Acórdão nº 70083968024 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Cível, 14-04-2022

Data de Julgamento14 Abril 2022
ÓrgãoSegunda Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo70083968024
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO


JBSJ

Nº 70083968024 (Nº CNJ: 0035161-66.2020.8.21.7000)

2020/Cível


apelações cíveis.
DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA, URBANIZAÇÃO/RETIRADA DAS FAMÍLIAS QUE OCUPARAM A QUADRA C DA QUINTA UNIDADE DA RESTINGA. Preliminares DE NULIDADE DA SENTENÇA (indevida inversão do ônus da prova/ausência de intimação do DEHAMB acerca da sentença/ decisão extra petita e ultRa petita/, SENTENÇA ABSTRATA) E ILEGITIMIDADE PASSIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO AFASTADAS.

1) A questão da inversão do ônus da prova foi decidida em saneador (fl. 505), porém, não houve insurgência das partes interessadas, restando preclusa a decisão sobre o ponto.

2) O Município de Porto Alegre detém legitimidade passiva para a causa diante de seu dever fiscalização, cabendo-lhe zelar pela ordem urbanística e ambiental e pelo bem-estar geral de seus munícipes, atuando no controle das construções urbanas, não sendo tal responsabilidade afastada em razão das atribuições e responsabilidades do Departamento Municipal de Habitação - DEMHAB, autarquia também responsável pela política habitacional de interesse social do Município.

3) o Departamento Municipal de Habitação é uma autarquia municipal, representada pela própria Procuradoria Municipal.
Tanto é verdade que o recurso está firmado por Procurador Municipal (fl. 572). Assim, não há falar em nulidade da sentença por falta de intimação da decisão, vez que o ente municipal foi intimado em 30/10/2019, quando da retirada dos autos em carga.
4) Na inicial, foi requerido o levantamento atualizado dos ocupantes da área, o reassentamento das famílias ocupantes da área, regularização fundiária e urbanística do local (com implementação de rede de água, esgoto, de telefonia, de energia elétrica, de iluminação pública, calçamento e pavimentação das vias públicas, calçadas e sarjetas e arborização das vias).
O juízo de origem julgou a lide nos limites do pedido apresentado pelo autor e sob a luz do contraditório, sendo que as obrigações impostas, no sentido de determinar a promoção de urbanização completa da área, a finalização do processo de registro e a promoção de programa habitacional são decorrentes dos pedidos apresentados na inicial e visam dar efetividade ao comando sentencial. Portanto, não há falar em violação ao princípio da congruência por incidência de decisão extra petita e citra petita.
5 ) A condenação dos réus não se revela abstrata, pois as obrigações foram bem definidas em sentença, não havendo violação ao artigo 20, caput e parágrafo único, e artigo 22, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB.
O princípio da reserva do possível não exime o ente público de qualquer obrigação que lhe seja atribuída, e a condenação imposta decorre de obrigação constitucionalmente prevista. No caso, há mais de uma década os réus são sabedores da problemática envolvendo a área e, desde então, procrastinam ações efetivas para regularizar o local, com o devido reassentamento das famílias e revitalização da área.
6) É inconteste a legitimidade ativa do Ministério Público para a promoção da presente ação civil pública, ajuizada para a defesa do Meio Ambiente e da ordem urbanística.
Artigos 127 e 129 da Constituição Federal e artigo 1º, da Lei nº 7.347/85. Precedentes.

Preliminares afastadas.

Mérito: CABIMENTO EXCEPCIONAL DA INTERFERÊNCIA DO JUDICIÁRIO NOS ATOS ADMINISTRATIVOS.
DEVER DE REGULARIZAÇÃO DA ÁREA INDEVIDAMENTE ASSENTADA POR FAMÍLIAS DE BAIXA RENDA.

1. Embora a regra seja a de que não cabe ao Poder Judiciário adentrar nos critérios de conveniência e oportunidade da administração pública, tal fato não afasta a possibilidade de analisar os atos e omissões desta quando ilegais, inconstitucionais ou contrários aos princípios jurídicos. No caso, desde o ano de 2007, quando instaurado o inquérito civil, os réus são conhecedores da problemática do assentamento irregular da área localizada nos fundos da Escola Municipal Mário Quintana, consistente na Quadra C, da 5ª unidade vicinal da Restinga, e há muito não lograram adotar medidas efetivas para solução do problema, restando evidenciada a morosidade dos responsáveis, eis que até o presente momento não houve a regularização da área, existindo apenas um projeto pronto, mas sem a devida execução. Desta feita, não há qualquer violação aos Princípios da Reserva do Possível e Separação dos Poderes, invocados, em muitos casos (e não diferentemente aqui), para acobertar a ineficiência do ente público que tem a responsabilidade sobre o problema).
2. Cabe ao Município o dever fiscalização e zelo pela ordem urbanística e ambiental, bem como pelo bem-estar geral de seus munícipes, atuando no controle das construções urbanas. É, portanto, seu encargo a proteção do meio ambiente e promoção de programas de construção de moradias, melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico, tal como definido nos artigos 23, VII e IX, e 182, da Constituição Federal. Portanto, inafastável a incumbência do Município de Porto Alegre para a política de desenvolvimento urbano, no sentido da regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda.
3. Considerando a evidente inércia dos réus por mais de uma década, os prazos fixados se mostram suficientes para a solução da questão do reassentamento, sendo eficazes, ainda, para evitar novas procrastinações imotivadas do ente público.
Sentença mantida.

