Acórdão nº 70085053056 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 29-04-2022

Data de Julgamento29 Abril 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Número do processo70085053056
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO


VFM

Nº 70085053056 (Nº CNJ: 0018858-40.2021.8.21.7000)

2021/Crime


RECURSO EM SENTIDO ESTRITO.
CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA.
1. DESPRONÚNCIA. INVIABILIDADE. Havendo prova da materialidade e suficientes indícios de autoria, a pronúncia é medida impositiva. Trata-se o decisum impugnado de decisão interlocutória mista não terminativa que encerra o judicium accusationes, devendo se limitar a expressar a razoabilidade da tese acusatória, encaminhando-a para o juízo natural dos delitos dolosos contra a vida, constitucionalmente competente para julgá-lo, por livre convicção. Deve ser o acusado submetido a julgamento pelo Conselho de Sentença, existentes elementos probatórios, angariados na fase judicial, a indicar que o réu, supostamente, cometeu o delito descrito na denúncia, observada a narrativa da vítima e de testemunha presencial do evento. Aos Jurados, depois da apreciação de todos os elementos encartados e dos debates travados em Plenário, em sua íntima convicção, cabe a decisão sobre a autoria delitiva, pois, nesta fase, a dúvida se procede em favor da sociedade. O livre convencimento motivo predominantemente na prova judicial, previsto no artigo 155 do Código de Processo Penal, é de observância obrigatória ao Juiz de Direito, encontrando mitigação nos crimes que são submetidos a conhecimento dos Jurados. De toda sorte, a pronúncia do réu é lastreada em prova produzida na etapa judicial. Sentença de pronúncia preservada. Inaplicabilidade do artigo 414 do Código de Processo Penal. Sentença de pronúncia mantida.

2. DESCLASSIFICAÇÃO PARA DELITO DIVERSO. AUSÊNCIA DE DOLO. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA. INVIABILIDADE. Plausível a tese acusatória, atacada a vítima com disparos de arma de fogo, atingida, inclusive, na região peitoral esquerda, incumbe ao Conselho de Sentença apreciar se, durante a ação, o recorrente possuía animus necandi nos termos do artigo 74, § 1º, do Código de Processo Penal, e artigo 5º, inciso XXXVIII, da Constituição Federal. Controversa a voluntariedade da desistência, somente aos Jurados cabe dirimir as dúvidas sobre sua ocorrência. Pronúncia mantida.
3. QUALIFICADORAS. A exclusão das qualificadoras somente poderá ocorrer se elas se revelaram manifestamente improcedentes, sob pena de usurpação da competência do Tribunal do Júri. (i) Motivo fútil: Havendo indícios de que a ação criminosa pode ter ocorrido por causa insignificante, não se pode descartar, de plano, a configuração da qualificadora em debate, sua plausibilidade devendo ser aferida pelo Conselho de Sentença. Qualificadora mantida. (ii) Recurso que dificultou a defesa do ofendido: Existindo filigranas probatórias a amparar a narrativa acusatória de que surpreendida a vítima com a ação do acusado, reduzindo-lhe a capacidade de reação, nos termos em que resenhados na denúncia, compete aos Jurados decidir acerca do modo de execução do crime. Qualificadoras mantidas.
4. LESÃO COORAL DE NATUREZA GRAVE. PORTE/TRANSPORTE/MANTER SOB GUARDA ARMA DE FOGO. CRIMES CONEXOS. PRONÚNCIA. POSSIBILIDADE. Havendo a pronúncia quanto ao delito doloso contra a vida, os crimes conexos também devem ser submetidos à apreciação do Conselho de Sentença, juízo natural da causa, nos termos do inciso I do artigo 78 do Código de Processo Penal, não se tratando de condutas manifestamente atípicas por inexistência de elementar dos ilícitos imputados.
5. consunção. crime atrelado ao estatuto do desarmamento. tentativa de homicídio qualificado. descabimento. Inviável a aplicação do princípio da consunção, com a consequente absorção do crime fim pelo crime meio. Tratam-se as condutas em questão de tipos penais distintos e autônomos entre si, os quais se destinam a proteger bens jurídicos diversos.

6. AGRAVANTES. COMPETÊNCIA PARA APRECIAÇÃO DO JUIZ-PRESIDENTE ACASO EXISTENTE ALEGAÇÃO EM PLENÁRIO. Para fins de pronúncia descabe ao Juízo singular manifestar-se sobre a incidência de circunstâncias agravantes, pois, conforme a regra do artigo 413, § 1º, do Diploma Adjetivo Penal, ?A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena?. Entendendo pertinentes as agravantes descritas na peça acusatória, deverá o Promotor de Justiça alegá-las em Plenário, ?alegações essas dirigidas ao Juiz-Presidente, pois é ele, em caso de condenação, que vai examiná-las, quando do cálculo da pena, a existência delas?, nos termos do artigo 476, ?caput?, do referido Código processual. Assim vai afastada as agravantes reconhecidas da parte dispositiva do decisum fustigado, a decisão sobre a caracterização competindo ao Juiz-Presidente do Conselho, acaso alegadas em Plenário.
7. CONCURSO DE CRIMES. De rigor a exclusão do concurso de crimes do dispositivo da sentença de pronúncia, pois não deve o Magistrado fazer qualquer menção a respeito da matéria, ?por se tratar de matéria que interessa à fixação da pena, a ser analisada apenas após o julgamento em plenário que concluir pela condenação do réu?.
RECURSO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO.
UNÂNIME.
Recurso em Sentido Estrito


