Acórdão nº 70085063956 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo70085063956
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO


JWN

Nº 70085063956 (Nº CNJ: 0019948-83.2021.8.21.7000)

2021/Crime


APELAÇÃO CRIME.
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIMES CONTRA A VIDA. homicídio qualificado. PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. QUALIFICADORAs do motivo do torpe e do CRIME COMETIDO MEDIANTE DISSIMULAÇÃO. MANUTENÇÃO. QUALIFICADORAS DO CRIME COMETIDO MEDIANTE TRAIÇÃO E MEDIANTE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA AFASTADAS. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA A PRONÚNCIA DO CORRÉU.

1. A existência do fato restou demonstrada e há suficientes indícios de autoria em relação à ré Delce. Nesta primeira fase processual, indaga-se da viabilidade acusatória, a sinalizar que a decisão de pronúncia não é juízo de mérito, mas de admissibilidade. No caso em tela, há indícios de que a ré, mediante disparos de arma de fogo, teria matado a vítima.

2. No que alude à qualificadora do motivo torpe, deve ser mantida. Da prova colacionada aos autos, é possível extrair o relato de testemunhas que afirmam que a ré pretendia se apropriar da casa e das terras que pertenciam à vítima, o que, inclusive, já havia verbalizado. Ademais, testemunha afirmou que após a morte do ofendido a ré foi até o INSS solicitar benefício previdenciário da vítima. Deste modo, a acusada pode ter agido imbuída de motivo vil, ignóbil, autorizando a submissão da qualificadora aos jurados.

3. Deve subsistir, ainda, a qualificadora da dissimulação. Conforme se denota nos autos, a vítima teria afirmado que recebeu uma ligação da ré para que fosse até o local do fato, a delibar que a acusada pode ter omitido e dissimulado a intenção homicida de modo a reduzir as chances de defesa da vítima.

4. Por outro lado, descabe manter as demais incidências da qualificadora prevista no artigo 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal. A traição e o ataque inopinado estão inseridos na dissimulação em tese empregada pela ré para o cometimento do crime, a indicar que o seu reconhecimento, nesse momento, ensejaria indevido bis in idem.
4. Não prospera, de outra banda, o recurso ministerial que busca a pronúncia do corréu Gabriel.

5. Não se pode admitir a pronúncia com base em elementos insuficientes que, embora tenham autorizado o recebimento da denúncia, não consubstanciam elementos probatórios indicativos da autoria delitiva. No caso em tela, a prova limita-se ao relato de testemunha, na fase policial, afirmando que o réu admitiu a autoria delitiva em uma conversa informal. Elemento de prova que não foi minimamente confirmado em juízo. Ausência de prova judicializada a amparar a tese acusatória que impõe a manutenção da impronúncia do réu Gabriel. Precedente do STJ.

6. A reconstrução dos fatos passados configura ponto fundamental do processo penal, considerada a sua função de verificar a acusação imputada, a partir do lastro probatório produzido nos autos. Surge, assim, a necessidade de adoção de uma perspectiva racionalista da prova, através da qual, embora não haja critérios legislativos rígidos de avaliação, o juízo sobre os fatos deve orientar-se por critérios de lógica e racionalidade, passíveis de controle em âmbito recursal ordinário. Precedente do STF.

7. O frágil informe testemunhal colhido no inquérito, produzido sem o amparo do contraditório e da ampla defesa, quanto mais alterado em juízo, não constitui standard probatório a confortar a pronúncia e, menos ainda, posterior condenação. O standard de prova no processo penal, para suportar uma pronúncia/condenação, deve ser: pela positiva, confirmação com elevadíssima (elevada, no caso da pronúncia, na linha da ?preponderância de provas incriminatórias?) probabilidade da imputação fática (há elementos de prova que confirmam ?todas as proposições fáticas que integram a imputação formulada pela acusação?); pela negativa, ausência de elementos que tornem viável ocorrência de fato concreto diverso.
8. A pronúncia não pode estar amparada em trecho inquisitorial frágil, que não encontra mínima corroboração pelos elementos judicialmente produzidos, em face da possibilidade da perda de um dos direitos mais caros do cidadão, a liberdade. Tratando-se o Tribunal do Júri de garantia institucional constitucionalmente consagrada (artigo 5º, XXXVIII, da CF), deve ser harmonizado aos demais direitos individuais fundamentais, como a presunção de inocência, a plenitude de defesa e o devido processo legal adequado às premissas do Estado Democrático de Direito.

RECURSO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO.


APELO MINISTERIAL DESPROVIDO.
POR MAIORIA.
Apelação Crime


Primeira Câmara Criminal

Nº 70085063956 (Nº CNJ: 0019948-83.2021.8.21.7000)


Comarca de Santa Cruz do Sul

MINISTERIO PUBLICO


APELANTE

GABRIEL FRANCISCO NEVES


APELADO

NILSO BERTE


ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


Acordam os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, dar parcial provimento ao recurso defensivo e, por maioria, desprover o apelo ministerial.

Custas na forma da lei.


Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des.
Sylvio Baptista Neto (Presidente) e Des. Honório Gonçalves da Silva Neto.

