualmente digno de registro a movimentada vida anteacta da incriminada porque, conforme certidão cartorária atualizada obtida mediante acesso a sistema informatizado e acostada à contracapa, possui uma condenação definitiva por infração prevista no artigo 28, I, da Lei nº 11.343/06 (processo nº 140/2.12.0000753-9), e duas denúncias recebidas por furtos simples e qualificado (feitos nº 140/2.19.0001031-1 e 140/2.20.0000472-0), afigurando-se inegável,
...

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