Segunda Câmara Criminal

Nº 70085053056 (Nº CNJ: 0018858-40.2021.8.21.7000)


Comarca de Lagoa Vermelha

IORTON DUARTE LIMA


RECORRENTE

MINISTERIO PUBLICO


RECORRIDO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Magistrados integrantes da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao recurso defensivo apenas para afastar a referência às circunstâncias agravantes e ao concurso de crimes da parte dispositiva da r. sentença de pronúncia, com a ressalva apontada no voto.


Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores Des.
José Antônio Cidade Pitrez (Presidente) e Des.ª Gisele Anne Vieira de Azambuja.

Porto Alegre, 25 de abril de 2022.


DR.ª VIVIANE DE FARIA MIRANDA,

Relatora.


RELATÓRIO

Dr.ª Viviane de Faria Miranda (RELATORA)

De início, trago à baila o relatório da sentença de lavra do Juiz de Direito Dr. Michael Luciano Vedia Porfirio, que bem sintetizou os principais eventos da marcha processual (fls.
207/209):

(...).

O Ministério Público denunciou IORTON DUARTE DE LIMA, brasileiro, solteiro, (...) nascido em 17 de abril de 1969, com 45 anos de idade na época dos fatos, (...) dando-o como incurso nas disposições do artigo 129, §1o, inciso I, combinado com o artigo 61, inciso I, alíneas ?
a? e ?c? (FATO 01), artigo 121, §2o, inciso II e IV (FATO 02), na forma do artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, combinado com o artigo 14 da Lei 10.826/2003, todos na forma do artigo 69, do Código Penal, com a incidência do artigo 1o, inciso I, da Lei nº 8.072/90, pela prática do seguinte fato delituoso:

FATO 01

No dia 31 de outubro de 2014, por volta das 23h300min, na Av.
Afonso Pena, bairro Centro, Lagoa Vermelha/RS, o denunciado IORTON DUARTE DE LIMA, fazendo uso de uma garrafa, desferindo golpes com a garrafa e chutes, ofendeu a integridade corporal da vítima GERÔNIMO GOMES, causando-lhe as lesões corporais de natureza grave, consoante auto de exame de corpo de delito complementar de fl. 171, que consigna fraturas dentárias que culminaram com a perda de um dente incisivo superior.

Na ocasião, o denunciado IORTON DUARTE DE LIMA desferiu um golpe de garrafa na cabeça da vítima, a qual se encontrava na frente do Bar Lima Lanches, fazendo-a cair.
Em seguida, o denunciado passou a desferir chutes na cabeça e corpo da vítima.

O crime foi praticado por motivo fútil, tendo em vista que a vítima havia comprado uma motocicleta do denunciado e pago com um cheque sem fundos.


O crime foi cometido mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, qual seja, uma vez que agredida estava distraída na frente do Bar Lima Lanches.


FATO 02

No dia 31 de outubro de 2014, momentos após o FATO 01, na Avenida Afonso Pena, bairro Centro, Lagoa Vermelha/RS, o denunciado IORTON DUARTE DE LIMA, por motivo fútil e recurso que dificultou a defesa do ofendido, fazendo uso de uma arma de fogo (apreendida), efetuando disparos, deu início ao ato de matar GERÔNIMO GOMES, causando-lhe as lesões corporais descritas no Auto de Exame de Corpo de Delito de fl. 51, quais sejam ?
Na região peitoral esquerda apresenta um ferimento ovalar, com fibrina, medindo 0,7 cm de maior diâmetro; na região lombar direita apresenta uma esquimose, em fase de reabsorção, medindo 6 cm de maior diâmetro; se estendendo do epigástro, pela linha média corporal, até a região umbilical apresenta um ferimento cirúrgico medindo 15 cm de extensão; apresenta fratura parcial dos dentes incisivos central e lateral esquerdo superiores.?, não consumando o fato por circunstâncias alheias à sua vontade, uma vez que a vítima foi encaminhada a pronto e eficaz atendimento médico.

Na ocasião, o denunciado IORTON DUARTE DE LIMA, após sair do local, retornou conduzindo seu veículo, momento em que parou em frente ao Bar Lima Lanches, desembarcou do automóvel e passou a efetuar disparos de arma de fogo contra vítima.


O crime foi praticado por motivo fútil, tendo em vista que a vítima havia comprado uma motocicleta do denunciado e pago com um cheque sem fundos.


O crime foi cometido mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, qual seja, surpresa, uma vez que agredida enquanto se encontrava sentada em um banco da praça, recuperando-se da agressão sofrida momentos antes, não esperando novo ataque pelo acusado.


FATO 03

No dia 31 de outubro de 2014, em momento inicial não precisado nos autos até o fato FATO 02, o denunciado IORTON SUARTE DE LIMA portava, mantinha sob sua guarda e transportava (01) uma pistola, calibre.
22, marca Beretta, modelo 950, sem carregador, com numeração iniciada por B6 e o restante...

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