Acórdão nº 70085052363 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 23-03-2022
Data de Julgamento | 23 Março 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça do RS |
Classe processual | Apelação |
Número do processo | 70085052363 |
Tipo de documento | Acórdão |
Órgão | Sétima Câmara Cível |
PODER JUDICIÁRIO
VLD
Nº 70085052363 (Nº CNJ: 0018789-08.2021.8.21.7000)
2021/Cível
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE E RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL CUMULADA COM DIREITO DE VISITAS.
1. Preliminar de cerceamento de defesa. Desacolhimento. Caso em que, embora tenha sido decretada a revelia da parte ré, ambos os demandados/recorrentes constituíram advogado e participaram de todos os atos processuais, tendo sido possibilitada a defesa dos interesses da criança, a produção probatória, apresentação de memoriais e interposição de recurso. Desnecessária a nomeação de curador especial. Preliminar afastada.
2. Alteração da sentença no que tange à exclusão do pai registral do assento de nascimento. Socioafetividade. Multiparentalidade. O plenário do Supremo Tribunal Federal ao decidir o Recurso Extraordinário n. 898.060-SP, firmou a seguinte tese: ?a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios?. Caso concreto em que a criança estabeleceu vínculo socioafetivo com o pai registral, sendo que a relação entre ambos se mantem íntegra desde o nascimento e mesmo após a revelação da paternidade biológica. Precedente desta Câmara Cível. PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
Apelação Cível
Sétima Câmara Cível
Nº 70085052363 (Nº CNJ: 0018789-08.2021.8.21.7000)
Comarca de Lagoa Vermelha
K.P.F.
..
APELANTE
V.F.J.
..
APELANTE
C.S.
..
APELADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Magistrados integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em desacolher a preliminar suscitada e dar parcial provimento à apelação.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro (Presidente) e Dr. Roberto Arriada Lorea.
Porto Alegre, 23 de março de 2022.
DES.ª VERA LÚCIA DEBONI,
Relatora.
RELATÓRIO
Des.ª Vera Lúcia Deboni (RELATORA)
Trata-se de apelação interposta por Kamilly P. F. (nascida 19/01/2014, 8 anos de idade), representada por Vera da C. P., e Vilson F. J., através de advogado constituído, inconformados com sentença da 1ª Vara da Comarca de Lagoa Vermelha que, nos autos da ação de reconhecimento de paternidade e retificação de registro civil ajuizada por Claimir S., julgou procedentes os pedidos formulados na exordial.
Transcrevo o dispositivo da sentença recorrida, in verbis:
Isso posto, com fundamento no artigo 487, inciso I do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE os pedidos formulados por CLAIMIR SPONGA em desfavor de KAMILLY PEREIRA FERRETTI, VERA DA CRUZ PEREIRA E VILSON FERRETTI, para o fim de:
a) Reconhecer a paternidade de Claimir Sponga sobre Kamilly Pereira Ferretti, devendo ser expedido o competente mandado de averbação junto ao Registro Civil das Pessoas Naturais de Lagoa Vermelha/RS, acrescentando-se ao nome da infante o patronímico do pai e identificação dos avós paternos e a exclusão do nome de Vilson Ferretti constante, atualmente, na certidão de nascimento dessa;
b) Fixar as visitas a serem realizadas realizadas em períodos quinzenais, nos finais de semana, além de alternância entre mãe e pai nas datas comemorativas, bem como nas férias escolares da filha.
Sucumbentes, condeno os réus no pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios que fixo em 15% do valor da ação, nos termos do art. 85, §2º do CPC.
Com o trânsito em julgado, determino a expedição de mandado para o Ofício do Registro Civil das Pessoas Naturais de Lagoa Vermelha/RS, a fim de providenciar os registros competentes, e nada mais sendo requerido, arquive-se com baixa.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Em suas razões recursais (fls. 201/206), os recorrentes aduziram, preliminarmente, a existência de nulidade processual, uma vez que a criança teve oportunidade de defesa dos seus direitos somente na audiência de instrução. Disseram que fora decretada a revelia, sem que houvesse a nomeação de curador especial. Sustentaram ser induvidosa a relação de pai e filha havida entre os requeridos. Afirmaram que a paternidade socioafetiva não somente se estruturou em relação ao apelante, mas como também em relação aos avós paternos. Apontaram que não há qualquer indício de que a apelante deseja excluir a paternidade socioafetiva, o qual é um direito da criança, que sequer foi ouvida no processo. Pediram a atribuição de efeito suspensivo. Pugnaram, em sede de preliminar, a nulidade do feito, em razão do cerceamento de defesa. Alternativamente, requereram a manutenção do pai registral no assento de nascimento da criança, bem como dos avós, diante da paternidade socioafetiva, autorizando-se a pluralidade registral.