Porto Alegre, 30 de março de 2022.


DES. JAYME WEINGARTNER NETO,

Relator.


RELATÓRIO

Des. Jayme Weingartner Neto (RELATOR)

O Ministério Público ofereceu denúncia contra DELCE NEPOMOCENO BERTÉ e GABRIEL FRANCISCO NEVES, dando-os como incursos nas sanções do artigo 121, § 2º, incisos I e IV (tripla incidência), do Código Penal.


Narra a denúncia:

No dia 10 de abril de 2014, por volta das 21h30min, na localidade de Linha Palmeira, interior de Gramado Xavier/RS, os denunciados DELCE NEPOMOCENO BERTÉ e GABRIEL FRANCISCO NEVES, em comunhão de vontades e conjugação de esforços, por motivo torpe, à traição, mediante dissimulação e recurso que dificultou a defesa do ofendido, fazendo uso de arma de fogo, mataram a vítima ELDER MARISON BERTÉ, produzindo-lhe as lesões somáticas descritas no auto de necropsia da fl. 07/IP, que referem como causa da morte ?
choque hemorrágico devido ferimentos em aorta abdominal, fígado, baço e rim esquerdo, secundários a ferimentos por arma de fogo?.

Para a perpetração do delito, a denunciada DELCE atraiu a vítima ELDER até o local acima mencionado, próximo à residência da própria denunciada, oportunidade em que, a mando desta, o denunciado GABRIEL, que também se encontrava no local mencionado, de posse de uma arma de fogo, percebendo a aproximação da vítima ELDER, passou a efetuar disparos contra o ofendido, ocasionando-lhe as lesões somáticas descritas no auto de necropsia acima referido, que foram a causa eficiente da morte da vítima ELDER.


O crime foi cometido por motivo torpe, uma vez que a denunciada DELCE planejou a morte e mandou matar o ofendido ELDER, seu ex-companheiro, com o objetivo de se apropriar das terras pertencentes à vítima, bem como tinha intenção de receber o benefício previdenciário dele.


O delito foi cometido mediante dissimulação, uma vez que, para atrair o ofendido ELDER até o local do crime, a denunciada DELCE, mediante contato telefônico, convidou o ofendido para ir até sua casa.
Ao deslocar-se até a residência da denunciada DELCE, o denunciado GABRIEL surpreendeu o ofendido, matando-o com os disparos de arma de fogo, a mando da denunciada DELCE.

O delito foi cometido à traição, uma vez que a denunciada DELCE, aproveitando-se da confiança que o ofendido ELDER depositava nela, enganou a vítima, fazendo-a crer que se dirigia até a residência da denunciada para lhe fazer companhia, deixando a vítima desprevenida.


O delito foi cometido mediante recurso que dificultou a defesa da vítima ELDER, uma vez que os disparos foram efetuados de inopino, sem que a vítima esperasse o ataque, tendo em vista que o denunciado GABRIEL atingiu a vítima sem que esta pudesse oferecer qualquer meio de defesa.



A denunciada DELCE concorreu para a prática do delito na medida em que foi a mandante da execução da vítima ELDER, tendo atraído o ofendido até sua residência e pedido que o denunciado GABRIEL executasse a vítima, enquanto esta se dirigia até a casa da denunciada.


A denúncia foi recebida em 1º de março de 2017 (fl. 291).


Sobreveio sentença de parcial procedência da ação penal para pronunciar a ré DELCE NEPOMOCENO BERTE coma incursa nas sanções do artigo 121, § 2º, incisos I e IV (tripla incidência), do Código Penal.
O réu GABRIEL FRANCISCO NEVES foi impronunciado, com base no artigo 414 do Código de Processo Penal (fls. 428/436).

Dessa decisão, apela o Ministério Público.
Em suas razões, requer que o réu Gabriel pronunciado, sustentando a presença de indícios de sua participação no crime (fls. 451/456v).

A defesa de Delce também recorre.
Em suas razões, aponta a insuficiência da prova produzida nos autos, requerendo a impronúncia da ré (fls. 465/472).

Foram apresentadas contrarrazões (fls.
458/462v e 473/478) e a decisão foi mantida (fl. 479).

Nesta instância, a Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso ministerial e desprovimento do recurso defensivo (fls.
493/502).

É o relatório.

VOTOS

Des. Jayme Weingartner Neto (RELATOR)

Registro, inicialmente, que defesa e Ministério Público recorrem da mesma decisão, razão pela qual o julgamento das irresignações será conjunto.


No mérito, induvidosa a existência do crime doloso contra a vida narrado na denúncia, o que se conclui a partir da comunicação de ocorrência (fls.
03/04), da certidão de óbito (fl. 06), do auto de necropsia e mapa das regiões anatômicas (fls. 07/08), do auto de arrecadação (fl. 10), pelo laudo pericial de pesquisa de álcool etílico em sangue (fls. 53/54), pelo relatório de ligações telefônicas (fls. 139/192), bem como da prova oral colhida.

Em relação à autoria, ressalta-se que nesta fase processual não há necessidade de certeza de prova, mas sim de indícios, ainda que os mesmos possam espelhar uma dúvida razoável.
Assim, somente caberia...

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