Acórdão nº 70084167378 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Criminal, 28-04-2022

Data de Julgamento28 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo70084167378
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO


VFM

Nº 70084167378 (Nº CNJ: 0055096-92.2020.8.21.7000)

2020/Crime


APELAÇÃO-CRIME.
TRÁFICO DE DROGAS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. SENTENÇA PARCIALMENTE CONDENATÓRIA. IRRESIGNAÇÕES RECÍPROCAS.

1. PRELIMINAR DEFENSIVA. ATIPICIDADE DA CONDUTA DE POSSE DE ARMA DE FOGO. DESCABIMENTO. Não há se falar em atipicidade da conduta, pois, no reverso da intelecção defensiva, o réu foi condenado pelo crime de porte de arma de fogo de uso permitido, conduta descrita no artigo 14, ?caput?, do Estatuto, e não pelo crime de posse de arma de fogo. Demais disso, ainda que o autor tivesse sido condenado pelo crime de posse de arma de fogo, a atipicidade da conduta, que fora reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, depende de haver registro da arma de fogo, do que não se tem notícia nos autos. Preliminar rejeitada.

2. PRELIMINAR DEFENSIVA. DA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. Referiu a defesa, em prefacial que ?o que se constata no presente caso é que a denúncia do órgão acusatório contra o acusado não merece prosperar haja vista que no caso em comento não incorreu no delito em questão, não cometeu crime algum, portanto, não se justifica a condenação proferida em primeiro grau, merecendo ser a r. sentença?. Preliminar que, em verdade, confunde-se com o mérito, razão pela qual merece ser apreciada quando da análise do mérito recursal, pois com esse se confunde.
3. PRELIMINAR DEFENSIVA. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE O COMPORTAMENTO DO APELANTE E O RESULTADO DO EVENTO. Igualmente não merece guarida a preliminar suscitada pela defesa. Isso porque, conforme já assentado pela Jurisprudência da Corte da Cidadania, os crimes previstos no artigos 12, 14 e 16, todos da Lei 10.826/2003 são de mera conduta ou de perigo abstrato, cujo objeto jurídico imediato é a segurança coletiva. Assim, prescindível a ocorrência do resultado naturalístico para a consumação do delito, bastando que a conduta de portar arma de fogo seja realizada pelos agentes. Portanto, não há falar em nexo de causalidade ? elo entre a conduta e o resultado- em crimes dessa natureza, justamente, porque, não se exige a ocorrência do resultado. Rejeito a preliminar.
4. TRÁFICO DE DROGAS. SOLUÇÃO ABSOLUTÓRIA. REFORMADA. Para a configuração do ilícito penal previsto no artigo 33 da Lei nº 11.343/06, prescinde que o agente seja preso no momento exato em que fornece materialmente a substância proscrita para terceiro, bastando para que seja caracterizado o tráfico a presença de circunstâncias concretas a indicar o comércio ilícito de entorpecentes. Dos elementos prospectados nos autos, tenho que a condenação do réu Luís Fernando, no caso concreto, é medida imperativa. Quatro policiais militares foram ouvidos em Juízo como testemunhas de acusação. Três deles referiram que receberam informações de que, no local dos fatos, estaria ocorrendo o tráfico de drogas. Deslocaram-se para averiguar a veracidade das informações. Quando chegaram no endereço, visualizaram o réu, em via pública, próxima à residência com as características da denúncia, e decidiram efetuar a abordagem. Durante a revista do réu, localizaram um revólver, um celular e 15 pedras de crack. Na sequência, o réu indicou a casa, onde foram encontradas as munições, além de uma arma de calibre 12, e mais pedras de crack. O réu, por sua vez, nega a autoria dos fatos. Afirma que teria ido ao local apenas comprar drogas, e que os objetos apreendidos não seriam seus (com exceção do celular e de R$ 15,00), mas sim de dois menores de idade, que estariam na casa traficando. Alega ainda que os agentes teriam lhe dito que ele iria ?assumir? a droga e as armas, em razão da menoridade dos outros dois envolvidos. Entretanto, o depoimento do apelante revela contradições e indícios que fortalecem a acusação, permitindo reconhece-lo como autor dos fatos narrados na denúncia. De início, o réu afirma que não tem profissão. Disse que a casa que indicou aos policiais é conhecido ponto de venda de entorpecentes. Mencionou que pediu o celular de seu pai emprestado, pois ?estava com alguns atritos lá no bairro, por causa dessas fulia de facção?. Informou que ?tinham matado um sobrinho na frente da minha casa?. Questionado, esclareceu que o sobrinho foi morto ?por esses embolamentos de facção?. Esteve no ?Apanhador? na ala ?a? que, conforme questionamento do MP, respondido de forma afirmativa pelo apelante, seria comandada pela facção ?Manos?. Questionado pelo MP sobre de quem seria o ponto de drogas no qual ele foi preso, a resposta foi ?é dos Manos?. Perguntado se seu sobrinho pertencia a alguma facção ou se ele era independente, o réu afirma que não sabia, mas que sabe que ele era trabalhava com drogas. Em seguida, questionado pela acusação se o sobrinho vendia drogas ?nesse lugar aqui? o réu respondeu que ?sim?. Quando perguntado pelo MP se o sobrinho falecido, que vendia drogas, trabalhava na casa, local do flagrante do réu, este respondeu que sim. Quando perguntado pela defesa acerca do questionamento formulado pela Juíza que presidia a solenidade em relação aos nomes dos rapazes que estavam na casa, respondeu: que não disse porque não sabia e porque ?a gente não se delata?. Em que pese em Juízo o réu tenha negado a imputação, é certo que a prova oral produzida corrobora a acusação, bem ainda evidencia, com clareza, ter sido ele o protagonista do crime de tráfico de drogas descrito na denúncia. Situação de traficância configurada.

5. PALAVRAS DOS POLICIAIS MILITARES. VALIDADE. Deve se ter presente que o fato de as testemunhas de acusação serem agentes públicos, por si só, não se consubstancia em motivo para que suas declarações sejam recebidas com cautela ou ressalva, salvo nas hipóteses em que reste evidenciado o interesse particular do servidor público na investigação, o que sequer se cogita no caso em tela.

6. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. DECRETO ABSOLUTÓRIO REFORMANDO. No que pertine ao delito de posse de arma com a numeração suprimida, a prova é absolutamente segura, apontando com clareza a apreensão de 1 espingarda, calibre 12, com numeração raspada, marca CBC. Com efeito, o depoimento dos policiais militares, ouvidos na condição de testemunhas, bem como das informações prestadas na fase investigativa pelos outros agentes que participaram da prisão do apelante, são uníssonos e coerentes no sentido de durante patrulhamento de rotina, abordaram o réu, e, durante as buscas realizadas na casa indicada pelo autor, foram apreendidas a espingarda e 11 cartuchos, calibre 12. Outrossim, as plenas condições de uso e funcionamento dos artefatos arrecadados, bem ainda a supressão do número de série do armamento por processos abrasivo, foram devidamente atestadas nos autos, a partir do laudo pericial nº 92185/2018 (fls. 207/208).
7. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A MAJORANTE DO ART. 40, IV, DA LEI 11.343/06. Arma apreendida com o réu nas mesmas circunstâncias do tráfico. Desclassificação do delito de porte de arma de fogo para a majorante do art. 40, IV da lei 11.343/2006. No tópico, vencida a Relatora.

8. DOSIMETRIA DA PENA. (i) Tráfico de Drogas. (i.i) Pena-base. Pena-base redimensionada para 5 anos e 10 meses de reclusão, mantido o tisne conferido à moduladora antecedentes. (i.ii) Pena provisória. Na segunda fase do cálculo, por tratar-se de réu reincidente (processo 010/21600134936), procedo ao aumento de 1/6 da pena provisória, fixando-a em 6 anos, 9 meses e 20 dias de reclusão. (i.iii.) Pena definitiva. Por derradeiro, reconhecida a majorante pela douta maioria, resta definitivo o apenamento relativo ao crime de tráfico de drogas em 7 anos, 11 meses e 8 dias reclusão. No ponto, entendo como inviável o reconhecimento da privilegiadora do tráfico de drogas em benefício de Luís Fernando, diante da recidiva. (i. iv) Pena de Multa. A pena de multa, por sua vez, vai fixada em 793 dias-multa, à razão unitária mínima, pois, em equivalência com a pena principal estabelecida. (ii) Posse ilegal de arma de fogo de uso restrito. (ii.i) Pena-base. Fixada pela em 3 anos e 1 mês de reclusão, em razão do enfuste conferido à vetorial antecedentes. (ii.ii.) Pena provisória. Na segunda etapa, reconhecida a agravante da reincidência, a pena provisória vai estabelecida em 4 anos e 1 mês de reclusão, assim cimentada. (ii.iv.) Pena de multa. A pena de multa, por sua vez, vai fixada em 13 dias-multa, à razão unitária mínima, pois, em equivalência com a pena principal estabelecida. (iii) Concurso material. Caracterizado o concurso material de crimes, a somatória das penas resulta em um apenamento definitivo de 12 anos e 8 dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado, e 806 dias-multa, à razão mínima unitária. (iv) Regime inicial de cumprimento de pena. Por força de determinação legal, estabeleço o regime inicial fechado para o cumprimento da pena, em observância ao artigo 33, , alínea ?a?, do Código Penal.

PRELIMINARES DEFENSIVAS REJEITADAS, POR UNANIMIDADE.
NO MÉRITO, APELO MINISTERIAL PROVIDO, POR UNANIMIDADE. APELO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO, POR MAIORIA.

Apelação Crime


Terceira Câmara Criminal

Nº 70084167378 (Nº CNJ: 0055096-92.2020.8.21.7000)


Comarca de Caxias do Sul

LUIS FERNANDO MACHADO DIAS


APELANTE/APELADO

MINISTERIO PUBLICO


APELANTE/APELADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Magistrados integrantes da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em rejeitar as preliminares defensivas, e, no mérito, também por unanimidade, dar provimento ao recurso do Ministério Público para condenar o réu Luís Fernando Machado Dias, às sanções do artigo 33, caput, da Lei 11.343/06 e do artigo 16, caput, da Lei 10.826/03.
Por maioria, dar parcial provimento ao recurso defensivo, para desclassificar o crime previsto no artigo 14 da Lei nº 10.826/2003 e afastar a vetorial consequências,...

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