Aportaram contrarrazões (fls. 207/211).
O Ministério Público opinou pelo conhecimento do recurso, afastando-se a preliminar e, no mérito, pelo seu parcial provimento (fls. 213/217).
Em petição, os apelantes noticiaram a homologação de sentença nos autos da ação de guarda, distribuída sob o nº 057/1.18.0001854-8, que envolve as mesmas partes da presente demanda. Disseram que Vilson F. J. é quem estaria prestando todos os cuidados necessárias à criança (fls. 221/222).
Ciente da manifestação da parte apelante, concedeu-se prazo para vista do apelado.
Após, o Ministério Público reiterou o parecer anterior.
Os autos vieram-me conclusos em 24/01/2022.
É o relatório.
VOTOS
Des.ª Vera Lúcia Deboni (RELATORA)
Eminentes colegas:
O recurso é apto, tempestivo e estão presentes os demais requisitos de admissibilidade.
Na origem, trata-se de ação de investigação de paternidade cumulada com retificação de registro civil e direito de visitas em face de Vilson F. e Kamilly P.F., representada por sua genitora, Vera da C.P.
Quanto à preliminar de nulidade do feito por cerceamento de defesa, adianta-se que não merece acolhimento e, para tanto, faz-se um breve histórico dos autos.
Com efeito, verifica-se que os apelantes foram regularmente citados (fls. 22 e 24), tendo deixado transcorrer in albis o prazo para apresentar contestação. Em sequência, o apelado requereu a decretação da revelia (fl. 25) e o pedido restou acolhido na decisão de fl. 26.
No mesmo momento, fora determinada a realização de exame de DNA que, mesmo intimadas as partes, restou frustrada por duas vezes, pois os recorrentes não compareceram para coleta de material genético.
Com isso, o recorrido requereu uma nova data para a coleta de material genético, determinando a intimação dos apelantes para comparecerem, sob pena de pagamento de multa no valor de R$ 50.00,00, nos termos do art. 497, do CPC (fl. 46).
Indeferido o pedido de novo agendamento (fl. 46), o apelado requereu a oitiva das testemunhas arroladas à fl. 7, bem como o depoimento pessoal da representante legal da criança, Vera (fl. 49).
No dia 27/02/2018, durante audiência, os apelantes compareceram e as partes concordaram em realizar o exame genético às custas do apelado (fls. 70/71). Posteriormente, foi juntado aos autos o resultado positivo do exame genético, indicando a filiação biológica entre ele e Kamilly (fls. 72/79).
Vê-se, assim, que ainda que tenha sido decretada revelia, os recorrentes constituíram advogado, compareceram nas audiências aprazadas, manifestaram-se nos autos, indicaram testemunhas para oitiva em solenidade, apresentaram memoriais e, inclusive, a presente apelação, tendo sido, portanto, garantida a defesa dos interesses da criança.
Aqui, destaca-se que no processo civil, as nulidades somente devem ser pronunciadas quando houver efetivo prejuízo, ressalvados, naturalmente, os casos em que o prejuízo decorrer de presunção legal expressa.
É o que se infere do disposto nos artigos 278 e 282 do Código de Processo Civil, assim vazados:
Art. 278. A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão.
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no caput às nulidades que o juiz deva decretar de ofício, nem prevalece a preclusão provando a parte legítimo impedimento.
Art. 282. Ao pronunciar a nulidade, o juiz declarará que atos são atingidos e ordenará as providências necessárias a fim de que sejam repetidos ou retificados.
§ 1º O ato não será repetido nem sua falta será suprida quando não prejudicar a parte.
§ 2º Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta.
Na hipótese vertente, portanto, não há falar em prejuízo, pois a genitora e representante da infante constituiu procurador para promover a defesa de seus direitos, tendo comparecido espontaneamente na audiência realizada em 27/02/2018.
Aliás, através do comparecimento espontâneo nos autos, a parte recorrente poderia ter alegado a nulidade processual, mas não o fez na primeira oportunidade que teve.
E, considerando que o advogado contratado deu prosseguimento ao feito, representando os interesses da criança, desnecessária a nomeação de curador especial, conforme determina o art. 72, inciso I, do CPC.
Logo, não há nulidade processual por cerceamento de defesa, motivo pelo qual rejeita-se a preliminar arguida.
No mérito, o pedido de reconhecimento da paternidade socioafetiva deve ser provido.
Explica-se.
Ao decidir o Recurso Extraordinário n. 898.060-SP, o plenário do Supremo Tribunal Federal, com a relatoria do Ministro Luiz Fux, reconheceu a igualdade entre a paternidade socioafetiva e a biológica, bem como a possibilidade de multiparentalidade.
Após o julgamento do caso paradigmático, com repercussão geral, a Suprema Corte consolidou, no Enunciado 622, a seguinte tese: ?a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos...
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