Acórdão nº 70084799832 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceiro Grupo de Câmaras Criminais, 29-01-2021

Data de Julgamento29 Janeiro 2021
ÓrgãoTerceiro Grupo de Câmaras Criminais
Classe processualEmbargos Infringentes e de Nulidade
Número do processo70084799832
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO


LAS

Nº 70084799832 (Nº CNJ: 0118342-62.2020.8.21.7000)

2020/Crime


EMBARGOS INFRINGENTES.
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. PRISÃO PREVENTIVA NÃO DECRETADA NA ORIGEM. PERICULUM LIBERTATIS NÃO DEMONSTRADO DE FORMA CONCRETA. PREVALÊNCIA DO VOTO DIVERGENTE.

No particular, embora demonstrado o fumus comissi delicti, consubstanciado na prova da existência dos fatos e indícios suficientes de autoria, o mesmo não pode ser dito em relação ao periculum libertatis (situação de perigo gerada pelo estado de liberdade dos agentes), isso porque não demonstrada a situação concreta ?
contemporânea ? capaz de chancelar a restrição máxima da liberdade dos agentes, especialmente diante do caso concreto, na medida em que entre o requerimento da segregação cautelar e a efetiva análise ? indeferida ? transcorreu lapso superior a um ano, e entre aquele e o acórdão, quase dois anos, o que, a meu sentir, nos exatos termos do voto divergente, afasta os efeitos deletérios causados à ordem pública.
EMBARGOS INFRINGENTES ACOLHIDOS.
POR MAIORIA.

Embargos Infringentes e de Nulidade


Terceiro Grupo Criminal

Nº 70084799832 (Nº CNJ: 0118342-62.2020.8.21.7000)


Comarca de Panambi

BRUNO BORGES DOS SANTOS


EMBARGANTE

FABIO DA SILVA


EMBARGANTE

LUIS DIEGO PINTO


EMBARGANTE

MINISTERIO PUBLICO


EMBARGADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Magistrados integrantes do Terceiro Grupo Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em acolher os Embargos Infringentes, vencido o Doutor Ricardo Bernd.

Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores Des.
Ivan Leomar Bruxel (Presidente) e Dr. Ricardo Bernd, Des. Sérgio Miguel Achutti Blattes, Dr. Volnei dos Santos Coelho.

Porto Alegre, 29 de janeiro de 2021.


DES.ª LIZETE ANDREIS SEBBEN,

Relatora.


RELATÓRIO

Des.ª Lizete Andreis Sebben (RELATORA)

Trata-se de embargos infringentes opostos pela Defensoria Pública, em favor de BRUNO BORGES DOS SANTOS, FÁBIO DA SILVA E LUIS DIEGO PINTO, contra a decisão proferida no recurso em sentido estrito nº 70083764266, que, por maioria, acolheu o pedido formulado pelo MP para decretar a prisão preventiva dos ora recorrentes (voto majoritário proferido pela Desembargadora Bernadete Coutinho Friedrich, acompanhado pelo Desembargador José Ricardo Coutinho Silva), vencido o Desembargador Sérgio Miguel Achutti Blattes, que desprovia o recurso, mantendo a decisão que indeferiu a segregação cautelar.

No citado aresto constou a ementa que ora transcrevo:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO.
CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBOS MAJORADOS. REPRESENTAÇÃO PELA PRISÃO PREVENTIVA INDEFERIDA. INSURGÊNCIA MINISTERIAL. Os fatos que deram causa à segregação, roubos majorados, porque crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima cominada superior a quatro anos, admitem a decretação da prisão preventiva, nos termos do art. 313, inciso I, do CPP. A presença do fumus comissi delicti é incontroversa, diante do recebimento da denúncia, que exige para tanto, o reconhecimento da prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria. O periculum libertatis em relação aos recorridos é certo, como demonstram suas certidões de antecedentes criminais, que autorizam concluir, que, em liberdade, grande o risco de voltarem a delinquir, pondo, assim, em risco a ordem pública. Então, adequada e necessária a decretação e manutenção da prisão preventiva dos recorridos, o que leva ao acolhimento da pretensão recursal para revigorar a custódia cautelar. RECURSO PROVIDO, POR MAIORIA.(Recurso em Sentido Estrito, Nº 70083764266, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Bernadete Coutinho Friedrich, Julgado em: 13-08-2020)
Em razões recursais, a Defesa Pública postulou a prevalência do voto vencido, da lavra do Desembargador Sérgio Miguel Achutti Blattes, que desprovia o recurso para manter a decisão recorrida.
Nesses termos, postulou o acolhimento dos embargos infringentes.

Os embargos infringentes foram recebidos (fl. 98).

A defesa de Michael desistiu do recurso apresentado em razão da sua soltura na origem.

O Ministério Público, em seu parecer, da lavra da Dra.
Maria Ignez Franco Santos, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento dos embargos infringentes.

Por fim, vieram-me os autos conclusos para julgamento.


Este Terceiro Grupo Criminal vem adotando o procedimento informatizado utilizado por este Tribunal, atendendo, assim, o disposto nos arts. 609 do CPP e 170, II, do seu Regimento Interno.


É o relatório.

VOTOS

Des.ª Lizete Andreis Sebben (RELATORA)

Presentes os requisitos de admissibilidade, impõe-se o conhecimento dos presentes embargos infringentes.