4. Deixa-se de aplicar o previsto no parágrafo 11 do artigo 85 do CPC, pois incabíveis honorários na espécie.
RECURSOS DESPROVIDOS.
UNÂNIME.

ApelaçÕES CíveIS


Segunda Câmara Cível

Nº 70083968024 (Nº CNJ: 0035161-66.2020.8.21.7000)


Comarca de Porto Alegre

MUNICIPIO DE PORTO ALEGRE


APELANTE

DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE HABITACAO - DEMHAB


APELANTE

MINISTERIO PUBLICO


APELADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.


Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des.ª Lúcia de Fátima Cerveira (Presidente) e Des.
Ricardo Torres Hermann.

Porto Alegre, 14 de abril de 2022.


DES. JOÃO BARCELOS DE SOUZA JÚNIOR,

Relator.


RELATÓRIO

Des. João Barcelos de Souza Júnior (RELATOR)

Cuida-se de duas apelações, apresentadas pelo MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE (fl. 572) e pelo DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE HABITAÇÃO ?
DEMHAB (fl. 577), contra sentença que julgou parcialmente procedente a ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, cujo dispositivo ficou assim definido:

(...).


Em razão do exposto, JULGO PARCIAMENTE PROCEDENTE A AÇÃO, para:

a) condenar os réus a promover o cadastramento socioeconômico de todos os ocupantes da área objeto da ação ?
localizada nos fundos da Escola Municipal Mário Quintana, consistente na Quadra C, da 5ª Unidade Vicinal da Restinga (matrícula nº 83.091, da 3ª Zono do RI da Capital), no prazo do oito (oito) meses;

b) reassentar os ocupantes que estiverem em áreas impróprias para habitação, no prazo máximo de dois anos, a contar do término do cadastramento;

c) promover a urbanização completa da área objeto da ação, em até quatro anos, a contar do término do cadastramento dos moradores;

d) finalizar o processo de registro imobiliário do processo de regularização fundiária, no prazo de seis meses, a contar da intimação da sentença;

e) promover programa habitacional, que leve em consideração a condição socioeconômica dos ocupantes, que lhes assegure condições dignas de moradia, em até cinco anos, a contar do término do cadastramento dos moradores.


Fixo multa de R$ 2.000,00 (dois mil reais) para o caso de descumprimento dos prazos estabelecidos, sem limitação, com destinação ao Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social, criado pela Lei Complementar n.º 612/2009.


O Ministério Público fica responsável pela fiscalização do cumprimento da sentença, devendo zelar para que sejam destinadas verbas orçamentárias para o integral cumprimento da decisão, em todos exercícios que se sucederem até o cabal cumprimento das obrigações impostas.


Sem honorários, em razão da qualidade da parte autora.


Custas, pelos réus, mas isentas nos termos da Lei nº 8.121/85.


Em razões, o Município de Porto Alegre alega, em preliminar, a nulidade da sentença, por indevida inversão do ônus da prova e a ilegitimidade passiva, uma vez que a propriedade da área á do DEHAMB, autarquia com personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira própria.
No mérito, defende a ausência de omissão do Município em promover a regularização da área, uma vez que esta pertence ao DEHAMB, motivo pelo qual não pode ser responsabilizado pelas obrigações requeridas na inicial. Pede pelo provimento do recurso.

O DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE HABITAÇÃO ?
DEHAMB, por sua vez, defende, em preliminar: 1) a nulidade da sentença por falta de intimação (violação ao artigo 183, do CPC); nulidade da sentença, por extra petita e ultra petita, conquanto determinou a promoção de urbanização completa, finalização do processo de registro e promoção de programa habitacional, cujas ações não fazem parte do pedido; 3) incompetência do Ministério Público em promover a ação, pois além das atribuições descritas no artigo 129, da Constituição Federal; 4) descabimento de zelo, pelo Ministério Público, da destinação das verbas orçamentárias; 5) vedação do Poder Judiciário em definir prazos peremptórios para o cumprimento da obrigação, uma vez que os prazos não são estabelecidos nem mesmo na Lei de Regularização Fundiária; e 6) ilegitimidade ativa do Parquet, uma vez que não a questão não importa em relevância para a sociedade, porquanto são poucas as famílias que habitam a área. No mérito, defende que a sentença possui conteúdo de autêntico ato administrativo, o que é vedado, dada a independência dos Poderes. Relata ser competência exclusiva do Município em gerir a...

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