No caso dos autos, o MP recorreu através de recurso em sentido estrito da decisão do juízo singular que indeferiu o pedido de prisão preventiva dos ora embargantes.
Em síntese, a acusação pugnou a reforma da decisão sustentando que a prisão se justifica para fins de acautelamento da ordem pública.

Segundo o instrumento, possível verificar que a acusação, quando da denúncia (25.10.2018), requereu a prisão preventiva dos denunciados, pedido este apreciado (e desacolhido) somente em 18.12.2019, ou seja, após o transcurso de mais de um ano, após a acusação reiterá-lo em audiência de instrução.


Do indeferimento, o MP recorreu (08.01.2020) e, formado o instrumento, após remessa dos autos a este TJRS, já com parecer (pelo provimento do recurso), o feito foi concluso (01.07.2020) e julgado pelo Colegiado (13.08.2020).


Pois bem. No caso concreto, considerando a fundamentação apresentada no voto vencido, tenho assistir razão aos embargantes. Pela pertinência, transcrevo-o, in verbis:

?
(...)
Rogando vênia à eminente Relatora, divirjo.


Em síntese, o órgão ministerial pretende seja decretada a prisão preventiva dos agentes para garantia da ordem pública, diante da gravidade abstrata dos crimes imputados aos recorridos.


Todavia, comungo do entendimento de que o referido fundamento não é idôneo a embasar a constrição máxima da liberdade individual, como já afirmado pelo Supremo Tribunal Federal:

EMENTA.
Habeas corpus. Processual Penal. Tráfico de drogas e associação para o tráfico. Artigo 33, caput, e art. 35, c/c o art. 40, IV, todos da Lei nº 11.343/06. Processo. Nulidade. Reconhecimento pretendido. Alegação de que a persecução penal se iniciou, ilicitamente, com base em denúncia anônima. Questão não analisada pelo Superior Tribunal de Justiça. Apreciação per saltum. Impossibilidade. Supressão de instância configurada. Precedentes. Prisão preventiva. Decretação por força da mera gravidade da imputação, sem base em elementos fáticos concretos. Inadmissibilidade. Medida que exige, além do alto grau de probabilidade da materialidade e da autoria (fumus commissi delicti), a indicação concreta da situação de perigo gerada pelo estado de liberdade do imputado (periculum libertatis) e a efetiva demonstração de que essa situação de risco somente poderá ser evitada com a máxima compressão da liberdade do imputado. Necessidade, portanto, de indicação dos pressupostos fáticos que autorizam a conclusão de que o imputado, em liberdade, criará riscos para os meios ou o resultado do processo. Inidoneidade, na espécie, dos fundamentos adotados para a decretação da custódia. Superação, nesse ponto, do enunciado da Súmula nº 691 do Supremo Tribunal Federal. Ordem parcialmente concedida para revogar a prisão preventiva do paciente, com extensão aos corréus. [...] 4. A prisão preventiva exige, além do alto grau de probabilidade da materialidade e da autoria (fumus commissi delicti), a indicação concreta da situação de perigo gerada pelo estado de liberdade do imputado (periculum libertatis) e a efetiva demonstração de que essa situação de risco somente poderá ser evitada com a máxima compressão da liberdade do imputado. 5. Constitui manifesto constrangimento ilegal a decretação da prisão preventiva com base na mera gravidade da imputação, sem a indicação concreta dos pressupostos fáticos que autorizam a conclusão de que o imputado, em liberdade, criará riscos para os meios ou o resultado do processo. 6. Ordem concedida para revogar a prisão preventiva do paciente, estendendo-se seus efeitos aos corréus que se encontram na mesma situação.
(HC 122057, Relator(a): Min.
DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 02/09/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-198 DIVULG 09-10-2014 PUBLIC 10-10-2014)
Efetivamente, não é possível partir do pressuposto de que a gravidade abstrata do delito, por si só, gera abalo à ordem pública e justifica a custódia cautelar.
Fosse assim, a ordem pública seria sempre violada pelo cometimento de qualquer delito. Isto, por si só, não é suficiente para autorizar a segregação preventiva de um indivíduo. Exige-se, para tanto, a demonstração de que, posto em liberdade, continuará colocando em risco a ordem pública ou o normal desenvolvimento do feito.

Pois especificamente a respeito do significado de ordem pública, tenho referido que tal expressão deve ser compreendida sem perder de vista a função precípua do Estado, através do Poder Judiciário, qual seja: prover justiça.
Tal é o fundamento primeiro do direito processual penal. Os órgãos da administração da justiça estão obrigados, sem exceção, a uma atividade de proteção jurídica e de administração da justiça. Este é o único objetivo. Não cabe ao julgador debruçar-se sobre a ética do ato imputado ao acusado, tendente a aprovação ou reprovação moral de uma conduta de determinado indivíduo. O julgamento jurídico não guarda necessariamente relação com a moralidade do ato julgado.

Daí a conclusão de que a ordem pública não é outra coisa senão a ordem jurídica, a qual, sempre que violada, causa desarranjo social.
E o Judiciário tem por obrigação garantir a proteção jurídica da sociedade e dos indivíduos. Nesta linha, quando o Judiciário, por...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT